Junto com o aumento da obesidade no Brasil, a realização de procedimentos de redução de estômago --as cirurgias bariátricas-- tem registrado um crescimento exponencial no país, com um aumento de 275% nos últimos sete anos.
De acordo com a SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica), o número de procedimentos pulou de 16 mil, em 2003, para 60 mil, em 2010.
A cirurgia é indicada para pacientes com IMC (Índice de Massa Corpórea) acima de 35 ou 40, quando há presença de outras doenças associadas à obesidade.
O procedimento extirpa uma parte do estômago ou do intestino e ainda pode recorrer a intervenções no aparelho digestivo (no Brasil, são aprovadas quatro modalidades cirúrgicas).
"O número de obesos aumentou, a informação sobre a cirurgia aumentou, e tivemos um grande avanço, que foram as operações por laparoscopia", diz Ricardo Cohen, presidente da SBCBM.
"Elas tornaram o processo mais confortável, com menos dor e uma volta mais rápida ao trabalho", acrescenta Cohen. "Tudo isso atrai mais procura."
Segundo o cirurgião, o país fica atrás apenas dos Estados Unidos no ranking mundial --os americanos estão de longe na frente, com cerca de 300 mil cirurgias do tipo realizadas em 2010.
Cohen diz ainda que, enquanto a crise econômica levou a uma queda no número de cirurgias nos Estados Unidos no ano passado, a tendência no Brasil é de crescimento, acompanhando a demanda.
FRACASSO
Apesar do aumento da procura, o salto no número de cirurgias também é visto com ressalvas.
Para o endocrinologista Gerson Noronha Filho, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a situação reflete um "grande fracasso" no tratamento de obesos, que só deveriam ser encaminhados para cirurgia em casos extremos.
"É um procedimento radical, que corta uma área brutal do estômago", diz o médico. "Essas soluções finais, únicas, desumanizam o indivíduo. As soluções não devem ser únicas, devem ser múltiplas, pensadas diante do quadro que o indivíduo apresenta."
Noronha atende obesos mórbidos no centro de pesquisas clínicas (Clinex) da Uerj e ressalta a importância de conhecer a história por trás de cada caso.
"A grande razão do fracasso [no tratamento] é que o obeso nunca está sozinho", afirma. "Há sempre alguém que alimenta esse gordo, sempre um par magro. A medicina precisa trazer essa dupla para o tratamento, mas tem dificuldades em fazer isso porque envolve um tratamento multidisciplinar."
De acordo com a SBCBM, o tratamento clínico tem eficácia em 10% dos casos, enquanto a intervenção cirúrgica soluciona 85% deles. As estatísticas ajudam a explicar o interesse em torno do procedimento, inclusive em blogs, fóruns de discussão e redes sociais.
No Orkut, por exemplo, a comunidade "Cirurgia Bariátrica - Eu fiz!" tem mais de 7.000 membros. Já a "Cirurgia Bariátrica - Vou fazer!" tem pouco mais de 2.000.
O procedimento é caro. De acordo com a SBCBM, o custo varia de R$ 10 mil a R$ 15 mil (a cirurgia aberta) e pode chegar à faixa de R$ 15 mil a R$ 25 mil (videolaparoscopia).
Com internação e as cirurgias plásticas que precisam ser feitas posteriormente para reduzir a pele flácida, Noronha estima que o valor fique entre R$ 30 mil e R$ 50 mil.
FILA LONGA
Como a obesidade no Brasil também aumenta entre as classes mais desfavorecidas, o resultado é uma longa fila no SUS (Sistema Único de Saúde).
Moradora da Rocinha, Luiza Souza, 34, se inscreveu em 2005 no Hospital de Ipanema, da rede federal, esperando que fosse atendida em dois, talvez três anos. Em janeiro, na última vez que checou, ouviu do enfermeiro que deveria contar com mais seis a oito anos de espera.
"Já fiz tudo que é tipo de tratamento, mas os médicos me falaram que o meu caso agora só se resolve com cirurgia bariátrica", afirma ela, que está com 140 kg e atribui ao peso a dificuldade de conseguir emprego.
Assim como Luiza, cerca de 5.000 pessoas esperam na fila do Hospital de Ipanema. De acordo com o Núcleo Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, a unidade tem estrutura para uma cirurgia por semana. No ano passado, 37 foram realizadas.
"Muita gente morre na fila, e muita gente desiste, dá outro jeito de operar. Foi o que eu fiz", diz Aline Rodrigues de Souza, 31.
Em fevereiro deste ano, ela conseguiu realizar a cirurgia, sonho que acalentava desde 1999. Depois de se casar, uma melhora de renda permitiu que pagasse um plano de saúde, e só assim conseguiu concretizar seus planos.
De acordo com o Ministério da Saúde, a cirurgia bariátrica começou a ser feita na rede pública em 2003.
De lá para cá, o número de cirurgias realizadas pelo SUS aumentou 150%. Ainda assim, elas representam pouco mais de 7% do total brasileiro.
Em 2010, o ministério investiu R$ 24,5 milhões para a realização do procedimento pelo SUS, com um total de 4.437 cirurgias.
AUTOESTIMA
Aline se diz realizada. Dos 175 kg que tinha na época da cirurgia, perdeu 37 nos últimos cinco meses. Matriculou-se em um curso de maquiagem e está saindo mais de casa.
"Antes eu não caminhava, não estudava, saía pouco", afirma. "A gordura me tirava a coragem de enfrentar o preconceito."
Já Luiza afirma que está desiludida. Por causa do peso, parou de exercer a profissão faz tempo: era professora do ensino fundamental. Ela diz que, no início do ano, foi demitida do mercado onde trabalhava como caixa após faltar um dia por uma crise de hipertensão.
"Estou procurando emprego o ano todo, mas está difícil", afirma. "O pessoal diz que meu currículo é muito bom, mas, quando vou para a entrevista, falam que a empresa não tem nem uniforme para mim."
Enquanto não recebe a tão esperada convocação do hospital, Luiza tenta conciliar o sonho de concluir a faculdade de Letras que deixou pela metade e os planos para o futuro com os obstáculos criados pelo excesso de peso.
"Quero arrumar um trabalho, parar de tomar remédio de pressão, fazer bastante exercício, parar de fumar... E subir um pouco a autoestima, né? Porque quase não tenho."
Fonte Folhaonline
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