Em 2008, teve o que chamou de surto: estava dirigindo e, sem saber o porquê,
não conseguia tirar o pé do acelerador. O carro foi batendo em outros veículos
da rua. Era a doença dando indícios.
Depois desse episódio, decidiu fechar os negócios. Saía de casa poucas vezes,
quase sempre a pedido dos filhos, e logo voltava para o quarto. Ficou cinco anos
em depressão.
"Era uma tristeza, eu não conseguia mais fazer as coisas. Passei três anos no
meu quarto. Antes eu me achava muito forte, dizia: 'Eu não vou ter depressão,
criei dois filhos após uma separação!'".
Com os medicamentos usados para tratar a doença, gastava cerca de R$ 900 por
mês. Os remédios davam dor de cabeça, formigamento e a deixavam com a visão
turva. "Eu estava enlouquecida".
Quem vê Cristiana hoje não tem ideia que há poucos meses a empresária tinha
receio de sair de casa até para ir ao mercado. Falante, sorridente e vaidosa,
ela se descreve como uma nova pessoa. O motivo da mudança? Um tratamento
pioneiro e inédito contra a depressão que está sendo testado na Santa Casa de
São Paulo.
ETCC
Chamado de Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC), a proposta
terapêutica é relativamente simples: uma corrente elétrica de baixa intensidade
é aplicada através do couro cabeludo, e facilita a atividade neuronal em áreas
onde está a atividade inibida e inibe em áreas em que a atividade está
exagerada, melhorando o quadro de depressão.
A empresária está em tratamento há dois meses com o médico Pedro Shiozawa,
autor da pesquisa. Como ela, mais de 50 pessoas vieram de diversas regiões do
Brasil para participar dos testes em São Paulo, geralmente incentivados pela
família --há pessoas de estados como Pernambuco e Paraná.
"Há só sete trabalhos publicados no mundo sobre depressão, e 10% da população
brasileira sofre com a doença", diz Shiozawa. "Dos depressivos tratados
ambulatorialmente, só 70% respondem. E tomarão remédio para sempre, e com
frequência terão outro episódio depressivo em 10 anos", continua.
A técnica inovadora ainda está em fase de testes, mas o médico se diz animado
com as respostas. O tratamento deve ser apresentado no Conselho Federal de
Medicina ao fim do ano para aprovação. "Temos uma taxa de sucesso de 70% a 80%.
Daqui a cinco anos vai estar no SUS", diz Shiozawa, confiante.
Mais barato
Uma das principais vantagens deste tratamento é a redução de custos. Além do
aparelho custar muito menos do que outros (como o de estimulação magnética) e
poder ser usado diversas vezes, diferentemente dos medicamentos que precisam ser
renovados mensalmente, a técnica é mais sutil e menos cara que outras terapias,
como o eletrochoque, que demanda sedação e costuma necessitar a presença de dois
médicos e um enfermeiro --sem contar que apresenta risco do paciente ter
prejuízos cognitivos.
"É barato, seguro e bastante efetivo", diz, confiante. "Em termos de saúde
pública, será algo muito plausível. Mesmo comparando com o remédio mais barato,
este tratamento é mais econômico", afirma o médico, que parece preocupado com
outro dado da saúde no Brasil: cerca de 50% da população toma algum tipo de
psicotrópico.
Em dois meses, os pesquisadores devem começar outro estudo com 150 pacientes
em depressão. Desta vez, para comparar com um medicamento considerado um dos
melhores do mercado, cujo custo é de cerca de R$ 200 por mês.
"Fui para o inferno e voltei"
Cristina faz questão de dar entrevistas para divulgar a técnica, dizendo ter
esperança de que outras pessoas possam ter a melhora que ela teve. Nos pacientes
tratados por Shiozawa, havia casos em que a pessoa com depressão não falava há
décadas e aos poucos tem retomado o convívio social.
"Os últimos anos foram terríveis. Fui para o inferno e voltei. Eu andava de
qualquer jeito, com qualquer roupa. Tinha vontade de sair de onde estava e ir
para o meu quarto", conta Cristina. Incentivada pelos filhos, ela fez uma viagem
de navio na época em que estava em depressão. Passava todo o dia na cabine e
chegava a acordar mais cedo para não cruzar com as pessoas ao tomar o café da
manhã.
"Eu era agressiva, brigada com todo mundo. Você perde o senso do ridículo",
diz ela, que as poucos tenta retomar a vida.
Se antes Cristina passava o dia dormindo, hoje voltou a pintar, atividade que não exerceu durante os anos da doença. E se só pensava em ficar no quarto, hoje planeja uma reforma. "Aquilo é um buraco. E agora eu estou saindo. Hoje o telefone não para de tocar. A rua não é tão perigosa assim."
Quem quiser participar da triagem para os testes contra a
depressão na Santa Casa deve mandar um email para pesquisa.depressao@gmail.com.
Fonte Folhaonline
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