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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Gestores de saúde podem ser sustentáveis, diz Marina Silva

Pouco antes de fracassar na tentativa de registrar o partido Rede Sustentabilidade a tempo das eleições, Marina falou no Saúde Business Forum 2013. Para ela, é impossível dissociar adoecimento do planeta da saúde da população
 
Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima ou Marina Silva, como é conhecida mundo afora, é uma das 50 pessoas que podem ajudar a salvar o planeta, de acordo com o jornal britânico The Guardian. Sua trajetória, tantas vezes já mencionada, registra a luta pela própria vida (foram três hepatites, cinco malárias e uma leishmaniose), pelo aprendizado, pois só conseguiu se alfabetizar aos 16 anos e a já sabida militância em prol do desenvolvimento sustentável – que segue esbarrando em conflitos econômicos.
 
Mas a ex-ministra do Meio Ambiente garante: “Mesmo os gestores de saúde incapazes de enxergar essa questão acabarão por entender que esse é o único caminho”.
 
Nos últimos dias do mês de agosto, ela enfrenta um novo desafio: conseguir registrar o partido Rede Sustentabilidade, o que implica uma provável candidatura à Presidência da República em 2014, que a ex-senadora afirma ser “apenas uma possibilidade”.
 
E foi justamente na reta final da formalização de seu partido -, até o fechamento desta edição, que ocorria o processo de validação das 500 mil assinaturas necessárias para a criação -, que ela concedeu essa entrevista à FH. Por conta dos compromissos relativos ao registro, ela respondeu às perguntas por e-mail.
 
FH: Como ser um homem saudável em um planeta doente?
Marina Silva: É claro que há uma dimensão pessoal nesta discussão, afinal todos sabem que é preciso ter uma vida saudável, cuidar da alimentação, fazer exames periódicos e procurar um médico sempre que necessário. Mas não faz sentido pensar na saúde individual como se estivesse separada da saúde do planeta. Nossa saúde depende de fatores como a qualidade do ar, da água e dos alimentos. Como posso ser saudável se vivo em uma região sem saneamento básico? Como posso ser saudável se habito uma cidade que não controla os poluentes? Questões como estas são fundamentais para a saúde dos indivíduos. Não dá para ter vida saudável sem acesso à rede de esgoto, triste situação da metade da população brasileira; ou à água potável, problema que afeta 30 milhões de brasileiros. Se o governo libera agrotóxicos proibidos na maioria dos países, é claro que isso irá afetar a saúde das pessoas. Todas essas questões estão interligadas.
 
FH: As mudanças climáticas também têm como consequência populações mais vulneráveis e novas enfermidades. Você acredita que essas consequências são levadas em consideração pelas lideranças de Saúde no Brasil e no mundo?
Marina: O aquecimento global traz riscos enormes. Há inúmeros estudos que preveem o aumento da incidência de doenças tropicais transmitidas por mosquitos, como a malária e a dengue. A Agência Francesa de Segurança Sanitária do Meio Ambiente já apontou que, com a elevação da temperatura dos oceanos em um ou dois graus Celsius, podem surgir novas bactérias que representarão risco potencial para o homem. As mudanças climáticas provocam o aumento de poluentes, como as partículas finas, que causam doenças respiratórias. Há na comunidade científica um consenso de que o aquecimento global é responsável também por uma incidência maior de eventos extremos, como furacões, chuvas intensas e grandes secas. O efeito desses fenômenos sobre a saúde pública pode ser tremendo, especialmente entre as pessoas mais pobres, como as populações do semiárido nordestino e das periferias das grandes cidades brasileiras. Acredito que as lideranças de Saúde estão, em boa parte, conscientes desses problemas e riscos. A questão é que não podemos enfrentar as mudanças climáticas por meio de instrumentos isolados e pontuais. Os governos têm o dever de transformar esse desafio em uma política central de Estado e, ao mesmo tempo, estabelecer diretrizes que envolvam diferentes áreas de suas administrações. A transversalidade das políticas públicas é fundamental para que possamos mitigar os efeitos do aquecimento global. A dificuldade existente hoje no Brasil é que as políticas públicas são desenvolvidas para o curto prazo dos políticos. Mas é preciso pensar no País das próximas décadas, não dos próximos quatro anos.
 
