Dificuldades em lidar com a dor podem refletir em sintomas somáticos ou desvios comportamentais
Oito horas separam a cidade de Parambu da capital Fortaleza, onde está localizado o hospital mais próximo da cidade natal de Maria do Socorro Gomes de Souza, no interior do Ceará. Maria e os 13 irmãos perderam a mãe, que descobriu um câncer generalizado por nunca antes ter consultado um médico devido ao difícil acesso a qualquer tratamento de saúde. Maria não foi ao funeral porque viera morar no Rio Grande do Sul em busca de trabalho. A tristeza da perda e a distância de casa levaram-na a imergir em um estágio de profundo luto. Por não ter se cuidado bem nesse período, e praticamente desistido de viver, acabou desenvolvendo depressão e câncer de mama.
Maria é um caso típico de como a doença pode chegar mais rápido quando a pessoa entristece e se deixa abater pelo luto. Sem vontade de trabalhar, de conviver, tampouco de buscar a cura, recebeu de seu médico a informação de que lhe restavam apenas dois meses de vida.
— Eu não aceitava a morte da minha mãe e isso me deixou triste demais para querer viver. Como se não bastasse, eu também estava com os dias contatos, e comecei a me entregar.
Com nódulos espalhados em uma das mamas, teve de fazer três cirurgias até se livrar totalmente do câncer. Aos 48 anos, estava com a autoestima dilacerada. Até que um dia, arrastada pela filha, começou a participar das reuniões do grupo da Associação de Apoio a Pessoa com Câncer (Apecan), em Porto Alegre. Nas primeiras vezes, sequer erguia a cabeça para olhar os companheiros. Mas, com o passar do tempo, recuperou a serenidade e passou a compartilhar sua história — fato que lhe deu força para combater a doença. Conseguiu recuperar a confiança em si, e hoje, com 52 anos, refez os planos e deu a volta por cima.
— A gente nunca volta a ser como antes. Agora, posso dizer que sou outra, muito mais feliz.
Psicóloga da entidade, Fernanda Aver Pupe explica que é bem comum pessoas desenvolverem câncer em decorrência de perdas ou do luto. No tempo devido, ela busca auxiliar pacientes ou familiares a reinvestir na sua afetividade. Fernanda explica que é notável a diferença na melhoria entre aqueles que só recebem tratamento físico e os que tratam também a parte emocional.
— Se a família não entende esse período de luto, a pessoa deve buscar auxílio terapêutico — considera.
A importância do tempo
A forma de lidar com a perda está intimamente relacionada com a capacidade de enfrentar frustações. Para curar a dor da perda, é preciso levar o tempo necessário, e esse tempo é diferente para cada um. A conversa sobre o assunto é uma forma de elaboração. Se não for externada de nenhuma forma, a dor desse momento pode ser descarregada no corpo com sintomas somáticos ou na conduta, com desvios comportamentais, como por exemplo, o abuso de álcool ou drogas, conforme explica o psicanalista Jair Knijnik, da Sociedade Psicanalística de Porto Alegre.
O psiquiatra alerta que, quando alguém elimina a dor muito rápido, é preciso ficar alerta, pois pode representar uma negação.
— Quando a pessoa aparenta estar bem, é preciso ficar alerta, pois pode ter a ver com a euforia — afirma o especialista.
Knijnik explica que as perdas de lutos nao devem ser medicadas, já que são reações normais do ser humano. Mas quando o estado se complica com quadro de depressão clínica ou desânimo excessivo, é recomendável buscar apoio.
— O tratamento psicológico ou psinalítico pode ajudar a desenvolver a capacidade de suportar perdas e entender que, quando perdemos algo, estaremos ganhando algo também — aconselha.
Cinco dicas para driblar o luto
1. Falar sobre o luto com pacientes de doença crônica, como câncer, incluindo seus familiares.
2. Buscar informação e rede de suporte, como psicólogos, psiquiatras e oncologistas. Compartilhar o momento com familiares e amigos também é importante.
3. Não ter preconceito em buscar apoio psicológico: em grande parte das vezes, a pessoa não consegue lidar sozinha com a situação.
4. Evitar comparações com lutos alheios e anteriores. Cada um deve "digerir" a dor da perda da sua forma.
5. Fale e deixe que pessoas que sofreram o luto a externar seus sentimentos.
Fonte: Antonio Dal Pizzol, oncologista do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre
Por Zero Hora
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