Secretaria de Saúde paulista nega preferência de atendimento a operadoras em hospitais geridos pelas entidades
Contraditória desde sua criação, a Lei Complementar 1131/2010, de São Paulo, que permite que os hospitais públicos destinem até 25% dos atendimentos a pacientes de planos privados, tornou-se objeto de discussão judicial. Em setembro, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE) conseguiu uma liminar judicial, suspendendo os efeitos da norma. A ação civil pública questiona, ainda, constitucionalidade da Lei.
Ainda cabe recurso da decisão, mas a expectativa, tanto do Ministério Público quanto de outras entidades, é que os magistrados da segunda instância tenham o mesmo entendimento do juiz Marcos de Lima Porte, que estabeleceu multa de R$ 10 mil no caso de descumprimento da liminar.
Para o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Cid Carvalhaes, a decisão do juiz corrigiu a “distorção dos interesses mercantis” impressos na Lei. “Ainda precisamos aguardar a decisão de mérito, mas a liminar vem de encontro ao que esperávamos”, afirmou.
A ação civil, impetrada pelos promotores de Justiça Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna Faggioni, argumenta que a lei e seu regulamento “agridem frontalmente inúmeras normas constitucionais e infraconstitucionais”. O MPE defendeu, em nota, que “se a medida for implementada haverá uma situação aflitiva na saúde pública do Estado, uma vez que os dependentes do SUS perderão 25% dos leitos públicos dos hospitais estaduais de alta complexidade, que já são, notoriamente, insuficientes para o atendimento da demanda da população.”
Mesmo com o caráter temporário da liminar, a decisão traz insegurança quanto o teor da Lei. Neste sentido, hospitais e operadoras de planos de saúde preferem aguardar a decisão final da justiça antes de se pronunciarem ou cogitarem a possibilidade de negociação de possíveis convênios.
Em São Paulo, 37 hospitais são gerenciados no modelo de Organizações Sociais de Saúde ou mediante convênios firmados com a Secretaria de Estado da Saúde. A Lei Complementar 1131/10 define, no entanto, que a oferta dos serviços a clientes de planos de saúde só será permitida em hospitais detentores de mais de 50% da oferta de serviços de saúde na sua região de inserção ou que prestarem serviços de saúde especializados e de alta complexidade.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria discorda do questionamento levantado pelo MPE e avalia que o entendimento do Ministério Público esteja equivocado, já que, segundo o órgão, “não haverá, de maneira nenhuma, desvio de atendimentos para pacientes de planos.”
Defesa
De acordo com a Secretaria de Saúde, não haverá reserva de leitos ou preferência a pacientes de planos de saúde nos hospitais. O órgão alega que os hospitais gerenciados por Organizações Sociais já recebem, espontaneamente, pacientes que têm planos de saúde, mas são atendidos pelo SUS. “Até hoje não havia possibilidade legal da cobrança de reembolso aos hospitais”, informou a assessoria.
Levantamento da secretaria aponta que um em cada cinco pacientes atendidos em hospitais estaduais gerenciados por OSSs na capital paulista possuem algum tipo de convênio ou plano de saúde. A fatura, no valor de R$ 468 milhões anuais, segundo a secretaria, vai para o SUS, retirando recursos que deveriam ser direcionados aos usuários da rede pública. “A secretaria entende que a nova lei corrige uma distorção existente, criando uma segunda fonte de financiamento para hospitais do governo. Esta lei promove justiça social ao garantir que os recursos do SUS serão aplicados na assistência dos pacientes que dependem exclusivamente da rede pública.”
O argumento foi constestado pelo presidente da Fenam. De acordo com Carvalhaes, que também é advogado, o ressarcimento ao SUS por planos de saúde já é previsto pela Lei 9656/98, que rege o setor suplementar, e por lei estadual. “O que falta é a cobrança. Falta o gestor público parar de se omitir”, afirmou.
A lei, se mantida, deve trazer benefícios às entidades filantrópicas que gerenciam os hospitais, já que será uma segunda fonte de financiamento. Mesmo assim, o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp), Edson Rogatti, admitiu a preocupação com os resultados em relação ao SUS. “O que o governo alega é que vai entrar mais recursos para o hospital, que passa por uma crise financeira muito difícil, mas mesmo assim, vai diminuir o número de vagas ofertadas, dificultando ainda mais o acesso ao SUS”.
A preocupação também é compartilhada pelo Sindhosp. Segundo o presidente da entidade, Dante Montagnana, os hospitais já operam com uma taxa de ocupação superior a 90%, e se houver uma reserva, será impossível cumprir com a demanda atual. “A verdadeira motivação da lei é meramente econômica. O que acontecerá é que os usuários dos planos acabarão tendo preferência, já que os recursos do SUS são limitados”.
A secretaria informou, ainda, que irá fiscalizar o cumprimento da legislação por intermédio de sua Coordenadoria de Contratos de Gestão dos Serviços de Saúde e de suas instâncias de regulação de vagas.
Fonte SaudeWeb
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