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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Em busca de um novo modelo de remuneração

ANS começa projeto piloto que pretende transformar modelo de cobrança e relação entre hospitais e operadoras
 
Por Paulo Siva Junior/Revista FH
 
“O desconhecimento dos custos é de um amadorismo básico: não dá para gerenciar uma padaria sem saber quanto custa o seu pão.” Essa é uma das reflexões de Carlos Eduardo Figueiredo, responsável dentro da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por liderar a implantação dos novos modelos de remuneração no setor. O movimento, que está a todo vapor com a recente definição sobre o projeto piloto, pretende melhorar a relação entre hospitais e operadoras a fim de reduzir custos administrativos e, por consequência, melhorar a gestão e a qualidade dos serviços prestados no atendimento à população.
 
Dentro do cronograma já descrito pela agência, é hora de hospitais e operadoras iniciarem os testes, Hospital Albert Einstein com SulAmérica, Hospital Sírio-Libanês com Bradesco, entre outros. Com as datas definidas e um número crescente de companhias que vão aderindo ao projeto piloto – que tem duração prevista até o final de 2014, a expectativa agora é de que o setor possa quebrar alguns paradigmas para alavancar um novo momento no que diz respeito à gestão da informação que consta nesses processos.
 
“Temos de aprimorar nosso serviço de informação. É a hora de nós entendermos todo esse processo. Eu fico aflito, às vezes me impressiona a velocidade que outros lugares conseguem implementar coisas deste tipo, mas não dá para a gente virar a chave de uma hora para outra. Temos de ter a consciência de criar um ambiente para isso, com uma base técnica forte”, analisa.
 
O executivo afirmou ainda que, após o projeto piloto, a proposta da agência reguladora é que a adesão seja voluntária. Mas que as partes precisam se mobilizar para acelerar o processo e trocar experiências. “Eu digo com tranquilidade: não esperem o piloto. Levem essa discussão para a instituição de vocês e comecem a estudar, a olhar o cenário atual. Se a gente não se mexer, o cenário é pessimista. Se não mudarmos agora, pode morrer todo mundo abraçado, já que estamos num sistema muito caro sem trazer qualidade efetiva. Isso demanda relacionamento, demanda tempo, então comecem a avançar. É questão de sobrevivência”.
 
A mudança fará com que a remuneração dos hospitais deixe de utilizar o formato de conta aberta por serviço, o conhecido fee-for-service -, que detalha cada item utilizado na internação do paciente. Ela também faz com que ambas as partes dediquem equipes para discutir e rever contas e patamares cobrados.
 
A intenção da nova forma de negociação é unir, portanto, tudo que é comum e frequente aos atendimentos para que sejam cobrados de forma agrupada (serviços de enfermagem, administrativos e recursos físicos, de uma seringa a um quarto com suíte, por exemplo, colocados de forma conjunta). Dentro do grupo de trabalho montado pela ANS, a fase experimental é dividida em duas etapas: primeiro, a implementação do modelo de conta aberta aprimorada; depois, o teste do modelo de procedimentos gerenciados cirúrgicos.
 
“Como se faz um pacote hoje? Pega a média dos preços de internação num procedimento, faz um ajuste, negocia um valor e fecha com a operadora. Agora, no procedimento gerenciado, é diferente: temos de partir primeiro dos critérios de elegibilidade do hospital, do corpo clínico. Todo esse novo modelo pretende remunerar por desempenho, por padronização, por ajuste de risco, por livre concorrência”, completou o representante da ANS.
 
Exemplo português
Quando o assunto é modelo de remuneração, é difícil apontar um caminho que possa ser qualificado como ideal. Mas o conhecimento de algumas iniciativas pode ajudar na reflexão sobre o assunto. Em Portugal, por exemplo, há o Diagnosis Related Groups (Grupos de Diagnósticos Homogêneos), modelo conhecido mundialmente como DRG, que também pode ser chamado de GDH, na sigla em português.
 
O DRG foi um modelo desenvolvido por Robert Fetter na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, quando o engenheiro industrial se preocupou com a eficiência do setor da saúde. Quem conta é o ex-secretário de saúde do Ministério de Saúde de Portugal Óscar Gaspar. Segundo ele, Fetter ainda se atentou em criar um mecanismo que fosse funcional para todos os braços da estrutura de gestão: médicos, administradores e economistas.
 
