O InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo) realizou na sexta-feira passada, 2 de março, o primeiro transplante do país usando um pulmão recondicionado.
O órgão, que não tinha qualidade para ser transplantado, foi "recuperado" com a ajuda de um processo desenvolvido na Suécia, onde foi usado pela primeira vez em 2005. O receptor foi o mineiro Mateus de Moura, 31, que tinha uma doença pulmonar rara e não conseguia mais respirar sozinho. Ele recebeu dois novos pulmões.
O objetivo do recondicionamento, segundo o cirurgião Fábio Jatene, coordenador do Programa de Transplante de Pulmão do InCor, é aumentar o número de transplantes ao reduzir a proporção de órgãos doados que são rejeitados. Só entre 5% e 10% dos pulmões de doadores de múltiplos órgãos são usados.
No Brasil, em 2011, segundo dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, foram realizados 49 transplantes de pulmão, frente a 160 de coração e 1.492 de fígado, por exemplo.
A sobrevida após o transplante com pulmão recondicionado tem sido, segundo a experiência internacional, semelhante à do procedimento comum. Jatene diz que, por aqui, 80% dos pacientes que recebem novos pulmões sobrevivem um ano após a cirurgia. "É o período mais crítico."
O cirurgião explica que o tratamento feito para preservar os outros órgãos, em especial a administração de soro no corpo do doador, piora a qualidade dos pulmões, porque os deixa cheios de líquido.
Esse líquido, que fica entre os alvéolos pulmonares, atrapalha a oxigenação do sangue, reduzindo a função pulmonar.
Até agora, no país, pulmões nessas condições eram descartados. "Com o recondicionamento, conseguimos enxugar' o pulmão, fazendo-o voltar a funcionar bem. Temos a expectativa de até dobrar o aproveitamento dos órgãos", diz Jatene.
Segundo o médico, a técnica, no entanto, não recupera órgãos que tenham sofrido lesões como perfuração ou infecções.
Antes de realizar o primeiro transplante com órgão recondicionado, a equipe do InCor fez testes com 30 pulmões doados e que não teriam condições de transplante sem a nova técnica. "Essa foi uma exigência da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Por um lado, demoramos mais para começar a usar o tratamento. Por outro, já temos experiência acumulada de três anos de estudos."
Como funciona
O recondicionamento usa o princípio da osmose para "enxugar" o excesso de líquido nos pulmões.
Depois de ser retirado do corpo do doador, o órgão é colocado em um líquido para ser resfriado a uma temperatura bem baixa, perto de zero grau Celsius. Ao chegar à sala para o recondicionamento, o pulmão volta à temperatura ambiente e fica em uma espécie de bacia, conectado a tubos. Um deles irriga o pulmão com uma solução especial que tem a propriedade de "atrair" a água que está atrapalhando os alvéolos para dentro dos vasos sanguíneos. Ao ser bombeada e circular pelo órgão, a solução vai limpando os pulmões e recuperando sua capacidade de oxigenar o sangue.
O pulmão também fica ligado a um ventilador mecânico, como os usados em UTIs, para receber oxigênio e "respirar" mais ou menos como se estivesse funcionando dentro de um corpo.
De tempos em tempos, os médicos vão medindo a capacidade de funcionamento do pulmão e se o líquido foi drenado. No caso do transplante feito agora, o órgão ficou cinco horas na máquina antes de ser transferido para o paciente, Mateus de Moura.
Sua mãe, Ana Ribeiro de Moura, 55, de Itajubá (MG), conta que o filho estava na fila do transplante havia dois anos. Mateus e a família foram consultados pelos médicos sobre a possibilidade de o transplante ser feito com um órgão recondicionado. "Deixamos o Mateus decidir e ele disse que queria sim."
Jatene afirma que quase todos os pacientes consultados até agora aceitaram a possibilidade de receber um pulmão recondicionado. "Temos 85 pacientes na fila aqui no InCor e fazemos de 30 a 35 transplantes de pulmão por ano, com média de dois anos ou dois anos e meio de espera. Se dobrarmos o número de transplantes, reduziremos a espera para um ano. É isso que estamos procurando."
Fonte Folhaonline
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