Nick Abadilla O historiador Kenneth Serbin com sua mulher, Regina Serbin, e a filha, Bianca |
Ainda livre de sintomas, Serbin decidiu manter seu cérebro estimulado com uma
manobra radical: aos 53 anos, o professor da Universidade da Califórnia em San
Diego está mudando de ramo.
Ele é especialista na história recente do Brasil. Tem dois livros publicados
pela Companhia das Letras. Um deles é "Diálogos na Sombra "" Bispos e Militares,
Tortura e Justiça Social na Ditadura", tema sobre o qual falará semana que vem
na Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Nos últimos anos, Serbin começou a migrar para o campo da história da
ciência. Na sua avaliação, a sociedade precisa de leis para amparar pessoas como
ele, para que possam se preparar para doenças devastadoras sem medo de
discriminação.
repetições é normal. Ter entre 36 e 39 repetições já implica risco considerável.
De 40 em diante, é certo que a pessoa vai ter a doença. Serbin tem 40, assim
como sua mãe, que morreu aos 48 anos.
Casado com a historiadora brasileira Regina Barros Serbin, que conheceu em
1991 num encontro às cegas no restaurante italiano Parmê do largo do Machado, no
Rio, Serbin falou à Folha em português fluente.
Folha - Os EUA têm desde 2008 uma legislação contra a discriminação
genética, mas no Brasil há um projeto de lei (4.610/98) esperando ser aprovado
há 15 anos. Todo país precisa de uma lei dessas?
Kenneth Serbin - Essa legislação é muito necessária, com as
consequências do genoma e das pesquisas que estão mudando o sistema de saúde. O
fato de uma pessoa poder saber seu futuro por um teste genético exige mais
proteção para o cidadão.
Infelizmente, a discriminação é forte entre empregadores, companhias de
seguros, colegas de trabalho. A própria família discrimina o doente. Isso
acontece com doenças neurológicas, que de certa forma mudam a personalidade da
pessoa.
É necessária uma legislação que ajude as pessoas a ter uma vida tranquila, a
criar um clima de entendimento sobre doenças genéticas. A gente tem de achar uma
maneira de as pessoas não terem medo de fazer os testes.
O Sr. levou 17 anos para sair do "armário genético". Por quê?
Eu só revelei isso agora para o meu plano de saúde, embora tivesse Huntington
na família desde 1995. Tinha medo de perder o emprego, de ter de mudar de
universidade e de plano de saúde, de ficar sem cobertura para Huntington. Todos
esses anos eu me tratei do meu próprio bolso.
Sofreu alguma discriminação depois de revelar que era o autor do blog de
Gene Veritas?
Foi primeiro uma reação de choque. Ninguém imaginava que eu e a minha família
estivéssemos passando por isso. Três testes preditivos: primeiro minha mãe, em
1995, depois eu, em 1999, depois minha filha, em 2000.
É uma doença horrível, como se fosse uma combinação de alzheimer, parkinson e
problemas psiquiátricos. Também problemas cognitivos, perda de memória de curto
prazo, da fala, do raciocínio. Agressividade, depressão, alucinações. Algumas
pessoas dizem que essa é a doença do diabo.
Os colegas não tinham noção, mas, até agora, encontrei bastante
solidariedade.
Como o Sr. compara a organização de quem milita pela causa no Brasil e nos
EUA?
Há dificuldades em qualquer país. Nos EUA, a Sociedade Americana da Doença de
Huntington existe há quase 50 anos. A Associação Brasil Huntington tem mais ou
menos 15 anos e está fazendo um ótimo trabalho, quando você leva em conta a
quase inexistência de recursos. A americana tem orçamento na casa de US$ 9
milhões, e a brasileira, R$ 40 mil.
Queria que minha ida ao congresso no Rio desse impulso ao movimento, que as
pessoas doassem mais dinheiro para a associação.
O Sr. é católico praticante. Caso o teste de sua filha indicasse a
mutação, o que o casal faria a respeito?
A gente teria de conversar, refletir, rezar, falar com os médicos, amigos e
parentes. Seria uma decisão difícil. Claro que havia a possibilidade de aborto,
aqui [nos EUA] é legal, diferentemente do Brasil. Não sei o que a gente teria
feito. Pensava na possibilidade de um aborto? Sim.
Por causa da instabilidade genética, um homem pode passar para o filho uma
versão mais grave da doença. De minha mãe eu herdei a cópia exata da mutação. Eu
poderia ter passado para a minha filha uma mutação mais severa, e ela poderia
desenvolver a doença na juventude. Dez por cento dos casos de Huntington são
juvenis, a maioria morre antes dos 30 anos.
Nem todo teste genético é tão preditivo quanto o de Huntington. O Sr. é a
favor de testar embriões mesmo no caso dessas outras doenças?
Para isso existe a bioética. Sou contra o que se faz na China, na Índia,
abortar pelo sexo da criança. Eu não faria, mas não vou julgar quem faz. Aborto
tem de ser uma opção, para não acontecer o desastre de saúde pública que há no
Brasil, com tantas mulheres que morrem porque não podem fazer aborto no
hospital.
Um teste preditivo dá as informações de que você precisa para fazer seu plano
para enfrentar a vida. Preciso me cuidar, tenho uma filha de 13 anos. Se eu
ficar doente, não sou um peso só para mim, mas para minha família.
A que o Sr. atribui a ausência de sintomas? Sua mãe desenvolveu a doença
aos 48 anos, e o sr. está com 53. Tem esperança de não desenvolvê-la?
Faço exercícios, não como besteira. Esperança? Por enquanto, não.
Mudar de especialidade aos 50 anos é uma reviravolta. O Sr. acredita que
essa ginástica mental pode ter a ver com a ausência de sintomas?
Não posso comprovar nada cientificamente, mas acho que sim. Estou fazendo a
coisa certa, seguindo os conselhos dos médicos. Tomo suplementos: creatina,
coenzima Q10, açúcar trealose, ômega 3, comprimidos de mirtilo. Claro que o
plano de saúde não cobre. A burocracia médica é lenta para aceitar os novos
remédios.
Quanta informação o Sr. dá para sua filha?
Se ela faz uma pergunta, respondo. Quando ela tinha uns dois ou três anos, já
sabia que a avó estava doente. Falei que ela tinha um machucadinho no cérebro.
Ela perguntou: "Como a vovó conseguiu esse machucadinho?". Disse que tinha
nascido com ele. Ela logo disse: "Ainda bem que não nasci com esse
machucadinho". Agora, com 13 anos, ela entende muito bem. Quem esconde só cria
problemas.
Palestras
Rio de Janeiro - "Como Lidar com a Doença", Congresso Mundial de Huntington, Hotel Sheraton, seg. (16) às 14h
Rio de Janeiro - "Como Lidar com a Doença", Congresso Mundial de Huntington, Hotel Sheraton, seg. (16) às 14h
São Paulo - "A Doença de Huntington e a Bioética", Centro Universitário São
Camilo, r. Raul Pompeia, 144, sáb. (21) às 10h (aberto ao público)
Folhaonline
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