“Os DRGs são uma forma de classificar os doentes internados em grupos clinicamente coerentes e similares do ponto de vista do consumo de recursos. Cada grupo tem um peso relativo, um coeficiente que reflete no custo esperado deste doente típico deste DRG. E então o índice de case mix (ICM) de um hospital resulta de uma relação entre doentes equivalentes ponderados pelo peso relativo dos DRGs e o número total de doentes”, explica Gaspar.
 
“A soma das altas ponderadas dividida pelo número total de altas chega ao índice case mix de cada hospital”, completa o ex-secretário de saúde de Portugal.
 
Até 1980, o país financiava os hospitais por custo real, “o que era uma desgraça, porque todo ano subia”, comenta Gaspar. Entre 1981 e 1984, a gestão começou a ser feita no modelo americano com preços por especialidades e por atos clínicos, “mas não sabíamos o que pagávamos, não sabíamos que duas coisas em hospitais diferentes eram a mesma coisa”, diz. Foi então que os especialistas de Yale apresentaram uma proposta de apoio técnico, e entre 1987 e 1990 foi feito um plano para reformular o financiamento dos cuidados de saúde em Portugal, com grande investimento do Estado. A partir de 1990, há 23 anos, portanto, o país se utiliza dos DRGs.
 
“Isso providenciou uma metodologia mais racional, aumentou a equidade da distribuição, passou a premiar quem faz mais e, em casos mais complexos, a estimular quem fazia menos, conseguiu controlar os custos sem prejuízo na qualidade do serviço – tinha gente que fazia treinamentos acima do necessário, por exemplo – e nos ajudou a criar uma auditoria nacional para analisar os procedimentos”, acrescentou o português.
 
Momento brasileiro
Figueiredo, da ANS, explicou porque o Brasil não se arrisca no modelo dos DRGs, mas deixa aberta a possibilidade para um momento posterior à atual mudança de remuneração em andamento.
 
“Vimos que pela característica do nosso país era melhor criar um modelo brasileiro. Seria muito difícil no sistema de saúde suplementar definir um modelo único que fosse alcançar todo esse grupo. Decidimos então aprimorar a informatização e desenvolver padrões para que em um futuro breve possamos evoluir pra grupos de diagnósticos homogêneos também”, disse.
 
E enquanto o país vai se adequando a uma forma mais moderna de gestão, o diretor-presidente da Planisa, Afonso José de Matos, faz um alerta. “No nível de gestão tivemos progressos, mas na relação dos hospitais com a saúde suplementar tudo que fizemos foi piorar. As condições da relação há dez anos eram melhores que há cinco anos, que eram melhor que hoje. E, se não arrancarmos logo com algum sinal de conquista, vai ser ainda pior daqui outros cinco”.
 
A consultoria é uma das especialistas neste setor de gestão dos custos na área de saúde. E Matos, há 16 anos organizando o congresso realizado em São Paulo, complementou: “desde então é a mesma batalha, mas acho que agora, finalmente, se sinaliza uma luz”.
 
O colega de Planisa, Sérgio Lopez Bento, que participou ativamente do grupo de trabalho que definiu o formato da nova remuneração, destacou ainda as duas vertentes a serem seguidas pelos agentes no país. “Temos de melhorar nosso sistema de informações e alinhar todo o corpo clínico nesta missão, o que é um grande desafio na gestão”.
 
Por fim, questionado sobre cenário brasileiro, Gaspar deixou uma última mensagem. “O Brasil está em evolução e o que me parece é que o País tem consciência sobre os erros que não pode cometer e os riscos de uma suposta aceleração. Tem de haver paciência e, acima de tudo, motivação”, finalizou, admitindo o otimismo.
 
Brasil a fora
No caso da Unimed em São Paulo, por exemplo, foram criadas ações educacionais para que a gestão se atente aos detalhamentos dos custos. Foi feita também a migração das margens de insumo para diárias e taxas e o início da implantação da ideia de procedimentos cirúrgicos gerenciados.
 
“O projeto da Fesp (Federação das Unimeds do Estado de São Paulo) é de implementar nos nossos hospitais próprios as diretrizes da nova sistemática de remuneração”, completou a supervisora Rita Kaluf.
 
A companhia teve um projeto aprovado em maio do ano passado, e lançou o piloto em julho. Na sequência, contratou a consultoria da Planisa para um auxílio nas adequações à nova remuneração, iniciando a primeira etapa, a da implementação da tabela compacta em 12 hospitais, em setembro de 2012. A fase seguinte, da migração de margens de insumos, se deu em outubro, com a capacitação de profissionais começando em março deste ano e ainda em andamento – deve durar seis meses. A última parte do projeto é a implantação dos procedimentos gerenciados cirúrgicos, prevista para começar neste mês de junho.
 
