Médicos e advogados divididos sobre a responsabilidade pelo contágio do HIV. Caso de cantora alemã reacende discussão
Uma recente batalha na Justiça reacende a polêmica sobre a transmissão do vírus HIV. No interior de São Paulo, um homem é acusado de contaminar duas ex-namoradas e de tentar infectar outra mulher, que só escapou porque se recusava a ter relações sexuais desprotegidas.
Segundo o advogado de defesa, o acusado achava que a doença só era transmitida por transfusão de sangue e não pelo sexo. Ele afirma não haver intenção de passar o vírus, por isso pede para que o caso seja julgado como transmissão de doença grave, crime sujeito a oito anos de reclusão.
Já a promotoria reivindica que o caso seja visto como tentativa de homicídio, situação que permite uma pena bem mais severa, de até 48 anos de prisão. Mas afinal, como julgar o portador que passa HIV para outra pessoa?
A pergunta divide especialistas e juristas. Até o Ministério da Saúde (MS) já se manifestou sobre o tema e adotou uma postura contra a criminalização do portador. Isso evitaria o aumento da discriminação.
Por outro lado, a pessoa que contraiu a doença do parceiro tem o direito de processá-lo. Mas para ter uma decisão em seu favor é preciso comprovar que o parceiro realmente tinha a intenção de passar o vírus adiante.
As dúvidas sobre o tema têm aumentado nos últimos meses e gerado uma demanda acentuada nos Grupos Pela Vidda Niterói e Rio de Janeiro, especializados no apoio a portadores do HIV. Por conta disso, a entidade organizou recentemente um seminário no Rio de Janeiro sobre o tema.
Acusação complexa
Uma das principais dificuldades em processos contra portadores de HIV é provar a intenção criminosa. “Como se faz isso? É uma questão muito subjetiva”, questiona Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais do MS.
Uma das principais dificuldades em processos contra portadores de HIV é provar a intenção criminosa. “Como se faz isso? É uma questão muito subjetiva”, questiona Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais do MS.
Ele explica que também é preciso verificar diversos aspectos técnicos, como o tipo do vírus e aguardar a janela imunológica, que chega a durar até seis meses, para que se possa comprovar a possibilidade de contaminação pelo parceiro.
“Muita gente transmite a doença porque nem sabe que está infectado. O ministério estima que 255 mil brasileiros tenham o vírus e não saibam disso”, ressalta Barbosa.
Emoção e razão
A base da discussão está justamente na oposição entre razão e emoção. Barbosa afirma que muitos portadores se deixam levar pela necessidade de aceitação ou pelo desejo por outra pessoa e acabam assumindo comportamentos de risco.
A base da discussão está justamente na oposição entre razão e emoção. Barbosa afirma que muitos portadores se deixam levar pela necessidade de aceitação ou pelo desejo por outra pessoa e acabam assumindo comportamentos de risco.
Jaci Carioca Sampaio, do Grupo Pela Vidda, acrescenta o peso da discriminação sobre a escolha da pessoa em omitir sua doença. “Ela tem medo de ser rejeitada. A AIDS tem muitos mitos, como ser associada à promiscuidade ou ser vista como coisa de gays”, diz.
Para ela, cabe à pessoa decidir se conta ou não ao seu parceiro ser portadora do HIV. “É uma decisão muito particular, que deve ser estudada caso a caso, considerando o momento mais adequado”, afirma.
O problema é que algumas pessoas, antes de revelar sua condição, acabam sendo pressionadas a ter relações sexuais sem proteção. É como se isso representasse uma aceitação e um elo de confiança maior. “A pessoa não deve esquecer da sua responsabilidade: quando ela se protege, ela protege o outro”, diz.
Responsabilidade compartilhada
O dever da proteção contra AIDS ou qualquer outra doença sexualmente transmissível (DST) é de todos, de acordo com Barbosa. Por conta disso, quando uma pessoa adquire o vírus HIV, parte da responsabilidade é dela.
O dever da proteção contra AIDS ou qualquer outra doença sexualmente transmissível (DST) é de todos, de acordo com Barbosa. Por conta disso, quando uma pessoa adquire o vírus HIV, parte da responsabilidade é dela.
Essa responsabilidade compartilhada tira o foco exclusivo do portador. “Em relações consensuais, entre dois adultos, fica incompreensível como alguém vai querer reclamar depois”, diz o professor de matemática Jorge Adrian Beloqui, diretor do GIV (Grupo de Incentivo à Vida) e soropositivo.
Ele argumenta que as pessoas sabem da importância da camisinha contra a AIDS, mesmo assim assumem comportamentos de risco. De acordo com a última Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas relacionada às DST e Aids (PCAP), divulgada em junho de 2009, “a população tem um elevado índice de conhecimento sobre as formas de infecção pelo HIV e de prevenção da AIDS.”
A pesquisa, do Ministério da Saúde, mostra que 96,6% da população com idade entre 15 e 64 anos sabe que o uso de preservativo é a melhor maneira de evitar a infecção pelo HIV. E 93,6% sabe que não que existe cura para a AIDS.
Contudo, apenas 60,9% usaram preservativo na primeira relação sexual. O percentual é ainda menor no que se refere à última relação sexual com parceiros casuais: 58,8%.
Confiança no parceiro
Mas o fato da pessoa que se contaminou também ter responsabilidade sobre o contágio não reduziria a culpabilidade do portador. “Em relações estáveis, há confiança no parceiro e as relações sem camisinha acabam acontecendo. Se ele sabe que tem AIDS, mas não conta, não há como dizer que ele não tem culpa”, argumenta a advogada Margarida Pressburger, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ.
Ela ressalta que a doença “tem muitas peculiaridades” e por isso requer um cuidado maior. “Não há cura para AIDS. É possível processar uma pessoa por não ter contado, por não ter protegido o parceiro”, afirma a advogada.
Recentemente, as Nações Unidas publicaram um documento que censura fortemente todas as acusações de transmissão ou exposição ao HIV. Mesmo assim, existe uma exceção para os “casos de transmissão intencional, isto é, quando uma pessoa sabe o seu estatuto sorológico para o HIV e atua com a intenção de transmitir o vírus, e acaba por transmitir de fato.”
O documento foi criado devido à crescente incidência de processos mundo afora. Há registro de casos em muitos países: EUA, Canadá, Inglaterra, Suécia, Tailândia, Finlândia e Eslováquia.
Fonte Delas
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