Luke Sharrett/The New York Times Jovem usuário de remédios controlados, da McLean High School (EUA): convulsões e internação de 7 meses |
Abuso que coloca a vida em risco é motivado pela disputa por notas mais altas no exame que precede a entrada na universidade
O menino dirigiu para o estacionamento da escola, desligou a ignição e observou os restos de suas últimas semanas.
Sacos de batatas fritas amassados no painel, copos de refrigerante nos pés e, no banco do passageiro, um livro velho com dicas sobre o teste SAT cujo proprietário, desde a quarta série, era advertido de que iria estudar em uma Ivy League – como é conhecido o grupo formado pelas melhores universidades dos Estados Unidos. Lápis prontos em 20 minutos.
Ele suspirou. Antes de abrir a porta do carro, torceu uma cápsula contendo um pó cor-de-laranja, que dispôs em linha reta no braço. Ele então se inclinou, fechou uma narina e aspirou o pó.
Durante todo o estacionamento, disse ele, oito de seus amigos fez a mesma coisa. A droga não era cocaína ou heroína, mas Adderall, uma anfetamina prescrita para tratar o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) que o menino e seus amigos rotineiramente compartilhadam, estudando até tarde da noite, com o objetivo de obter notas dignas da prestigiosa escola de classe alta em um subúrbio rico de Nova York.
A droga fez mais do que apenas mantê-los acordados para o teste SAT, às 8h da manhã. Deu-lhes uma concentração feita sob medida para a maratona de testes conhecidos por construir – ou desrtuir – inscrições em faculdades Ivy League, das quais fazem parte instituições como Harvard e Yale.
“Todo mundo na escola ou tem uma prescrição ou tem um amigo que consegue”, diz o garoto.
Em escolas secundárias nos Estados Unidos, a pressão por notas e a competição para ser admitido na faculdade estão incentivando os alunos a abusar de estimulantes sujeitos a receita médica, de acordo com entrevistas feitas com alunos, pais e médicos.
O uso de comprimidos, algo antes restrito alguns círculos da faculdade e de cursos de pós-graduação, estão virando rotina em muitas escolas de ensino médio academicamente competitivas, onde os adolescentes afirmam consegui-las com amigos, com estudantes que as traficam ou simplesmente fingindo sintomas para pais e médicos, com o objetivo de obter prescrições.
Dos mais de 200 estudantes, funcionários da escola, pais e outras fontes entrevistadas para esta reportagem, cerca de 40 concordaram em compartilhar suas experiências. A maioria dos alunos falou sob a condição ser identificado apenas pelo primeiro nome, para salvaguardar a reputação de suas escolas e a própria.
“Isso ocorre em todas as escolas particulares daqui”, conta DeAnsin Parker, uma psicóloga de Nova York que trata de muitos adolescentes de bairros ricos.
“Estamos vendo isso em todo Estados Unidos”, observa Gary Boggs, agente especial da Drug Enforcement Administration (DEA) – órgão responsável pela repressão às drogas nos EUA.
O DEA lista estimulantes como Adderall e Vyvanse (anfetaminas) e Ritalina e Focalin (metilfenidatos) como substâncias controladas da classe 2 – o mesmo que cocaína e morfina. Por conta disso, são drogas que carregam riscos legais. Poucos adolescentes percebem que dar um comprimido desses a um amigo é o mesmo que vendê-lo e que isso pode ser considerado um crime.
Embora estes medicamentos tendam a acalmar as pessoas com TDAH, pessoas sem a doença acham que apenas um comprimido pode fornecer a energia e foco para impulsionar uma noite de farras de casa e permanecer acordado durante os exames, mais tarde.
“É como se ela fizesse o trabalho por você”, conta William, um recém-graduado da Wathen Birch Lenox School, em Nova York.
Mas o abuso de estimulantes pode levar à depressão e a alterações de humor (por deprivação de sono), problemas cardíacos e exaustão aguda ou psicose durante a abstinência, alertam os médicos. Pouco se sabe sobre os efeitos em longo prazo do abuso de estimulantes entre os jovens. Especialistas em drogas dizem que, para alguns, as pílulas eventualmente tornar-se uma entrada para o abuso de analgésicos e pílulas para dormir.
“Uma vez que você começa a usar pílulas, ou qualquer uma dessas coisas, não é mais assustador – especialmente quando você está recebendo um A”, conta o menino que cheirou Adderall no estacionamento, detalhando como, mais tarde, ele se tornou viciado em analgésicos e, eventualmente, heroína.
Paul L. Hokemeyer, terapeuta familiar do Centro de Tratamento Caron, de Manhattan, em Nova York, observa: “O córtex pré-frontal dos adolescentes não está totalmente desenvolvido e medicamentos como esses modificam a química do cérebro. Uma coisa é você ter a deficiência verdadeira – o medicamento é realmente importante para essas pessoas – outra coisa é você usar remédios porque a sua deficiência é não conseguir entrar na Universidade de Brown.”
