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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Decisão do Brasil de mudar tratamento de pacientes mentais provoca polêmica

A figura do doente mental sempre esteve presente na sociedade. Ao longo do tempo, o que mudou foi a maneira de lidar com pessoas acometidas por esse tipo de mal. Se antes os que se situavam na periferia da razão eram isolados do convívio social em instituições ou domicílios especializados, desde 2001 o Brasil escolheu partir para a chamada reforma psiquiátrica — movimento de profissionais da saúde idealizado para substituir os manicômios por práticas terapêuticas que valorizem a socialização e a individualidade de cada doente, por meio de uma rede de ações.

Mesmo após mais de uma década de sua formalização, contudo, a estratégia ainda é polêmica, especialmente com relação à redução do número de leitos em hospitais psiquiátricos.

Segundo o Ministério da Saúde, desde 2003 a Política de Saúde Mental no Brasil adota um “modelo de atenção integral aos pacientes estruturada nos princípios da reforma psiquiátrica”. A ideia principal é descartar a hospitalização como única possibilidade de tratamento. Nesse sentido, foram criados espaços que funcionam como alternativas pré-internação, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), as equipes de Saúde da Família, os Consultórios de Rua e as Casas de Acolhimento Transitório (CATs), com tratamentos que foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A estimativa é de que até 2014 o Ministério da Saúde financie a criação de 7.780 vagas em unidades de acolhimento, “que abrigarão os dependentes químicos por até seis meses para estabilização clínica e controle da abstinência”, de 216 consultórios de rua para o tratamento de dependentes químicos e de mais 3,6 mil leitos na rede de assistência.

Outra diretriz adotada pelo governo, a implementação de uma política de atenção integral direcionada a usuários de álcool e outras drogas — que prevê a internação de quem sofre com esse tipo de problema — tem, entretanto, acalorado a discussão. Para o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Humberto Verona, a prática é um retrocesso. “A reforma veio depois de muito trabalho dos profissionais de saúde para convencer as pessoas de que o louco é humano também e que a internação não é a solução para ninguém. Aí, vem uma política oficial e defende o oposto disso”, justifica.

Segundo Verona, a divulgação que tem sido feita a respeito das internações de usuários de drogas pode induzir a população a acreditar que o confinamento significá o fim dos dependentes químicos. “Fizemos inspeções e vimos que em alguns locais as pessoas sofrem tortura, são presas em celas ou ameaçadas de perder a guarda dos filhos por ter tido recaídas na droga”, enumera.

Deficiências
Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, até mesmo a terminologia “reforma psiquiátrica” está equivocada, pois não se baseia em ciência, mas em uma ideologia. “Ninguém reforma uma especialidade médica”, esclarece. Segundo Antônio, o que falta para que a “reforma” funcione é a integração dos profissionais da rede pública de saúde. Acabar com o atendimento hospitalar de doentes mentais, de acordo com o presidente da ABP, fez com que os pacientes fossem remanejados para as ruas e prisões. “O que foi proposto no Brasil resultou em moradores de rua doentes mentais e doentes na cadeia, transformando os presídios em manicômios, mostrando que o modelo é tão falido quanto o hospitalocêntrico”, defende. Antônio acredita que, para que o problema seja realmente resolvido, é necessário criar uma abordagem estruturada em três pilares principais: proteção, promoção e prevenção da saúde mental.

Embora também defenda a existência de uma rede de atendimento, o médico acrescenta que os CAPs ainda estão longe do que seria o ideal. “Um CAPs atende de 300 a 500 pessoas. Hoje, existem cerca de 1,6 mil CAPs, que não atendem nem sequer 1 milhão de pacientes”, calcula Geraldo. “Seriam necessários 92 mil CAPs para atender os 46 milhões de doentes. Ou seja, não resolvem o problema.” A solução, de acordo com Antônio, seria a criação de centrais de atendimento às doenças mentais em cada posto de saúde do país. “Se esses espaços adiantassem, não haveria tantos viciados em crack e 60 mil doentes mentais na cadeia. Querem transformar em um problema policial o que é um problema médico.”

Ao longo de seis anos de existência, o CAPs 2 do Paranoá já atendeu cerca de 6 mil pessoas. Atualmente, 350 pacientes com esquizofrenia, psicose, transtorno obsessivo compulsivo, depressão e neuroses graves dividem o espaço. Ricardo Alves, psicólogo e gerente do CAPs, explica que cada paciente tem um plano terapêutico personalizado, de acordo com a sua enfermidade. “É uma reabilitação psicossocial. Além da medicação e consultas com médicos, eles frequentam grupos terapêuticos de ordem de oficinas, produção e psicoterapia”, detalha. “Os pacientes que vêm para cá muitas vezes passaram por longas internações. São pessoas que desaprenderam a viver.”

Acompanhamento
Juracyr Pereira Ramos, 60 anos, tem dois filhos que frequentam o CAPs. Os dois sofrem de esquizofrenia. A empregada doméstica conta que precisou largar o emprego para poder acompanhar Júlio César e Advan Pereira Ramos, 32 e 37 anos, respectivamente. “Prefiro vir com eles porque não confio em deixar que eles venham sozinhos”, comenta. Os remédios são administrados por ela, sempre no horário determinado pelos médicos. “Quando comecei a tomar os remédios, minha vida mudou”, diz Júlio César. “Me acho mais saudável. Eu ficava o dia inteiro na rua, fazendo nada.” José Alfredo dos Santos, 43 anos, também recebe tratamento para esquizofrenia no CAPs do Paranoá. Antes de conhecer a unidade, há quatro meses, quando chegou a Brasília, o paulistano já contabilizava mais de 15 anos de terapias, remédios e internações.

Da época em que ficou internado, por vontade própria, José guardou na memória o descaso. “Aqui, o pessoal é mais experiente. Eles prestam atenção no que a gente fala.” Nas terapias de grupo com os demais pacientes, José teve a chance de expor o que pensa e ouvir as experiências dos colegas — e ganhou autoestima para se renovar. “Sempre pesquisei, queria entender como buscar a cura. Nunca choraminguei pela minha situação.” Engajado, ele conta que participava do Conselho Regional de Psicólogos e de conferências de saúde mental da Universidade Estadual Paulista (Unesp) — além de ter sido candidato a vereador por três vezes em São Paulo. “Não ganhei porque fui honesto demais”, brinca.

Fonte Correio Braziliense

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