Sonâmbulo, Jorginho sai perambulando pela rua, entre os carros |
As cenas interpretadas por Cauã Reymond na novela retratam um problema raro entre adultos, mas real e bastante perigoso
Após ser abandonado por Nina, personagem interpretada por Débora Falabella na novela das nove Avenida Brasil, Jorginho, vivido por Cauã Reymond, perambula bêbado pelas ruas e acaba dormindo na calçada.
Ao levantar, sonâmbulo, o rapaz caminha e quase é atropelado. Quando acorda Jorginho vê que está cercado por mendigos e é roubado sem perceber. A cena da novela pode até parecer fantasiosa, mas a verdade é que o drama encarnado pelo personagem ocorre também na vida real.
De acordo com a neurologista responsável pelo setor de pediatria do Instituto do Sono da AFIP (Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa), Marcia Pradella-Hallinan, o sonambulismo “é muito mais frequente na criança, um pouco menos no adolescente e, nos adultos jovens, cerca de 1% das pessoas podem ter essas crises”.
Segundo a médica, como os meninos demoram mais para conciliar o sono e amadurecer essa parte elétrica do cérebro, podem ter crises até os 35 anos.
“Normalmente, depois passa. Se isso se mantiver tem que ser feita toda uma avaliação porque há outras coisas que podem gerar crises que se assemelham ao sonambulismo, mas na verdade são outros distúrbios. De qualquer forma são distúrbios raros também”, afirma a doutora.
“O sonambulismo é um distúrbio do sono considerado maturacional, ou seja, ele está relacionado à maturação dos mecanismos do sono” explica a médica.
“Temos basicamente dois tipos de sono: o que sonha e o que não sonha. No sonambulismo, quando o indivíduo está saindo do sono que não sonha e vai passar para o que sonha, ele sofre alterações no cérebro, como se o órgão ainda não soubesse como passar de um tipo de sono para o outro”, completa.
Queda de 5 andares
O comerciante Leonardo Albuquerque Fernandes, 30 anos, que convive com episódios de sonambulismo durante toda a vida, confirma e comemora que nos últimos anos as crises têm sido cada vez mais raras. Em 2005, ele caiu da janela do quinto andar de um prédio durante uma crise de sonambulismo.
O comerciante Leonardo Albuquerque Fernandes, 30 anos, que convive com episódios de sonambulismo durante toda a vida, confirma e comemora que nos últimos anos as crises têm sido cada vez mais raras. Em 2005, ele caiu da janela do quinto andar de um prédio durante uma crise de sonambulismo.
“Estava no apartamento de uns amigos quando morava em Niterói. Lembro que fiquei conversando com a minha ex-namorada e outros amigos no computador até às 4h. Teve um momento em que as pessoas começaram a demorar para responder e deitei no sofá para esperar. Foi quando adormeci. Quando acordei estava no hospital”, lembra ele.
Leonardo não se recorda de nada e tudo que sabe veio por meio dos relatos dos amigos, da mãe e dos vizinhos.
“Minha mãe disse que quando estava no hospital eu falei que procurava o elevador, mas não me lembro disso. Só lembro de acordar no hospital por volta de meio-dia todo quebrado”, diz o rapaz, que foi encontrado por um vizinho que ouviu o barulho provocado pela queda no chão.
“Eu estava de olhos abertos, gemia de dor, mas estava em choque”, conta Leonardo, que não teve nenhuma fratura externa, mas quebrou oito vértebras da coluna.
Segundo os médicos que o atenderam no Hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói, o comerciante, teve sorte porque a cabeça caiu sobre a areia de um canteiro enquanto o corpo ficou sobre o asfalto. Surpreendentemente, Leonardo hoje não tem qualquer sequela motora do acidente.
“Hoje em dia tenho menos de 1% de desvio na coluna. Fiquei com três achatamentos de disco que futuramente podem virar uma hérnia, mas faço acompanhamento anual e até agora não aconteceu nada”, observa.
