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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O remédio virou doença para as mulheres

Universitárias são mais dependentes de comprimidos do que ecstasy, cocaína e crack

Atrás do balcão das farmácias, as jovens brasileiras encontram substâncias que provocam os mesmos efeitos buscados por homens em “bocas” de tráfico.

Se para o sexo masculino na faixa dos 20 e 30 anos, cocaína, crack e anabolizante são as drogas ilícitas mais utilizadas, entre as mulheres desta faixa etária as sensações entorpecentes são adquiridas com o abuso de medicamentos.

A relação perigosa entre remédios e o universo feminino acaba de ser demonstrada em pesquisa feita pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), em parceria com a USP. Foram ouvidos 18 mil universitários, matriculados em instituições das 27 capitais brasileiras.

O risco de dependência de tranqüilizantes e ansiolíticos para as mulheres pesquisadas (9 mil no total) superou o índice encontrado para ecstasy, cocaína, solvente e crack. No público universitário feminino, 3,2% delas já são viciadas em calmantes e antidepressivos, terceira maior taxa de uso abusivo, atrás apenas da maconha (5%) e de um outro comprimido que também prende as mulheres, as anfetaminas (3,9%).

Para efeito comparativo, 14,6% das pesquisadas informaram usar tranqüilizantes e, na população em geral – conforme mostrou o último censo nacional feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – a média de uso não chegou a 1,5%.

De cara limpa
No consultório da médica Mônica Zilberman, especializada em dependência química feminina e pesquisadora do laboratório de Psicofarmacologia do Instituto de Psiquiatria da USP, as meninas, as adultas e as senhoras que chegam com histórico de uso abusivo de medicamentos relatam uma enorme dificuldade em viver “de cara limpa”.

“Antes esse uso abusivo de medicamentos era mais comum em mulheres mais velhas, hoje temos garotas dependentes. Elas relatam que recorrem aos medicamentos para se acalmar”, explica. “Querem ficar mais tranqüilas para ir ao primeiro encontro, para frequentar a balada, fazer provas, aguentar a pressão do dia-a-dia, o que, para elas, é difícil fazer de cara limpa", diz a especialista.

Uma fisioterapeuta de São Paulo, de 33 anos, confirma mesmo que encontrou os ansiolíticos na época em que a rotina ficou tumultuada. Ela trabalhava em período integral e fazia faculdade à noite. “Para dar conta de tudo, precisei deles”, conta. Primeiro foram os remédios para dormir e “domar” a insônia. Depois passou a conciliar as pílulas para acordar, já que tinha dias em que “hibernava” por mais de 14 horas. O excesso de comprimidos a deixou “muito inchada”, acredita. E, apesar de ter 1,59 de altura e pouco mais de 51 kg, ela começou a tomar anfetaminas também para emagrecer. Apesar disso, a fisioterapeuta não se considera dependente e nunca procurou um médico. Nem para pegar as receitas dos tantos remédios que usa.

A especialista Mônica Zilberman acrescenta um outro componente do uso abusivo de medicamentos pelas mulheres. Em geral, ele “flerta” com outras dependências, principalmente o uso de bebidas alcoólicas. “Existe também uma relação íntima com os quadros depressivos. Às vezes a garota está tão triste que quer tomar remédios para dormir e não acordar mais”, completa.

Arthur Guerra, psiquiatra e autor do estudo com o público universitário, diz que o uso exagerado de substâncias psicoativas acontece mais aos finais de semana. "O fato de não ser todo dia dá a faalsa sensação de controle. Mas é um erro perigoso não considerar que a usuária de sábado ou domingo pode ter problemas sérios", afirma.

Overdose
Usar e abusar das pílulas pode mesmo ser o caminho para o pronto-socorro ou para a morte. No Brasil, as intoxicações por medicamentos lideram as estatísticas e os casos em mulheres são maioria absoluta.

O último relatório do Sistema Nacional de Informação Toxicológica (Sinitox), ligado à Fundação Oswaldo Cruz, acaba de ser divulgado e mais uma vez alerta para o perigo dos remédios tomados por conta própria. Apenas em 2008, foram contabilizados 26.384 envenenamentos por medicações, sendo 16,8 mil em mulheres, uma média de 72 casos por dia. São notificações de pessoas que precisaram fazer lavagem estomacal por causa da intoxicação. Para comparar, a overdose por drogas ilícitas somou 3.855 casos de intoxicação no mesmo ano.

“A mulher é mais familiarizada com o comprimido, até porque vai mais ao médico. Por essas questões culturais abusa mais dos medicamentos”, explica a diretora do Sinitox, Rosany Bochner. “Outro fator que faz parte deste contexto é a circunstância do abuso. A maioria absoluta dos casos é de tentativas de suicídios. As mulheres têm acesso fácil aos medicamentos e usam para autoagressão”, completa.

Fenômeno mundial
Não é só no Brasil que a relação com os medicamentos tornou-se perigosa. O número de entradas na emergência de hospitais dos Estados Unidos devido o uso por conta própria de remédios, com ou sem necessidade de receita, dobrou nos últimos cinco anos, segundo os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças do país.

O aumento foi divulgado mês passado no “Morbidity and Mortality Weekly Report”. A maioria das entradas na emergência foram reações a analgésicos opióides como oxicodona, hidrocodona e metadona. Os casos passaram de 144.600 em 2004 para 305.900 entradas em 2008. As drogas ansiolíticas corresponderam a 271.700 entradas na emergência em 2008, contra 143.500 em 2004

Vício de estrelas
A relação da dependência dos medicamentos é crescente, mas não uma novidade, em especial no cenário artístico. Ano passado, quando Michael Jackson morreu, o uso excessivo de remédios pelo cantor veio à tona e foi cogitado como uma das causas de morte do artista. Não foi a primeira estrela que sofreu por transformar o remédio em doença. Carmem Miranda, Elizabeth Taylor, Marilyn Monroe e Maysa são só algumas biografias marcadas pelo vício nas cápsulas.

Fonte IG

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