Doenças sexualmente transmissíveis, as hepatites B e C, juntas, infectam até sete vezes mais pessoas que o HIV, responsável pela Aids. De acordo com os últimos boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde, enquanto, em 2009, foram registrados 3.409 novos casos de Aids, no mesmo ano, o vírus HBV foi detectado em 14.601 brasileiros; e o HCV, em 9.747.
A situação não é diferente no restante do mundo, onde as hepatites são as principais causas de cirrose e câncer hepáticos. Conhecer melhor os mecanismos de ação e inibição desses micro-organismos que passam despercebidos pelo sistema imunológico é o primeiro passo para conseguir erradicar o risco que representam à saúde da população.
Estudos publicados recentemente buscam, justamente, apresentar à comunidade médica novidades que, no futuro, poderão beneficiar os portadores das hepatites virais. Um deles, que saiu na edição de hoje da revista especializada Nature Medicine, reporta um novo receptor para o HCV, trazendo esperança para as cerca de 170 milhões de pessoas no mundo que estão infectadas pelo vírus. “O tratamento para hepatite C, atualmente, tem pouca eficácia e graves efeitos colaterais, o que torna urgente o desenvolvimento de antirretrovirais”, justifica Kazuaki Chayama, pesquisador do Laboratório de Doenças do Aparelho Digestivo da Universidade de Tóquio, e um dos autores do estudo.
Ele conta que, coordenada por Susan L. Uprichard, microbióloga da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, a equipe descobriu que uma proteína chamada NPC1L1 — no aparelho digestivo, ela tem função de receptora do colesterol — se liga ao HCV, mecanismo que permite a entrada do vírus nas células. “Impedir que ele transponha a parede celular representa um alvo em potencial para o desenvolvimento de um novo medicamento”, diz Chayama.
Segundo o cientista, na pesquisa os cientistas observaram que, ao reduzir ou bloquear a ação do NPC1L1 no organismo, o vírus da hepatite C não consegue entrar nas células. “Os testes foram feitos em ratos cujos fígados são formados por tecidos humanos”, conta o pesquisador, animado com o resultado. “O interessante é que já existem drogas no mercado que têm o NPC1L1 como alvo. Isso, com certeza, vai acelerar muito os testes em humanos, pois podemos pular etapas no processo de autorização dos testes clínicos”, acredita.
“Quanto mais pesquisas aparecerem sobre esse vírus, para o qual ainda não existe vacinação, mais perto chegamos de um tratamento efetivo”, comemora Santley M. Lemon, professor de medicina, microbiologia e imunologia da Universidade da Carolina do Norte, câmpus de Chapel Hill, nos Estados Unidos. Há uma semana, um trabalho coordenado por ele foi publicado na revista especializada Pnas e também oferece importantes pistas sobre o HCV.
“Uma vez dentro das células, o vírus sobrevive graças a ‘parcerias’ que faz com as moléculas. Uma dessas é a miR-122, molécula de RNA que regula a expressão genética das células hepáticas”, diz. Segundo Lemon, há sete anos, sua equipe já tinha demonstrado que, para se replicar dentro do fígado, o vírus da hepatite C precisa da molécula miR-122. Eles não sabiam, porém, qual a relação exata entre as estruturas. “Agora, percebemos que, ao se ligar à molécula, o vírus garante sua sobrevivência, multiplica-se e causa os danos já conhecidos ao fígado”, diz.
Enormes desafios
Lemon, microbiólogo que se dedica há décadas ao estudo de doenças hepáticas, explica que, quando o assunto são vírus, os desafios são muito grandes. “Eu diria que os vírus constituem uma das maiores dificuldades para a ciência médica. Eles evoluíram com os humanos, há milhares de anos, então conhecem muito bem nossa fisiologia. E sabem tirar partido desse conhecimento, usando o organismo como um hospedeiro bastante conveniente”, diz. “Mas as pesquisas estão avançadas e acho que estamos cada vez mais perto de derrotar esse esperto inimigo”, diz.
De acordo com ele, em nenhum país há estatísticas precisas sobre as hepatites, o que faz dessas doenças virais um grave problema de saúde pública. “São males silenciosos, cujos primeiros sintomas, quando aparecem, costumam surgir muito depois da infecção. Temos um estudo aqui, nos Estados Unidos, realizado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, mostrando que pelo menos 4 milhões de americanos estão infectados pelo HCV, sendo que a maioria delas nem sequer sabe disso. Estima-se que mais de um terço dessas pessoas, ao longo da vida, desenvolverão doenças crônicas hepáticas ou câncer de fígado, um tipo de tumor maligno que está se tornando cada vez mais comum devido à proliferação do vírus”, conta.
Também assintomática — 70% dos adultos expostos não sabem que estão infectados —, a hepatite B é outra preocupação dos médicos e pesquisadores, pois, embora exista vacina contra o HBC, 10% dos portadores, de acordo com o Ministério da Saúde, vão evoluir para o quadro, o que pode acarretar danos hepáticos permanentes. No Brasil, estima-se que 800 mil pessoas estejam infectadas, a partir do Inquérito Nacional de Hepatites Virais, finalizado pelo ministério em 2010. “Ouso dizer que a hepatite B é a mais comum doença infecciosa do mundo, com 350 milhões de indivíduos cronicamente afetados. Para fins de comparação, em relação ao HIV, esse número é de 33 milhões”, afirma Mark Wilkinson, médico do Hospital Thomas de Londres.
Novos medicamentos
O especialista explica que um percentual muito alto de pacientes torna-se resistente aos medicamentos ao longo do tratamento, fazendo com que seja cada vez mais necessário o surgimento de antirretrovirais de última geração. “Há muitos anos não aparecem novos remédios para a hepatite B”, reclama Wilkinson. Ele diz, porém, que há boas expectativas para a fabricação de fármacos eficazes, segundo um congresso internacional sobre o fígado, do qual participou no ano passado, em Berlim.
Wilinson conta que uma das promessas é um peptídeo sintético que, em laboratório, se mostrou eficaz no tratamento de células hepáticas humanas, quando prescrito antes e depois da infecção. “Esse peptídeo também conseguiu combater outros vírus, como o HIV e o da herpes, e micróbios infecciosos que causam, entre outras doenças, pneumonia e colite”, relata.
Imunização ampliada
O Ministério da Saúde ampliou a faixa etária para vacinação contra a hepatite B. No ano passado, a idade-limite para vacinação passou de 19 para 24 anos. Em 2012, o público-alvo será ampliado para pessoas de até 29 anos. A medida já está valendo nos postos de vacinação.
Fonte Correio Braziliense
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