Reprodução: O paracetamol é considerado seguro em doses terapêuticas |
Se você respondeu “tomar um paracetamol”, precisa ter cuidado.
Ingerir alguns comprimidos do medicamento para curar ressaca pode causar
uma lesão hepática fulminante, segundo a farmacêutica Silvana Maria de
Almeida, do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo. O cuidado
vale mesmo se a dosagem for menor do que a diária recomendada pela OMS
(Organização Mundial de Saúde), que é de até 4.000 mg. Segundo ela, o
álcool associado ao paracetamol também pode provocar sangramentos no
estômago.
Esses são apenas alguns dos riscos que o uso indiscriminado do
paracetamol, um dos medicamentos mais populares no mundo no combate à
dor e à febre, pode acarretar para a saúde.
A substância pode ser encontrada em comprimidos, em gotas ou ainda
como princípio ativo de outros medicamentos. O paracetamol é facilmente
adquirido nas farmácias, sem prescrição. Apesar de ser considerado um
medicamento seguro e eficaz, é preciso que o paciente fique atento e
respeite a dosagem recomendada –cometer exageros é mais fácil do que se
imagina.
Para ultrapassar os 4.000 mg recomendados pela OMS, basta ingerir
cerca de seis comprimidos dos “extra fortes” num período de 24 horas, ou
ingerir os comprimidos associados a outros medicamentos que também
contenham o princípio ativo.
“O paracetamol é considerado seguro em doses terapêuticas. É preciso
ficar atento, pois este princípio ativo também faz parte da composição
de uma série de medicamentos, sendo fácil tomar o dobro da dose”, aponta
o gastroenterologista Henrique Boruchowski, do Hospital Samaritano de
São Paulo.
Segundo Silvana Maria de Almeida, a superdosagem pode ser fatal. “O
uso indiscriminado pode levar a dano hepático, anafilaxia [reação
alérgica grave] e outras reações adversas como prurido [coceira],
problemas gastrintestinais, náusea, vômito, dor de cabeça, insônia,
agitação, atelectasia [colapso pulmonar], Síndrome de Steven-Johnson
(com erupção nas mucosas, olhos, nariz, vagina etc), necrólise
epidérmica tóxica e penumonite”, explica.
Fígado
A maior preocupação ao se usar o medicamento em excesso está ligada
aos danos que pode causar ao fígado. Após ser ingerido e processado pelo
organismo, uma das sobras desse processo é o composto NAPQI, que é
tóxico. Doses altas do medicamento fazem com que o NAPQI fique acumulado
no fígado, atacando as moléculas que formam as membranas das células
hepáticas e levando-as à morte. Se não for interrompido, o processo pode
levar à falência do fígado e à morte do indivíduo.
Se para obter uma superdosagem basta ir à farmácia mais próxima,
detectar os sintomas não é tão fácil assim. De acordo com estudo
publicado pelos pesquisadores da Universidade de Edimburgo, na Escócia,
no periódico “British Journal of Clinical Pharmacology” em 2011, a
superdosagem da droga é difícil de ser percebida, pois os sintomas podem
ser confundidos com a doença a ser combatida pelo medicamento: vômito,
náusea e dor abdominal.
Em geral, os sintomas se manifestam quatro horas depois da
superdosagem. Após um período de 24 horas, há convulsões e a piora do
quadro. Em 72 horas, com a destruição do fígado, o organismo não
metaboliza mais a amônia, que se acumula no corpo e pode provocar morte
cerebral. Para reverter uma intoxicação, é preciso receber tratamento
com N-acetilcisteína nas primeiras 24 horas.
“Nos casos de intoxicação leve a moderada, após o primeiro dia da
ingestão, os pacientes podem permanecer assintomáticos ou apenas
desenvolver náusea, vômito e dor abdominal. Nos casos graves de
intoxicação, pode haver falência hepática, incluindo coagulopatia e
encefalopatia hepática. Os pacientes devem procurar um serviço de saúde
rapidamente para que possa ter os cuidados necessários”, aponta Silvana
Maria de Almeida, do Hospital Israelita Albert Einstein.
O paracetamol é responsável por cerca de 1.500 mortes nos últimos dez
anos, de acordo com pesquisa realizada pela ONG de jornalistas Pro
Publica. O medicamento é a principal causa de insuficiência hepática e
de indicação de transplante de fígado nos Estados Unidos, com quase 800
casos nos últimos 15 anos. Por isso, a FDA (Food and Drug
Administration), agência norte-americana que regula alimentos e
medicamentos, vem tomando uma série de medidas para controlar o uso do
paracetamol.
Em janeiro deste ano, a FDA publicou uma norma recomendando a médicos
que não prescrevessem medicamentos com dosagem superior a 325 mg de
paracetamol associados a outras substâncias.
Cuidados
Medicamentos como a domperidona ou a ametodopromida podem aumentar a
absorção do paracetamol, intensificando seu efeito. O risco de
intoxicação com doses acima de 8.000 mg é de quase 100%. Já entre 3.000
mg e 8.000 mg, depende de outros aspectos, como o consumo de álcool ou
de outros medicamentos, como anticoagulantes e alguns tipos de
anticonvulsivantes.
Mas é a ingestão do medicamento com bebidas alcoólicas que merece
atenção redobrada. “Nos casos em que pacientes utilizam mais de três
doses de bebida alcoólica por dia, o medicamento pode apresentar
interação com o uso concomitante da bebida alcoólica”, diz a
farmacêutica Silvana Maria de Almeida. O álcool interfere na
disponibilidade de glutationa, causando lesão hepática.
Crianças e idosos também devem tomar cuidado com o medicamento.
“Idosos são mais propensos a doenças hepáticas e renais, portanto devem
ser monitorados durante o uso de paracetamol. Em crianças, doses acima
de 200 mg/kg podem potencialmente causar toxicidade. Este limiar é mais
alto porque as crianças têm os rins e fígado proporcionalmente maiores
ao tamanho do corpo do que os adultos e, por isso, são mais tolerantes à
superdosagem de paracetamol que os adultos”, explica o
gastroenterologista Henrique Boruchowski.
Os especialistas recomendam que, no caso do uso do paracetamol não
apresentar a eficácia necessária –ou seja, se a dor persistir–, não se
deve aumentar a dose, mas sim buscar ajuda médica que indique outra
alternativa ao medicamento. “Os problemas do uso indiscriminado do
paracetamol, e também de outros medicamentos, podem ser evitados através
da consciência de não praticar a automedicação. O melhor a se fazer é
sempre procurar usar medicamentos prescritos pelo médico, seguindo suas
orientações e do farmacêutico”, recomenda Silvana de Almeida.
UOL
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