O número de prescrições de medicamentos para TDAH em jovens de 10 a 19 anos aumentou 26% desde 2007, para quase 21 milhões ao ano, segundo a IMS Health, uma empresa de informações sobre cuidados de saúde – um número que corresponde a mais de 2 milhões indivíduos, estimam especialistas. Médicos e adolescentes de mais de 15 escolas com altos padrões acadêmicos de todo o país estimam que a proporção de estudantes que fazem isso varia de 15% a 40% do corpo de alunos.
“São todos alunos nota A e, por vezes, estudantes B, todos tentando tirar boas notas”, conta um aluno do último ano da Lower Merion High School, em Ardmore, um subúrbio da Filadélfia. Ele diz que ganha centenas de dólares por semana com a venda de drogas controladas, compradas por valores entre 5 e 20 dólares por comprimido.
Todos satisfeitos
Frequantando o último ano de uma escola católica, em Bethesda, Mariland, Madeleine conhecia um amigo cujas notas passaram de B para A, depois que ele começou a tomar Ritalina. Ela, então, lhe pediu uma pílula. Tirou 95 no exame. Depois disso, passou a descolar cápsulas de Adderall e Vyvanse de colegas e amigos em troca de aulas de refoço em cálculo ou revisões de trabalhos.
“Posso pegar um copo d’água?”. Com essa frase, Madeleine ganhava a permissão para deixar a sala de aule e ir até o bebedouro. Após se certificar de que ninguém estava vendo, ela tirava uma cápsula de 40 miligramas de Vyvanse da bolsa e engolia. Após 30 minutos, o burburinho começava, relata a estudante: um foco incrível, uma memória instantânea e forças para “detonar” em qualquer teste.
Madeleine, que acaba de completar o primeiro ano em uma faculdade Ivy League e continua a usar estimulantes ocasionalmente, conta que a decisão de usar as drogas não foi tão difícil assim.
“Quero ter apenas quatro horas de sono, ficar destruída, rodar na prova e ir mal na partida de hóquei ou quero fazer felizes os professores, o treinador, tirar boas notas, entrar numa Ivy League e deixar meus pais satisfeitos?”
Embora um levantamento do governo aponte que o abuso de anfetaminas entre adolescentes do ensino médio tenha reduzido e se mantido estável desde 1990, especialistas dizem que a pesquisa não se concentrou nos locais onde o avuso mais cresce hoje: entre os alunos de escolas competitivas de ensino médio. Além disso, muitos adolescentes mal sabe que o que costumam chamar “drogas do estudo” são, de fato, anfetaminas ilegais.
“Não é como uma vitamina?”, pergunta um calouro de Eastchester, um subúrbio de Nova York.
Enganando os médicos
Durante uma entrevista em março, um traficante que atua na Lower Merion High School enfia a mão no bolso e tira um saquinho com os estimulantes Concerta e Focalin. Ao contrário de seus outros produtos – maconha e heroína, que vêm de traficantes de nível mais alto – as anfetaminas vieram de uma fonte mais confiável e mais confiante, confidencia ele.
“Eu minto para ao meu psiquiatra. Expresso sentimentos que não tenho, sabendo as consequências disso”, relata ele, de pé em um parque a poucos quilômetros da escola.
“Digo o médico que estou muito distraído, e que sinto uma dor profunda, como se estivesse ansioso o tempo todo.”
Ele tosse e dá uma risada orgulhosa: “Em geral, se você atua bem no papel de adolescente angustiado, norlamente consegue alguma coisa boa.”
Tal como acontece com os esteróides tomados pelos atletas, a desvantagem dos estimulantes aparece depois que eles fornecem os desejados benefícios de curto prazo. Este foi o caso de um recém-graduado da McLean High School, na Virgínia, uma das melhores escolas públicas na área de Washington.
Mais tarde, em seu segundo ano, o menino queria uma ajuda para aumentar sua média B – escore longe do esperado entre as melhores universidades, especialmente a partir de um estudante da McLean.
Então disse à sua psicóloga o que ela precisava ouvir para o diagnóstico de TDAH e logo estava recebendo 30 comprimidos de Adderall por mês. Eles funcionaram. Ele se concentrou até tarde da noite estudando, se concentrou mais ainda durante os exames e conseguiu uma média A- durante o primeiro ano.
A série de abusos seguiu no ano seguinte, sempre aumentando. Uma noite, depois de ter tomado cerca de 400 miligramas, o coração começou a bater descontroladamente. Ele começou a alucinar e entrou em convulsão. Foi levado às pressas para a Emergência e acabou passando sete meses em um centro de reabilitação para dependentes de drogas. Para sua surpresa, dois dos 20 pacientes que o acompanhavam lá também haviam desembarcado na reabilitação por conta do abuso de estimulantes na escola.
Fonte iG
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