Em 3 anos, instituições deixaram de recolher R$ 1 bilhão de encargos trabalhistas
Graças ao certificado de filantropia e ao reconhecimento como hospitais de excelência conquistado em 2008, Sírio-Libanês, Albert Einstein, Oswaldo Cruz, Hospital do Coração (HCor), Samaritano e Moinhos de Vento deixaram de recolher quase R$ 1 bilhão de encargos trabalhistas nos últimos três anos. Em troca, realizaram cerca de 135 projetos de apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns deles, afirmam especialistas, suprem carências importantes da rede pública. Falta, no entanto, um foco mais definido para o conjunto.
Entre as iniciativas mais ambiciosas estão a tentativa de criar centros captadores e transplantadores de órgãos fora da Região Sudeste, a implementação de bancos públicos de sangue do cordão umbilical, o desenvolvimento de diretrizes para tratar doenças raras ou que usam medicamentos de alto custo e o apoio às equipes que prestam atendimento de urgência em todo o País.
Mas os hospitais também incluíram no rol da isenção fiscal trabalhos que já desenvolviam antes do convênio com o Ministério da Saúde - que não necessariamente correspondem às prioridades do SUS. Um exemplo é o programa assistencial que o Einstein realiza há 30 anos na comunidade de Paraisópolis, zona sul da capital. Além disso, há iniciativas restritas a um único bairro de São Paulo, como o de rastreamento de câncer colorretal feito pelo Oswaldo Cruz na Mooca, zona leste.
Ao analisar o conjunto do trabalho feito nesse primeiro triênio, o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP Oswaldo Tanaka diz ficar evidente a falta de um plano estratégico por parte do ministério. "Consigo sentir claramente o interesse de cada hospital e o que seus grupos de médicos têm motivação para fazer. Mas tenho a impressão de que o governo está na mão do setor privado. Não tem critério para dizer sim ou não. E é muito dinheiro envolvido nessa parceria para não ter foco", opina.
Adail Rollo, diretor do Departamento de Economia da Saúde, Investimento e Desenvolvimento do ministério, diz que o primeiro triênio foi uma fase de transição. "Teve projetos de alcance local e de abrangência sistêmica. Mas criamos mecanismos para melhorar o alinhamento dos projetos nos próximos anos."
Uma das estratégias foi a definição de cinco eixos temáticos com os quais os programas do próximo triênio deverão estar relacionados: manejo das urgências, apoio à gestação e recém-nascidos de alto risco, atenção ao câncer e às doenças crônicas, ampliação da rede de transplante e aprimoramento da gestão dos hospitais públicos.
Além disso, os hospitais ficaram agora obrigados a apresentar uma carta consulta ao ministério, que pode ou não aprovar a proposta.
Antes, a negociação ocorria de forma fragmentada dentro da pasta. Somente no ano passado foi eleito um coordenador e criado um comitê para fiscalizar as parcerias.
Avanço
Ressalvas à parte, representantes dos hospitais de excelência avaliam como um "grande avanço" o novo modelo de filantropia criado em 2008. Antes disso, diz Sérgio Zanetta, do Sírio-Libanês, essas instituições tinham pouca relação com SUS. Prestavam só serviços assistenciais localizados. "Hoje participamos dos principais projetos de qualificação do sistema público. Não há um gestor das secretarias de Saúde estaduais ou de grandes municípios que não tenha passado por um de nossos cursos de capacitação. Tornou-se mais clara nossa vocação filantrópica."
Embora a maioria desses hospitais já possuísse a certificação de beneficente, nenhum deles cumpria a regra de ofertar ao menos 60% dos atendimentos ao SUS. Alberto Kanamura, do Einstein, explica que o custo da assistência nas instituições de excelência é muito superior ao que o sistema público paga, o que torna inviável cumprir a regra dos 60%.
"Não consigo atender como as Santas Casas, mas posso fazer projetos de interesse do SUS", diz. De outra forma, continua, esses recursos chegariam ao governo na forma de impostos. Assim, chega diretamente ao Ministério da Saúde.
Mas para a especialista em saúde pública Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, se os hospitais de excelência não podem atender ao SUS pelo que o sistema paga, deveriam abrir mão da isenção fiscal. "É melhor investir esses quase R$ 1 bilhão em atividades assistenciais do que em pesquisa e capacitação. E fica mais fácil de medir o impacto disso pelo número de consultas, exames e internações realizados", afirma.
Além disso, continua, o País possui uma grande capacidade instalada de ensino e pesquisa nas universidades. "Só se justificaria a renúncia fiscal se esses hospitais apresentassem uma competência que nenhuma outra instituição possui."
Eduardo Perillo, médico e historiador econômico, concorda. É preciso entender por que esses hospitais brigam tanto pela filantropia, diz. "Se não conseguem sobreviver como empresa, pagando todos os impostos, como podem transferir seu expertise de gestão para hospitais públicos?"
Para Mário Scheffer, pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, o carimbo de hospitais de excelência foi um grande presente que as instituições ganharam do ministério. "Além de não pagar impostos, ganharam reconhecimento e se tornaram mais competitivos no mercado", analisa. Não à toa, continua, estão se expandido acima da média.
Luiz Henrique Mota, do HCor, reconhece que a parceria é vantajosa para as instituições. "Mobiliza nosso corpo clínico e traz o reconhecimento da sociedade de que temos a qualificação para fazer projetos para melhorar a qualidade do SUS. Mas não é por isso que estamos crescendo."
Por meio de um decreto do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, foi concedida aos seis hospitais de excelência a possibilidade de realizar projetos de apoio ao SUS em troca de isenção fiscal. Dessa forma, eles ficavam livres de cumprir a regra de oferecer 60% dos atendimentos a pacientes da rede pública. A parceria foi oficializada com a Lei da Filantropia, em 2009.
O texto determinou que os projetos deveriam estar inseridos em quatro categorias: estudos de avaliação e incorporação de tecnologias, capacitação de recursos humanos, pesquisas de interesse público em saúde e desenvolvimento de técnicas de gestão em serviços de saúde. Antes de 2008, Albert Einstein, HCor, Sírio-Libanês e Moinhos de Vento já eram considerados beneficentes. Aplicavam 20% da receita em atendimentos gratuitos. Mas seus certificados estavam sendo questionados. O governo dizia ter dificuldade de acompanhar o cumprimento da regra.
Fonte Estadão
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