Homens que não sofrem de disfunção erétil não se beneficiam com Viagra, dizem médicos |
Não teve baile nem valsa para lembrar a data, mas o Viagra, primeiro e principal medicamento oral para tratar a disfunção erétil (DE), completou recentemente 15 anos no Brasil. Em um país cujo sexo é considerado importante ou muito para a harmonia do casal por 95% dos homens e mulheres e metade da população masculina tem algum grau de DE após os 40 anos, segundo o estudo Mosaico Brasil, realizado em 2008, talvez seja válido dizer que a famosa pílula azul foi bem aceita.
Embora seja vendido sob prescrição médica, sem retenção de receita, e indicado apenas para casos de disfunção erétil, médicos consultados pelo iG afirmam ser comum homens mais jovens, na casa dos 20 anos, e até mulheres com dúvidas se o medicamento melhora o desempenho sexual. A resposta é não. “É mais ou menos como receitar óculos para quem enxerga bem”, diz Geraldo Eduardo de Faria, coordenador geral do Departamento de Sexualidade Humana e Andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
De acordo com Faria, o que pode acontecer com pacientes sem disfunção erétil que fazem uso da droga é o efeito placebo, quando um fármaco não apresenta resultados clínicos na pessoa, mas terapêuticos. “Bem comum em jovens. Eles acham que melhora o desempenho, às vezes criam uma dependência psicológica por conta do efeito”, afirma – a fabricante Pfizer informa que não há comprovações científicas que relacionem a dependência clínica ao uso da droga.
Segundo fabricante, possível uso recreativo não afetou vendas do medicamento |
Aumentar a dosagem também não significa ereção prolongada. “Estudos clínicos mostram que não há melhora na eficácia, mas podem ter efeitos colaterais: rubor facial, cefaleia (dores de cabeça), peso no estomago, aceleração na frequência cardíaca, mas este caso é mais raro. Na maioria dos pacientes você tem uma tolerabilidade”, explica Eurico Correia, diretor médico da Pfizer no Brasil. Faria complementa: “Se não tiver estímulo sexual não tem ereção. Não tem como ficar horas e horas, e o próprio incômodo que isso causa o faria perder a ereção”.
Correia esclarece ainda que 100 mg é a dosagem máxima aconselhável. “Em média 50 mg são suficientes para resolver a situação clínica – quando há uma situação a ser resolvida – do paciente. Você não deve tomar mais do que isso em 24h. Alguns pacientes com grau mais avançado de DE podem necessitar de 100 mg logo de cara. A dose tem que ser segundo a necessidade do paciente, e mesmo os que precisam devido ao grau de prejuízo não podem repetir a dose. Na bula está especificado que é no máximo 100 mg durante 24h.”
"Meia dose para fazer graça"
O advogado Orlando*, de 26 anos, teve acesso ao Viagra por meio de uma amostra grátis. "Faz uns três anos, um conhecido trabalhava na Pfizer e me deu uma. Resolvi usar", conta. Ele, no entanto, cortou a pílula no meio. "Foi meia dose para fazer graça. O efeito que senti, primeiro foi normal, depois [o pênis] não chegava a amolecer completamente, voltava um pouco mais rápido só. A diferença não foi nada gritante."
"Não deu o efeito que eu esperava ter"
Foi a curiosidade que também levou Eduardo a tomar a pílula azul. Embora não se recorde se comprou o medicamento na farmácia ou se obteve por meio de uma amostra grátis, o administrador de 38 anos lembra muito bem como foi a experiência. "Isso foi há uns seis ou sete anos. Cara, fiquei tão eufórico por saber que ia transar à noite e tal, bebi demais. A primeira transa foi muito boa, mais demora, mas depois não deu o efeito que eu esperava ter. Não foi duradouro. Brincadeiras à parte, não posso dizer que funcionou para mim, não teve esse negócio de ficar horas e horas e ainda acordar [com o pênis] duro."
Quem não deve tomar o Viagra?
