A "caixa da normalidade" está cada vez menor e a culpa é do excesso de
diagnósticos de doenças mentais, diz o psiquiatra americano Dale Archer, autor
do best-seller "Better than Normal", recém-lançado no Brasil com o título "Quem
Disse que É Bom Ser Normal?" (Sextante, 224 págs., R$ 24,90).
Archer, 57, é psiquiatra clínico desde 1987 e fundou um instituto de
neuropsiquiatria em Lake Charles, Louisiana (EUA). Em 2008, ele notou que havia
algo errado com os seus pacientes: a maioria dizia ter um transtorno mental e
precisar de remédios --só que eles não tinham nada.
"Estamos 'patologizando' comportamentos normais. E isso não é só culpa da
psiquiatria", disse Archer, à *Folha, por telefone.
Um quarto dos adultos americanos têm uma ou mais doenças mentais
diagnosticadas, segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA. "Isso está
errado. Há uma gama de comportamentos que não são doença."
Em um ativismo "pró-normalidade", Archer descreve oito traços de
personalidade comumente ligados a transtornos, como ansiedade (veja acima), e
afirma que não há nada errado com essas características, a não ser que sejam
muito exacerbadas.
"O remédio tem que ser o último recurso, e não é o que eu vejo. As pessoas
entram em um consultório e saem com uma receita médica. A psicoterapia é
subestimada."
De outubro de 2012 a setembro de 2013, o mercado de antidepressivos e
estabilizadores de humor movimentou mais de R$ 2 bilhões no Brasil, segundo
dados da consultoria IMS Health. Nos últimos cinco anos, o número de unidades
vendidas desses remédios cresceu 61%.
Para Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de
Psiquiatria, os diagnósticos aumentaram, sim, mas da mesma forma como aumentou
os de outras doenças, de diabetes a câncer. "Isso é resultado da evolução da
medicina e da facilidade de acesso."
O mesmo pensa o psiquiatra Fabio Barbirato, da Santa Casa do Rio de Janeiro.
"Também aumentou o número de prescrições de insulina e anti-hipertensivo. Isso
ninguém questiona. Mas quando se fala de mente, da psique, todos têm uma
opinião", afirma.
Segundo Silva, o problema é o subdiagnóstico. Para ele, há mais deprimidos
sem tratamento do que pessoas sem depressão sendo tratadas.
Barbirato dá como exemplo o TDAH (transtorno do deficit de atenção e
hiperatividade). "O número de crianças com prescrição de remédios não chega a
1,5% no Brasil, e a estimativa mais baixa de presença de TDAH no país é de 1,9%.
Há crianças sem tratamento."
Critério antigo
Para a psicóloga Marilene Proença, professora da USP, a sociedade está "medindo" as crianças com réguas antigas. "Os critérios de diagnóstico de TDAH esperam uma criança que brinque calmamente, que levante a mão para perguntar algo. Isso não condiz com o papel da criança na sociedade. Ela está exposta a muitos estímulos e é tudo muito competitivo", diz.
Para a psicóloga Marilene Proença, professora da USP, a sociedade está "medindo" as crianças com réguas antigas. "Os critérios de diagnóstico de TDAH esperam uma criança que brinque calmamente, que levante a mão para perguntar algo. Isso não condiz com o papel da criança na sociedade. Ela está exposta a muitos estímulos e é tudo muito competitivo", diz.
Para a psiquiatra e psicanalista Regina Elisabeth Lordello Coimbra, da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, as pessoas estão menos
tolerantes às emoções.
"Há pouco lugar para a tristeza. E a exaltação e excitação são confundidas
com felicidade. Vivemos de uma forma mais estimulante, na qual emoções mais
depressivas, reflexivas, não têm espaço."
De acordo com Silva, o que caracteriza a doença mental é a gravidade dos
sintomas. "Deixa de ser normal quando a pessoa tem prejuízo, quando está tão
triste que não consegue sair da cama."
Ele argumenta que "invariavelmente" encaminha os pacientes para a
psicoterapia. E garante: nem sempre eles saem do consultório com uma receita
médica.
Folhaonline
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