“É um projeto muito grande e desafiador. Eu comentava no início que minha impressão era estar entrando numa caverna escura, mas hoje eu já consigo ver luz”, disse Rita.
 
Outro exemplo é o catarinense. O gerente de atenção à saúde da Federação das Unimeds de Santa Catarina, John Decker, explicou que hoje a rede local da operadora já atua com diária compactada (algo próximo da conta aberta aprimorada) com cerca de 50 códigos para diárias, taxas de serviço e uso de equipamentos. E também está sendo feito com os sete hospitais próprios no Estado um estudo de impacto dos insumos sobre a conta hospitalar.
 
“O trabalho foi iniciado no meio do ano passado e é bastante pesado na coleta de dados. É uma dificuldade enorme, é até vergonhoso, mas infelizmente não temos as informações do jeito que gostaríamos de ter”, analisou.
 
Ele disse ainda que a Unimed em Santa Catarina está desde janeiro com a migração de margem concretizada: “foi feita uma análise nos quatro primeiros meses do ano e o que vimos é que a variabilidade do custo total foi muito pequena. Então a migração do material para diárias e taxas foi muito bem feita, bem calculada, a ponto de não trazer impacto para quem financia nem para o hospital. Claro que são meses atípicos para procedimentos deste tipo (os do começo do ano), mas o estudo continua e o próximo passo é a transferência de medicamentos, este um pouco mais difícil”, completou.
 
Cronograma do projeto piloto
Cada uma das aplicações passa pelas fases de: preparação de hospitais e operadoras; negociação dos valores entre as partes; capacitação das equipes; implantação do modelo em formato virtual; e monitoramento da ANS após a implantação.

Etapa 1 – Modelo de conta aberta aprimorada – conjunto de diárias e taxas pré-definidas que são negociadas por um preço único que já considera todos os itens incluídos no procedimento – de maio de 2013 a agosto de 2014

Etapa 2 – Modelo de procedimentos gerenciados cirúrgicos – elenco de procedimentos que serão cobrados de forma integral, considerando os insumos e recursos necessários para tal execução – de agosto de 2013 a dezembro de 2014

* Fonte: ANS
 
Sistema de saúde português
O sistema português é uma rede nacional de saúde universal, gratuita, e que oferece cobertura à população portuguesa em praticamente todas as patologias. Gaspar destaca que 85% dos leitos em Portugal pertencem ao Estado; que há dez anos o país começou a colocar em prática as parcerias público-privadas, com hospitais estatais feitos com investimento e gerenciamento privados em contratos de até 30 anos; e que os índices de satisfação da população são bastante relevantes, variando de um mínimo de 70% de aprovação no caso de urgências até 84% para cirurgias.
 
De acordo com ele, a despesa pública com saúde no país está abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e também é menor na relação com o total de gastos do Estado. “Ou seja, Portugal não põe dinheiro demais na saúde”, pontuou. E acrescentou que o País destina 4, 9% de seu PIB para o setor de saúde.
 
DRGs em Portugal

Problemas – Nem sempre o doente leva o cartão do SNS (Sistema Nacional de Saúde), o que dificulta a codificação; a heterogeneidade dos sistemas de informação das instituições de saúde; a dificuldade dos hospitais em reportar as informações; não adequação de alguns ponderadores; uso da codificação como fonte de receita (podem dizer que o financiamento se dá por um bom codificador, um médico que faça isso bem feito consegue muitos recursos com atos clínicos, o que demanda uma boa auditoria); subfinanciamento dos hospitais (a base de recursos para a saúde em Portugal é baixa para ser distribuída).

Virtudes – revolução no tratamento da informação em saúde; aumento dos cuidados (mostrar para os hospitais que não era preciso tanto internamento); redução de tempo de demora, camas de agudos e desperdícios; possibilidade de comparar instituições (como uma gasta mais se tem o mesmo grau de avaliação da equivalente?); pagamento mais explícito
e transparente.

Potenciais – maior ligação entre os cuidados a serem tomados; possibilidade de se classificar os gestores de saúde.

* Fonte: Óscar Gaspar, ex-membro do Ministério da Saúde português
 
Fonte SaudeWeb

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