FH: Uma de suas propostas está ligada a cidades saudáveis, o que também implica em cidadãos saudáveis. Como alcançar esse objetivo em metrópoles cada vez mais problemáticas e, por consequência, moradores mais adoentados?
Marina: A criação de cidades saudáveis passa pela adoção de políticas urbanas que tenham a sustentabilidade como valor central. Isso significa a proteção de mananciais, a garantia de acesso da população à rede de coleta e tratamento de esgotos e a eliminação dos lixões, entre outros desafios. Há muita coisa a ser feita. Quase 40% do lixo produzido no Brasil é despejado nos lixões e aterros controlados. Apenas 27% dos municípios brasileiros enviam seu lixo para os aterros sanitários. Há três anos foi promulgada a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela estabeleceu que os municípios encaminhassem seus planos de gestão ao governo federal até 2012, mas apenas 10% cumpriram o prazo. Ou seja, os desafios são tremendos em todas as esferas de governo. Não se pode, tampouco, pensar em cidades saudáveis sem uma política de mobilidade urbana saudável. É preciso reordenar os investimentos com o objetivo de integrar modais e otimizar frotas e itinerários, sempre com o objetivo de reduzir o tempo das viagens dos trabalhadores. É preciso garantir uma urbanidade saudável, o que passa pela criação de mecanismos de financiamento e de subsídios para dar conta das necessidades habitacionais dos brasileiros e pela urbanização das favelas. A bicicleta deve ser vista como um meio de transporte, não apenas como equipamento de lazer, e para isso é preciso criar uma estrutura para que possa ser usada de forma segura.
 
FH: As empresas de saúde (envolvendo toda cadeia: hospitais, operadoras, indústria) têm a missão de prezar pela saúde da população, mas são grandes causadoras de impactos ambientais, principalmente os hospitais que são produtores de grandes quantidades dos mais variados tipos de lixo (químico, biológico). Como você avalia a atuação destas empresas no que tange a redução de impactos?
Marina: Não sou especialista em lixo hospitalar, mas sei que nos últimos anos avançou muito a consciência das empresas de saúde sobre a importância da coleta e destinação correta de lixos químicos e biológicos. É claro que ainda existem problemas. Há poucos dias, por exemplo, os jornais noticiaram que foram encontrados materiais como seringas, ampolas, medicamentos e roupas de pacientes em uma área de proteção ambiental na Baixada Fluminense. Essas notícias volta e meia aparecem. O questionamento mais importante sobre lixo hospitalar talvez deva ser feito às autoridades municipais, responsáveis pela gestão desses resíduos. A dura realidade é que, por não terem aterros sanitários, muitos municípios despejam o lixo hospitalar em lixões. A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece o fim dos lixões até 2014, meta que, infelizmente, não deve ser alcançada.
 
FH: Em sua opinião, o gestor de saúde (o empresário, dono de hospital ou seguradora) já enxerga a sustentabilidade como valor para o negócio ou há ainda muita miopia se comparada aos outros setores?
Marina:
Muitos dos novos hospitais construídos no Brasil já obedecem a padrões sustentáveis. O empresário do setor parece ter se dado conta de que vale investir um pouco mais na construção e depois economizar no consumo de energia, na geração de energia alternativa, na diminuição e tratamento de resíduos e no aproveitamento de águas pluviais, que podem ser usadas para a lavagem de áreas coletivas, por exemplo. Alguns hospitais brasileiros já fazem a compostagem de lixo orgânico, que depois é usado como adubo. Muitos hospitais e consultórios já começam a substituir termômetros e equipamentos que usam mercúrio por soluções digitais, que não agridem o meio ambiente. Mesmo os gestores de saúde incapazes de enxergar essa questão acabarão por entender que esse é o único caminho. Os consumidores de serviços, em todas as áreas, estão cada vez mais conscientes de que qualquer atividade humana deve respeitar o meio ambiente e colaborar com o desenvolvimento sustentável. Os empresários que resistirem a essa nova consciência enfrentarão cada vez mais dificuldades em seus negócios.
 
