A Sociedade de Medicina Interna nos Estados Unidos organizou uma Comissão Nacional sobre Reforma da Remuneração Médica para estudar profundamente os problemas com a saúde e trazer propostas para a remuneração médica naquele país. O estudo iniciou em Março de 2012 e foi publicado neste mês.
Nada de novo quanto aos fatores responsáveis pelo alto custo com a saúde nos EUA, algo que não foge muito do que vivenciamos no Brasil. São eles: pagamento por procedimento (fee-for-service), dependência de tecnologia e cuidados caros, pois as taxas são mais elevadas para alta complexidade; dependência dos especialistas em maior proporção em relação a atenção primária; e pagar mais pelo mesmo serviço quando feito em ambiente hospitalar.
A análise mostrou que o ganho do médico representa 20% do total do gasto com saúde, no entanto as suas decisões influenciam outros 60%. Desta forma a conclusão literal, que merece destaque, foi a seguinte: “Nossa nação (EUA) não pode controlar os gastos desenfreados da saúde sem alterar fundamentalmente como os médicos são remunerados”.
Isso é algo já levantado pelo Institute of Medicine em suas publicações no início deste século e pela sugestão também proposta pelo Institute for Healthcare Improvement. Ou seja, não existe novidade nesta conclusão. O que existe de novidade está no envolvimento de uma Associação Médica trazendo isso a público.
O que merece destaque foram as recomendações que o Comitê apresentou. Ao todo foram 12 recomendações.
As primeiras três recomendações têm a ver com a transição para longe do modelo de pagamento por procedimento:
- No devido tempo as instituições deverão eliminar os pagamentos isolados por procedimento visto a ineficiência e aos problemas de incentivos financeiros (perversos).
- A transição para a abordagem baseada em qualidade e valor deve iniciar com novos modelos de atenção nos próximos 5 anos, incorporando-as a um número crescente de práticas, com o objetivo de adoção ampla até o final da década (conceito de pagamento baseado em valor já discutidos neste Blog).
- O modelo de pagamento por procedimento ainda permanecerá como uma boa parcela dos pagamentos, desta forma será necessário recalibrar constantemente do modelo para encorajar um comportamento que melhore a qualidade e o custo-efetividade, e penalize comportamentos de uso inadequado ou uso excessivo do cuidado.
As próximas seis recomendações sugerem a transição para um modelo híbrido de pagamento baseado em valor focando no aumento do pagamento por serviços de avaliação e gerenciamento, reduzindo os “gaps” no pagamento pelo mesmo serviço médico independente da especialidade ou ambiente, e modelos avançados de pagamentos por pacotes (bundles) e capitação.
Vejam as recomendações:
- Tanto no Medicare como nas seguradoras privadas, reajustes anuais deve ser maiores para códigos de avaliação e gerenciamento, que são atualmente subvalorizadas. Reajustes para códigos de procedimentos de diagnóstico devem ser congelados por um período de três anos, exceto para aqueles que demonstraram estar atualmente subvalorizado.
- Pagamentos mais elevados para serviços realizados em hospitais que podem ser realizados em ambientes de mais baixo custo devem ser eliminados.
- Contratos para pagamentos por procedimento devem sempre incorporar métricas de qualidade dentro dos pagamentos negociados (pagamentos adicionais por performance).
- Pagamento por procedimentos deve encorajar serviços de menor porte (com até 5 prestadores) para formas de relacionamento virtual e assim compartilhar recursos para atingir melhores patamares de qualidade.
- Pagamentos fixos devem inicialmente focar em áreas onde haja maior potencial de redução de custos e melhor qualidade, tais como atenção a pessoas com múltiplas condições crônicas e procedimentos hospitalares e em seus seguimentos.
- Medidas para salvaguardar o acesso a cuidados de alta qualidade, para avaliar a adequação de indicadores ajustados pelo risco, e para promover forte comprometimento dos médicos com os pacientes, devem ser colocadas em prática para modelos de pagamento fixo.
As últimas três recomendações são específicas para a melhoria do sistema de pagamento para os médicos dentro do Medicare, portanto não entrarei neste detalhe por ser muito específico para o mercado local.
O que é interessante destas recomendações está o intenso foco dado na lógica da atenção, valorizando a adequação (eficiência) e a qualidade (efetividade) das ações médicas através da sua vinculação à remuneração do profissional.
No Brasil estamos um pouco longe disso. Acredito que a principal diferença esteja no simples fato de que nos Estados Unidos, uma Associação Médica é quem financia estudos deste tipo para informar e formar os seus associados (médicos) em relação às mudanças que inevitavelmente ocorrerão, algo no mínimo invejável. Aparte desta questão “cultural”, eu acredito que a ANS já esteja olhando para isso quando propõe conceitos de qualidade no processo de avaliação dos procedimentos médicos, a iniciar pelos prestadores hospitalares. O que está faltando agora são gestores comprometidos, audaciosos e inovadores para iniciar, em larga escala, uma reforma na lógica da remuneração médica. Sem isso, os custos com a saúde irão aumentar cada vez mais e a percepção de valor pelo paciente será sempre duvidosa. Ouso a parafrasear a principal conclusão do estudo: “O Brasil não pode controlar os gastos desenfreados da saúde sem alterar fundamentalmente como os médicos são remunerados”.
Fonte Saudeweb
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