Kerolyn e Kauany se recuperam de cirurgia no Hospital São Vicente de Paulo Foto: Ender Machado Monteiro / Divulgação |
A notícia sobre a cirurgia que separou as irmãs gêmeas siamesas Kerolyn e
Kauany, em Passo Fundo, no último dia 2, chama a atenção para um caso muito raro
na medicina. A gemelaridade incompleta é uma das mais raras, complicadas e
desafiadoras malformações — acontece em um em cada 50 mil a 100 mil nascidos
vivos.
Conforme a equipe médica que operou as gêmeas, uma intervenção deste tipo
nunca havia ocorrido no interior do Estado. Além da cirurgia feita neste mês, no
Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo, o Hospital de Clínicas, da
Capital, fez cirurgias semelhantes nos anos de 1983 e 2006.
O caso mais remoto de que se tem notícia seria de 1953, na Louisiana (Estados
Unidos). Lá, a separação das siamesas Carolyn Anne e Catherine Anne Mouton,
unidas pela parte inferior da espinha dorsal, também teria sido a primeira
realizada com sucesso.
Embora não se saiba exatamente a origem da malformação, médicos atribuem o
problema à ausência de divisão incompleta do disco embrionário antes da terceira
semana de gestação. Certo é que o tratamento de casos assim requer a atuação de
uma equipe multidisciplinar. As cirurgias são geralmente longas, e há
necessidade de revezamento de quem participa. No caso das gêmeas de Passo Fundo,
20 profissionais atuaram em uma operação que durou nove horas.
Responsável pela realização de operação que separou gêmeas conjugadas, em
2006, no Clínicas, o cirurgião pediátrico José Carlos Fraga explica que o
procedimento envolve a participação de pediatras clínicos (para avaliação
pré-operatória e cuidados pós-operatórios em Unidade de Tratamento Intensivo),
além de médicos anestesistas e equipe com especialistas.
— Dependendo dos órgãos que necessitam ser divididos, haverá necessidade de
cirurgiões especialistas para cada um deles — explica.
Os casos mais frequentes de gêmeos conjugados são os unidos pelo tórax e pelo
abdômen. Como grande parte morre durante a gravidez ou após o nascimento, devido
às múltiplas malformações de órgãos, estima-se que a incidência real seja ainda
menor — em torno de um caso em 250 mil gestações. Dos sobreviventes, o
prognóstico dependente da existência de órgãos que possam ou não ser separados.
Ainda internadas e em recuperação da operação que as separou, as irmãs
Kerolyn e Kauany, que estavam unidas pelo abdômen, se preparam para fazer novas
cirurgias. Também exigirão muitos cuidados dos pais, Adriana Ribeiro, 31 anos, e
Juliano do Amaral e Silva, 23 anos, que vivem em Marau com mais duas filhas.
A Vitória e a Esperanza de Dona Sonia
Caso que chamou a atenção do Rio Grande do Sul em 2006, o nascimento das
irmãs gêmeas Maria Vitória e Maria Esperanza foi considerado outra exceção para
a medicina gaúcha. Filhas da dona de casa Sonia Regina Silva de Souza e do
jornaleiro Lucimar Antonio da Silva, de São Jerônimo, elas nasceram com um tipo
raro de união, observado na proporção de um para cada 200 mil nascidos vivos:
pelas costas, na região dorsal inferior (sacro). Mesmo tendo feito três
ecografias durante e gestação, a conexão entre os dois bebês não havia sido
diagnosticada. Por isso, o parto foi uma surpresa tanto para a mãe quanto para o
médico.
Após complicações e hemorragias, Sonia precisou de algumas transfusões
sanguíneas para se reestabelecer. Enquanto isso, os bebês foram levados para
Porto Alegre pelo pai. Em fevereiro de 2006, quando as gêmeas estavam com nove
meses, a separação foi feita por uma equipe composta por mais de 70
profissionais e coordenada pelo chefe da cirurgia pediátrica do Hospital de
Clínicas, José Carlos de Fraga.
O médico explica que, como apresentavam a musculatura da pelve em comum
(responsável pelo controle das fezes e da urina), no momento da separação foi
necessário dividir e cada um ficou com metade da musculatura esfincteriana. Seis
anos depois, apesar de um desvio na coluna de Maria Vitória e da incontinência
urinária, que obriga as duas meninas a usarem fraldas, elas levam uma vida
praticamente normal.
— Elas estudam, correm, brincam, andam de bicicleta, tenho até medo que
possam se machucar — afirma Sonia.
Entrevista
Gustavo Pileggi Castro, cirurgião pediátrico
"O maior risco é de hemorragia"
Conquistar a confiança dos pais foi essencial para que o cirurgião pediátrico
Gustavo Pileggi Castro assumisse a responsabilidade de realizar a cirurgia de
separação das gêmeas siamesas Kauany e Kerolyn, considerara rara. Em entrevista
ao Vida, ele conta detalhes sobre o caso.
Vida — Como foi o contato com mãe e as gêmeas antes da cirurgia?
Gustavo Pileggi Castro — O primeiro passo foi ter contato com a mãe.
Explicamos que era uma coisa rara e que teria condição, pelo que mostrava na
primeira ecografia, de fazer uma separação ideal, sem ter que escolher pela vida
de apenas uma das meninas.
Vida — Uma junta médica foi formada para estudar o caso?
Castro — Sim, desde o começo, quando definimos que eu iria assumir o caso.
Cerca de 20 profissionais se envolveram com as meninas. Foi conversado com os
médicos do Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico e Neonatal, radiologistas e
fisioterapeutas. Na cirurgia, fui acompanhado do doutor Paulo Reichert, de dois
anestesistas e de dois residentes.
Vida — Qual é o risco desta cirurgia?
Castro — O maior risco é de uma hemorragia durante o procedimento, que pode
levar uma das crianças a morte. A separação dos órgãos também oferecia risco. O
fígado foi uma parte bem delicada, pois o órgão é muito irrigado. Os intestinos
teriam que ser preservados ao máximo, pois é por meio deles que elas absorvem os
nutrientes e eles não poderiam ficar muito curtos. A bexiga também teria que ser
preservada, para que elas tivessem um futuro normal. Cada procedimento foi
estudado.
Fonte Zero Hora
Nenhum comentário:
Postar um comentário