Maria Fernanda Ziegler / iG
Graziela acompanha tratamento do filho Pedro Henrique em
Unidade de Cuidados Paliativos Infantil
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Quando a pessoa perde os pais, vira órfã. Quando perde o companheiro, viúva. Mas quando é o filho que morre, isso não tem nome. Nos casos em que crianças pequenas são diagnosticadas com doenças incuráveis, é nos sintomas, na dor e na alma que o tratamento é feito (e a família inteira entra nessa).
Para tanto, a Santa Casa de São Paulo criou uma unidade exclusiva para o tratamento de crianças com doenças sem possibilidades de cura. A unidade é a primeira no País neste gênero. Há apenas outras poucas unidades voltadas para crianças com doenças oncológicas.
A ideia é que na unidade, inaugurada nesta segunda-feira (14), a dor que nem tem nome seja dita e trabalhada. “Os pais chegam aqui desesperados, arrasados. A família precisa digerir a notícia, enfrentar a dor e cuidar para que os últimos dias, meses ou anos sejam vividos no presente e de forma bem aproveitada, sem dor”, disse a diretora da unidade, Ana Paula Santos, especialista em cuidados paliativos e anestesia.
Uma das atendidas é Graziela Pereira Miranda, de 21 anos, mãe de Pedro Henrique, de três anos, que tem encefalopatia crônica evolutiva desde os seis meses de vida. O nome complicado para a inflamação no encéfalo da criança revela a falta de um tratamento. Provavelmente o problema é causado por uma enzima não identificada que incapacita o menino de andar e falar. Ele também usa uma sonda liga ao estômago para se alimentar.
Como a causa é desconhecida, não há remédio nem tratamento. Mesmo assim, o menino está ganhando peso, crescendo, e respondendo a estímulos. Acena com a cabeça quando concorda e parece sorrir constantemente com os olhos. É sem dúvidas uma criança feliz. Vai toda a semana na Santa Casa, onde recebe tratamento de uma equipe multidisciplinar formada por fisioterapeuta, fonoaudiólogo, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional e farmacêutico.
“O meu filho adora sair de casa”, diz Graziela. Nesta segunda-feira (14), Pedro Henrique foi o primeiro a ser atendido na nova Unidade de Tratamento da dor e Cuidados Paliativos Infantil por uma equipe multidisciplinar formada porfisioterapeuta, fonoaudiólogo, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional e farmacêutico. A unidade também conta com uma assistente social que ajuda a família a buscar remédios com Sistema Único de Saúde e benefícios.
Eliane Marques da Silva, enfermeira supervisora da unidade, lembra que em quase todos os casos, um dos pais deixa de trabalhar para cuidar do filho ou acaba perdendo o emprego. “Muitas vezes eles nem sabem, ou não se tocam, que têm direito ao seguro desemprego e benefícios dados pelo governo por causa do filho doente”, disse.
Com a inauguração do centro, 50 crianças e suas famílias poderão ser atendidas por semana. Antes, quando o atendimento era feito em diferentes áreas do hospital, a capacidade era de apenas 10 crianças por semana. A expectativa é que no próximo ano seja inaugurado um novo prédio com um atendimento ainda maior.
“Os médicos não estão acostumados com isso, tratamos da cura, numa busca incessante por ela. Mas nos casos de doenças incuráveis precisamos tratar os sintomas e dar a melhor qualidade de vida para a criança e a família. Aqui tratamos não só a saúde física, mas a parte emocional, social e também espiritual do paciente”, diz a anestesista que começou a se interessar pela medicina paliativa quando viu uma paciente urrar de dor no hospital, mesmo quando a dor estava quimicamente controlada. “Tinha algo mais ali, ela tinha um sentimento de dor e isto não dá para tratar com remédios ou exames”, disse.
A médica lembra que não se trata de lutar em uma guerra perdida. “Qualquer melhora na qualidade de vida do paciente é bem vinda. Não sabemos quanto os cuidados paliativos podem prolongar a vida do paciente, ela amplia, mas o importante está no bem estar deles”, diz.
Dar mais vida aos dias do que dias à vida
Deste modo, em vez de gritos de dor há delicadeza. Ana Paula conta que Kaylla, uma menina de cinco anos internada por cardiosarcoma, demonstrou sentir muitas saudades dos primos. Logo ficou estipulado o dia que os dois primos fariam uma visita à menina no hospital. Porém, Kaylla piorou muito e disse que não queria mais vê-los. Foi preciso que a psicóloga entrasse em ação para convencer a menina a brincar com os primos, algo que não fazia há muito tempo.
Deste modo, em vez de gritos de dor há delicadeza. Ana Paula conta que Kaylla, uma menina de cinco anos internada por cardiosarcoma, demonstrou sentir muitas saudades dos primos. Logo ficou estipulado o dia que os dois primos fariam uma visita à menina no hospital. Porém, Kaylla piorou muito e disse que não queria mais vê-los. Foi preciso que a psicóloga entrasse em ação para convencer a menina a brincar com os primos, algo que não fazia há muito tempo.
“Aqui as crianças vão viver o tempo que têm para viver, mas elas não precisam urrar de dor”, diz Ana Paula Santos. Ela explica que o trabalho da equipe consiste em fazer com que a família consiga aproveitar o dia de hoje, sem perder a oportunidade de dizer “eu te amo”. “Também não queremos que a família só entenda que deixou de aproveitar a vida, quando o parente morreu”, disse.
No sábado (12), a Maria Eduarda, de três anos e paciente com câncer terminal, morreu na Santa Casa. A família e os médicos ficaram as 10 horas finais com a menina. Todos puderam se despedir. Agora a equipe vai tratar o luto dos pais de Maria Eduarda. “Os pais de pacientes que não têm a possibilidade de cura precisam saber que eu estou com eles até o fim e que sinto também. São pessoas que chegam aqui desesperadas”, disse Ana Paula.
Eu quero ver o mar
As 15 convulsões diárias de Pedro Henrique foram reduzidas a uma a três, e a mãe e o pai do menino já sabem controlar as crises com calma e segurança. “Passamos dois meses de férias e ele ficou uma semana sem ter convulsões”, diz. As mãos e os pés, antes contorcidos - um dos resultados da doença -, estão relaxados e respondem bem ao tratamento com talas.
As 15 convulsões diárias de Pedro Henrique foram reduzidas a uma a três, e a mãe e o pai do menino já sabem controlar as crises com calma e segurança. “Passamos dois meses de férias e ele ficou uma semana sem ter convulsões”, diz. As mãos e os pés, antes contorcidos - um dos resultados da doença -, estão relaxados e respondem bem ao tratamento com talas.
“Ele é o maior presente que eu ganhei”, diz Graziela, parecendo ter superado toda a angústia que já sofreu, quando há dois anos e meio notou que seu filho único havia deixado de segurar a cabeça. Ela e o marido sabiam que alguma coisa estava diferente.
Graziela e o marido passaram por fases - como raiva, negação e desespero - comuns aos pais de uma doença rara e sem cura. Hoje, estão conformados, felizes e sabem como cuidar e dar qualidade de vida ao filho. Seja na elaboração de um pufe feito com uma calça jeans preenchida com espuma que permite dar apoio para que o filho brinque com os primos no chão da sala, ou na segurança de viajar com o menino para visitar os avós na Bahia e ver o mar. “E ele gostou tanto do mar que ano que vem vamos voltar”, diz.
iG
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