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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Reduzir níveis de gordura no sangue continua fundamental, dizem médicos

Novas orientações das sociedades americanas de cardiologia estão deixando muita gente em dúvida: pessoas que não tiveram infarto ou derrame e têm colesterol alto devem ou não tomar remédios para baixar esses níveis?
 
Ao eliminar as chamadas metas de colesterol --o número máximo de LDL, o colesterol "ruim", que cada grupo de pessoas deve ter de acordo com seu perfil de risco para derrame e infarto-, o documento publicado em novembro deixou a impressão de que já não importa qual o nível de gorduras no sangue.
 
Assim, não seria mais necessário tomar remédios contra colesterol, as estatinas, nem fazer exames para ver o progresso do tratamento.
 
Editoria de Arte/Folhapress
 
No sábado retrasado, o oncologista Drauzio Varella, colunista da Folha, escreveu, ao citar as novas diretrizes da American Heart Association e do American College of Cardiology: "Segundo elas, os níveis de colesterol não interessam mais. Se seu LDL é alto, não fique aflito para reduzi-lo: o risco de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral não será modificado".
 
Cardiologistas brasileiros envolvidos na elaboração das diretrizes nacionais de controle do colesterol, publicadas também neste ano, discordam do colunista.
 
Raul Santos Filho, da Faculdade de Medicina da USP, diz que a nova diretriz dos EUA é clara ao recomendar redução de 30% a 50% ou mais dos níveis de colesterol a depender do perfil de risco do paciente como ato eficaz para evitar infarto e derrame.
 
"Se o nível de colesterol não fosse importante, por que mandariam baixar tanto?"
 
O cardiologista Hermes Toros Xavier, editor da atual diretriz brasileira sobre o tema, diz que as metas não foram suspensas pela irrelevância dos níveis de colesterol, e sim porque os estudos nos quais as orientações se basearam viam só o efeito da redução das taxas, e não o desempenho em cada nível.
 
De fato, o texto americano classifica a redução de 50% do colesterol "ruim" como um "fator crítico" para evitar eventos cardiovasculares.
 
Remédio para quem?
 Tendo como base estudos nos quais a resposta de grupos equivalentes de pacientes a um tratamento ou a um placebo são comparados, a diretriz americana conclui que há quatro tipos de pessoas para as quais o uso de remédios anticolesterol tem mais benefícios do que riscos.
 
O primeiro grupo é são os que já têm doenças cardíacas, como os infartados. Aqui não há controvérsia. Depois vêm as pessoas com LDL bem alto, maior do que 190 mg/dl. Os diabéticos com LDL entre 70 e 189 mg/dl constituem o terceiro grupo.
 
O último e mais controverso grupo é tem potencial de incluir o maior número de pessoas: adultos sem doenças cardíacas, com LDL entre 70 e 189 mg/dl e com risco igual ou maior a 7,5% de ter um evento cardiovascular nos próximos dez anos.
 
Esse risco é calculado por meio de uma fórmula já bem conhecida dos cardiologistas mas que foi atualizada para a nova diretriz --e muito criticada, por superestimar o risco em certos grupos e por subestimá-lo em outros.
 
A tabela leva em conta os seguintes itens: sexo, idade, raça (afroamericana ou branca e outras), níveis de colesterol, pressão arterial, se a pessoa faz tratamento para baixar a pressão, se tem diabetes e se fuma.
 
Evidências
A última pesquisa grande sobre estatinas em pessoas sem doenças cardiovasculares foi publicada neste ano pela Cochrane, entidade de renome que realiza grandes revisões de estudos. Ela concluiu que o tratamento com estatinas é benéfico mesmo para quem nunca teve problemas cardíacos e que não traz efeitos colaterais graves.
 
John Abramson, da Escola Médica de Harvard, publicou uma análise no "British Medical Journal" questionando conclusões dessa revisão e de outra de 2012, a CTT, uma colaboração internacional.
 
O problema principal é o número de pessoas que precisam tomar as estatinas para que um evento cardiovascular ou uma morte sejam evitados. Esse número deve ser comparado com o de pessoas que precisam tomar o remédio para que uma tenha um efeito colateral grave. Pesando o benefício e o risco, chega-se a uma indicação.
 
Mas esses números são controversos. O estudo da CTT mostra que, entre pessoas com risco de 20% ou menor de problemas cardíacos em dez anos, são evitados 11 eventos cardiovasculares por mil pessoas tratadas a cada 39 mg/dl de redução de LDL. As conclusões da CTT classificam esse benefício como mais importante do que o risco trazido pelo tratamento.
 
Nesse estudo, era preciso tratar 2.000 pessoas para haver um caso de problema nos músculos, um dos efeitos colaterais mais comuns do tratamento. No entanto, Abramson, no "BMJ", cita outros estudos que mostram um número muito maior de casos de dores musculares causados por estatina.
 
Segundo esses estudos, é preciso tratar só 19 pessoas para que uma sofra de miopatia. O diabetes também aumenta entre os tratados,em especial entre mulheres.
 
Segundo Xavier, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o risco de diabetes sobe cerca de 9% entre usuários de estatina, risco menor do que o benefício do remédio.
 
Para Drauzio Varella, o importante é trazer à tona a discussão sobre esse tema. "Quis mostrar [com o artigo] que a questão não é tão simples assim. É preciso discutir."
 
Tentativa de evitar infartos
Por que, afinal, existe um esforço tão grande para saber quem deve tomar um remédio para evitar uma doença que pode nem se manifestar?
 
As estatinas são classificadas como "blockbusters", drogas responsáveis por grande fatia do faturamento das maiores farmacêuticas. Enquanto as patentes e os preços desses remédios vêm caindo, novas substâncias têm sido testadas para serem usadas como estatinas ou por pessoas que não toleram o tratamento com elas.
 
Para críticos da indústria farmacêutica, existe um esforço grande em demonstrar benefício desses remédios simplesmente para fazer gente saudável comprar remédio.
 
Mas a questão não pode ser resumida a uma "teoria da conspiração", segundo Raul Santos Filho, da USP. Cerca de metade das pessoas que infartam nunca teve sintomas de doenças cardíacas antes de sofrer o evento ou até morrer por causa dele.
 
A esperança dos médicos é identificar pessoas com maior risco de infartar ou ter derrame e evitar que isso aconteça. Daí surgem as escalas de risco futuro e as receitas de estatinas e anti-hipertensivos.
 
Além das mudanças de estilo de vida, que dependem muito da força de vontade do paciente, o colesterol é um fator no qual os médicos conseguem interferir, principalmente com remédios.
 
Folhaonline

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