Em geral, há poucos casos de contraindicação, mas eles existem. “A única contraindicação absoluta é para os pacientes que fazem uso de nitratos. Nitrato é uma família de medicamentos que as pessoas usam para aliviar a dor no peito, são colocados embaixo da língua. Quando ingerido, esse medicamento, em conjunto com o Viagra, pode causar um quadro de queda de pressão arterial muito severa, levar ao desmaio. É um problema da combinação das drogas”, diz Faria.
Ainda segundo o urologista, pessoas que têm retinite pigmentosa, doença que provoca a degeneração da retina, em fase aguda precisam consultar um oftalmologista antes de fazer uso da droga, e aqueles que possuem uma condição cardíaca muito severa devem evitar relações sexuais, em primeiro lugar. “É um exercício físico. Se a pessoa tem coração bom para subir dois lances de escada, tudo bem, mas se for grave, é contraindicado.”
Uma das dúvidas mais comuns, de acordo com Eurico, é se tomar o Viagra e bebidas alcoólicas ao mesmo tempo atrapalha os efeitos do medicamento: “Não existe nenhum problema de diminuição na eficácia do produto. A pessoa que abusou do álcool vai sofrer os efeitos do abuso do álcool”.
O Viagra e as mulheres
Coordenadora de um projeto voltado para a sexualidade feminina, a ginecologista Carolina Ambrogini conta que algumas de suas pacientes já fizeram uso do remédio para homens e até constataram melhoras na relação, mas que os resultados são inconclusivos.
Viagra pode causar efeito placebo nas mulheres, segundo a ginecologista Carolina Ambrogini |
“A gente já utilizou em algumas mulheres que tinham dificuldades de orgasmo, excitação e lubrificação, e que não podiam usar testosterona (hormônio masculino). Tivemos uma boa resposta, mas as pesquisas têm dificuldades em determinar o efeito do Viagra na mulher por conta do placebo. Confunde os estudos. Então quanto os laboratórios chegam ao FDA (Food and Drug Administration, órgão norte-americano que regula os medicamentos), os resultados ficam um pouco controversos. Essa é a maior dificuldade de desenvolver medicações para elas”, afirma Carolina.
A ginecologista declarou que algumas mulheres podem se beneficiar da pílula azul no sentido de “melhorar a lubrificação, diminuir o tempo de excitação e favorecer o orgasmo, mas não houve interferência na libido”, ou seja, não mexeu no desejo sexual delas. “A gente é embasado pela literatura a usar em casos em que o médico acha necessário”, diz.
“Não temos dados médicos sobre o Viagra no sexo feminino”, diz o diretor de sua fabricante. “A Pfizer até tinha medicamentos em desenvolvimento, mas em decorrência da dificuldade de analisar os benefícios, descontinuamos. Chegamos a avaliar de forma bastante resumida, mas o efeito não é nada esperado. Existe um lado fisiológico em relação à sexualidade feminina com aspectos difíceis de mensurar, é difícil criar um composto.” Segundo Geraldo, a “única comprovação que existiu foi o efeito placebo”.
“Pacientes que não têm grau nenhum de disfunção erétil não vão se beneficiar do uso do medicamento. Não estudamos estes grupos porque estamos falando de um medicamento, não de uma droga recreativa. Não existem evidências científicas de que o Viagra melhora o desempenho sexual nesses casos”, conclui Correa. Questionado se um possível uso indiscriminado da pílula azul pudesse afetar suas vendas nas farmácias, ele respondeu que a área responsável pela comercialização foi consultada e não identificou nenhum problema.
MITOS E VERDADES DO VIAGRA**
Pacientes com problemas cardiovasculares podem usar: verdade.
Pacientes que fazem uso de medicamentos à base de nitrato não podem usar: verdade.
Deve ser tomado uma horas antes das refeições ou depois: mito.
Não pode ser tomado com álcool: mito.
Funciona pode até 12 horas: verdade.
Perde o efeito com o tempo a longo prazo: mito.
Funciona para todos os graus de disfunção erétil: verdade.
Quem tem mais de 70 não pode usar: mito.
* O nome do entrevistado foi mudado a seu pedido.
** Informações da Pfizer.
iG
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