A partir do final de maio, estará disponível a quinta e última versão do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). É de esperar que,
a partir de agora, um importante debate a respeito da maneira com que as
distinções entre normal e patológico foram modificadas chegue à opinião pública.
Utilizado de maneira cada vez mais extensiva como padrão de reflexão sobre a
natureza do sofrimento psíquico, o DSM está longe de ter o fundamento científico
e isento que ele gostaria de nos fazer acreditar. Influências de toda ordem
entram em cena. Afinal, cada novo transtorno é promessa de novos investimentos
bilionários da indústria farmacêutica, assim como garantia do aparecimento certo
de verdadeiras epidemias visíveis do dia para a noite graças à divulgação maciça
pela imprensa mundial e suas matérias de saúde.
Talvez isso explique ao menos um pouco essa verdadeira tendência de
"patologização da vida cotidiana" levada a cabo pelo DSM-5, que elevou o número
de patologias mentais a 450 categorias diagnósticas. Elas eram 265 no DSM-3,
lançado em 1980, e 182 no DSM-2 (de 1968).
De fato, com modificações como as que diminui o luto patológico de dois meses
para 15 dias ou que cria categorias bisonhas como o transtorno disruptivo de
desregulação de humor, o vício comportamental (behavioral addiction) ou o
transtorno generalizado de ansiedade, dificilmente alguém que passa por
conflitos psíquicos e períodos de incerteza entrará em um consultório
psiquiátrico sem um diagnóstico e uma receita médica.
Por trás desta estratégia clínica, com sua negação de perspectivas
etiológicas, há a tentativa equivocada de transformar toda experiência de
sofrimento em uma patologia a ser tratada. Mas uma vida na qual todo sofrimento
é sintoma a ser extirpado é uma vida dependente de maneira compulsiva da voz
segura do especialista, restrita a um padrão de normalidade que não é outra
coisa que a internalização desesperada de uma normatividade disciplinar decidida
em laboratório. Ou seja, uma vida cada vez mais enfraquecida e incapaz de
lidar com conflitos, contradições e reconfigurações necessárias.
Há de se perguntar se tal enfraquecimento não será, ao final, o resultado
social destas modificações no campo da saúde mental patrocinadas pelo DSM. Pois
uma coisa é certa: há muito o que questionar na eficácia de tais
sobre diagnósticos. Basta lembrar como houve, de 2000 a 2009, um aumento de 60%
no consumo de antidepressivos nos países da OCDE (Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico). Nada indica que a taxa de depressão tenha
diminuído.
Fonte Folhaonline
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