FH: Como levar ao setor de saúde a pauta do desenvolvimento sustentável diante de tantos gastos em novos empreendimentos, motivados pela carência de estrutura?
Marina:
A necessidade de investir em infraestrutura e novos empreendimentos de saúde, dos quais o País está tão carente, não elimina a urgência de trazer as preocupações sustentáveis ao setor. É importante que a sustentabilidade seja entendida em sua dimensão mais ampla. Ela não significa apenas cuidado com o meio ambiente. Passa também pela gestão eficiente dos recursos, pela colaboração entre todas as esferas envolvidas e pela criação de mecanismos que antecipem problemas futuros.
 
FH: Saúde está na pauta dos candidatos em todas as esferas de governo. E, nos últimos meses, as pessoas tomaram as ruas pedindo respostas mais efetivas dos gestores públicos, o que promete debates acalorados no próximo ano em razão das eleições. Na sua avaliação, qual é o principal problema da saúde brasileira?
Marina:
Um dos principais problemas é o fato de o Brasil priorizar o atendimento emergencial. Precisamos adotar estratégias preventivas, com o reforço da Atenção Básica. O Brasil precisa promover a formação de médicos generalistas, enfermeiros, assistentes sociais e agentes comunitários, profissionais que trabalhem junto da população e que entendam seus problemas, o ambiente em que vivem. O Programa da Saúde na Família precisa ser fortalecido e aprimorado, para que as pessoas recebam em suas casas ou no posto de saúde mais próximo toda a atenção de que necessitam. Na minha visão, outro problema importante é o SUS, uma conquista da população brasileira que, porém, precisa ser fortalecida e aprimorada. É fundamental que o governo federal aumente os repasses ao sistema e aprimore a gestão desses recursos.
 
FH: Como ex-candidata à presidência do Partido Verde e possível candidata pelo pela Rede Sustentabilidade, o que você propõe para mudar?
Marina:
É preciso deixar claro que, por enquanto, essa é apenas uma possibilidade. Se eu for candidata, pretendo em primeiro lugar ouvir as pessoas engajadas na discussão da melhoria da saúde no Brasil, o que inclui empresários, gestores públicos e profissionais. Não acredito em fórmulas prontas, feitas para causar impacto no horário eleitoral. É preciso discutir e encontrar as melhores soluções. Há, porém, algumas questões que são consensuais. O aumento dos repasses federais ao sistema de saúde é uma delas. Outra é dar prioridade à atenção básica, com o fortalecimento do Programa Saúde da Família. É preciso ainda promover a articulação das três esferas de governo em uma rede de serviços de saúde, integração que precisa ajudar também na prevenção e combate de doenças, como a dengue e a hepatite.
 
Quem
* É licenciada em História pela Universidade Federal do Acre e pós-graduada em psicopedagogia.
* Foi vereadora, deputada estadual, senadora por dois mandatos (1995 a 2011) e Ministra do Meio Ambiente (2003 até maio de 2008) pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
* Em 2010 foi candidata à Presidência da República pelo Partido Verde, do qual desfiliou-se em julho de 2011.
* Recebeu o “2007 Champions of the Earth”, principal prêmio da ONU na área ambiental, a medalha Duque de Edimburgo, em reconhecimento à sua trajetória e luta em defesa da Amazônia brasileira – o prêmio mais importante concedido pela Rede WWF e, em 2009, recebeu o prêmio Sophie da Sophie Foundation, concedido a pessoas e organizações que se destacam nas áreas ambientais e do desenvolvimento sustentável, em Oslo, Noruega.
* Também em 2009, recebeu da Fundação Príncipe Albert II de Mônaco o Prêmio sobre Mudança Climática (Climate Change Award), em reconhecimento à sua contribuição para projetos na área do meio ambiente, ações e iniciativas conduzidas sob a ótica do desenvolvimento sustentável.
* Desde março de 2011 integra o Millennium Development Goals (MDG) Advocacy Group, organismo voltado para trabalhar juntamente com o secretário-geral da ONU na construção de uma vontade política e uma mobilização global para que os objetivos sejam realizados até 2015 em benefício dos pobres e vulneráveis.
 
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