Se o ultrassonografista não fizer seu papel de especialista em imagens, emitindo um parecer conclusivo, o grande prejudicado será o paciente e em segundo lugar o médico que cuida dele
Por Lucy Kerr
Em meu consultório examino com frequência laudos ultrassonográficos emitidos a pacientes de outros centros médicos e que são também atendidos em minha clínica. O curioso é que a maioria deles não contém uma conclusão clara do que foi detectado durante o exame. Isso pode ser extremamente perigoso se a doença for séria, caso o laudo seja apenas descritivo e sem conclusão, pois o médico que recebe o resultado corre o risco de não perceber a gravidade do problema.
Um caso recente que eu examinei foi assustador e era de uma paciente cuja tireóide continha vários nódulos – alguns benignos e um maligno. Esta paciente consultou-se com seis endocrinologistas diferentes, que leram 9 exames de ultrassonografia realizados ao longo de anos e anos e não conseguiram deduzir pelos laudos emitidos que havia um câncer tireoidiano e também vários nódulos benignos, o que retardou o diagnóstico do câncer da paciente. Em comum, todos os exames de ultrassonografia apenas descreviam os achados e não concluíam seu possível significado ou gravidade. Quando examinei a paciente em consultório emiti o laudo com conclusão: nódulo de padrão maligno pelos critérios ultrassonográficos e Doppler. A minha suspeita foi confirmada com a biópsia e cirurgia. Os demais nódulos eram de fato benignos.
È certo que o especialista clínico pode não compreender o significado da descrição quando a conclusão do laudo ultrassonográfico inexiste. Neste caso e em outros similares que avaliei em consultório, os Ultrassonografistas apenas colocaram como conclusão uma frase descritiva – “presença de nódulos tireoidianos” – sem emitir parecer sobre o risco de malignidade das lesões observadas. Se seis clínicos diferentes não conseguiram entender os resultados dos nove exames ultrassonográficos como de alto risco e malignidade, é óbvio que os laudos estavam incompletos e não são os clínicos que estão falhando.
Tanto não compreenderam o resultado inconclusivo que mandaram biopsiar, por três vezes, nódulos que tinham características benignas. Não entendo, portanto, por que os ultrassonografistas não concluem seus achados, mas apenas os descrevem, deixando essa tarefa para o médico clínico que cuida do paciente. Não é plausível tão pouco aceitar o desconhecimento como explicação da ausência de conclusão, pois é internacionalmente divulgado o consenso da classificação dos nódulos tireoidianos e os critérios que indicam a necessidade de biópsia.
Na minha opinião os médicos clínicos não têm obrigação de concluir um exame realizado pelo especialista em Ultrassonografia e teria muito mais condições de emitir um parecer sobre as inúmeras imagens que observou durante o exame, mesmo porque a qualidade da imagem se perde na transcrição para o papel, sendo esta a que é enviada para o clínico. Se o médico ultrassonografista não fizer seu papel de especialista em imagens, exercendo o conhecimento para o qual foi capacitado, emitindo um parecer conclusivo, o grande prejudicado será o paciente e em segundo lugar o médico que cuida dele, pois poderá tomar uma conduta equivocada, como neste caso, quando foi solicitada três biópsias justamente dos nódulos menos suspeitos. Resultado: pacientes mal atendidos, extensão da doença; perpetuação do sofrimento e até o óbito.
Caso Letal – A Dra. Lucy Kerr menciona um caso gravíssimo onde essa omissão de opinião conclusiva foi devastadora. Um paciente do sexo masculino fez um exame ultrassonográfico em conhecido laboratório da cidade de São Paulo, que observou uma pequena vegetação na parede da bexiga urinária. Mesmo detectando o problema, não foi mencionada a possibilidade de malignidade da lesão no laudo. O médico que solicitou o exame não interpretou a lesão como maligna, pois ela era descrita pelo ultrassonografista, mas não concluída como algo grave. Então ele tranqüilizou o paciente e não solicitou novos exames. Após 18 meses o paciente teve piora drástica dos sintomas e os exames indicaram câncer invasivo da parede da bexiga e ureter, causando obstrução renal. Todos os tratamentos realizados desde então foram ineficazes e após um longo período de sofrimento dele e da família, veio a falecer em 2009. O câncer havia sido detectado precocemente, mas a não conclusão do exame pelo ultrassonografista deixou passar a hora ideal do tratamento.
Dra Lucy Kerr é formada em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), pós graduou-se em Ultrassonografia Diagnóstica pela Wake Forest University, como bolsista do CNPq e complementou seus estudos na Thomas Jefferson University, ambas nos EUA. É especialista em Ultrassom por quatro entidades nacionais (SUSEM-Sociedade Brasileira de Ultrassom em Medicina e Biologia, CBR-Colégio Brasileiro de Radiologia, AMB-Associação Médica Brasileira e SBUS- Sociedade Brasileira de Ultrassonografia) – além de duas internacionais (ARDMS – American Registry of Diagnostic Medical Sonographers e FISUSAL- Federação Internacional das Sociedades de Ultrassonografia da América Latina). É a Presidente-Fundadora da SBUS e Diretora Executiva Fundadora da FISUSAL. Atualmente é diretora da Sonimage- diagnóstico médico por Ultrassom e mantém vários cursos de ensino à distância aprovado pela comissão de acreditação da AMB para pontuação e renovação do título de especialista. O curso é veiculado pela internet com mais de 1100 horas aulas gravadas. A médica é diretora do Instituto Kerr uma ONG de Ensino, Pesquisa e atendimento popular
Fonte SaudeWeb
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