Ainda no hospital, nos dias que se seguiram ao acidente, o rapaz tomou novo susto. Durante a noite, mesmo com tantas fraturas, ele teve mais uma crise de sonambulismo e ficou de pé sobre a cama.
“Minha mãe estava dormindo no quarto e viu tudo. Na noite seguinte fiz a mesma coisa. Então pedi para me amarrarem na cama. Na terceira noite tentei me levantar, mas como estava amarrado não consegui. Tive medo de quebrar a coluna de vez”, lembra ele.
Hoje Leonardo comemora cada novo “aniversário” com um churrasco ao lado dos amigos e familiares.
“Fez 7 anos dia 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima. Sempre comemoro porque nasci de novo”, afirma Leonardo, hoje morando em uma casa em São Pedro da Aldeia, região litorânea do Rio de Janeiro.
“Quando morava em apartamento tinha grade nas janelas. Hoje não preciso, até porque as crises diminuíram muito”, conta.
Marcia, da AFIP, explica que o sonambulismo são crises epiléticas, principalmente do lobo temporal, que não acontecem toda noite. Ainda de acordo com a neurologista, em torno de 60% dos indivíduos que são sonâmbulos têm alguém na família que também teve o distúrbio.
"Essa porcentagem alta traduz apenas que o indivíduo amadurece seu sistema da mesma forma que os outros membros da família. Mas não há um gene, um marcador genético dessa alteração”, esclarece.
Quarto separado
A fisioterapeuta carioca Dyanne Magalhães, 30 anos, acompanhou as crises de sonambulismo do pai e cresceu ouvindo as histórias sobre a avó, que constantemente era encontrada arrumando os cabelos na penteadeira do quarto e se maquiando enquanto dormia. Dyanne trabalha na emergência pediátrica do Hospital Universitário Pedro Ernesto e conta com bom humor os episódios que vive durante os plantões em que tem crises de sonambulismo.
A fisioterapeuta carioca Dyanne Magalhães, 30 anos, acompanhou as crises de sonambulismo do pai e cresceu ouvindo as histórias sobre a avó, que constantemente era encontrada arrumando os cabelos na penteadeira do quarto e se maquiando enquanto dormia. Dyanne trabalha na emergência pediátrica do Hospital Universitário Pedro Ernesto e conta com bom humor os episódios que vive durante os plantões em que tem crises de sonambulismo.
“Há três semanas eu estava no plantão, dormindo, levantei e apertei o pescoço de uma enfermeira com as mãos. Ela tem asma lábil, acordou com o susto, teve uma crise de broncoespasmo e foi atendida na emergência. Não lembro de nada”, diverte-se Dyanne, que só soube o que aconteceu 15 dias depois.
“Notei que eu passava e as pessoas riam. Achei que estavam debochando de mim até que perguntei para uma enfermeira que eu conhecia melhor. Ela acabou me contando”, lembra a fisioterapeuta. Dyanne observou que tem crises com mais frequência quando está mais agitada ou com algum problema pessoal.
“No começo foi muito difícil. Hoje em dia as enfermeiras até brincam. Dizem: ‘essa noite alguém falou demais’. Mas antigamente se assustavam. Durmo até num quarto mais separado para não incomodar tanta gente. Fico no quarto dos que roncam ou falam. Os zombeteiros da noite”, conta a fisioterapeuta.
Quando o quarto em questão está sem vagas ela precisa dormir no quarto dos médicos. “Tem médico que eu conheço, mas tem gente que não tenho intimidade. Então chego, dou boa noite, explico que sou sonâmbula e que se eu gritar, por favor, me desculpem”, diz Dyanne aos risos.
Seimar Magalhães, a mãe de Dyanne, conta que a filha sempre parece estar em perigo. “Desde pequenininha ela gritava, pedia socorro. Sempre dizia ‘sai daqui’ ou ‘me tira daqui’. Como logo ela grita nunca me preocupei porque prontamente estava ao lado dela para atendê-la. Por isso nunca pensamos em tratamento. Ate hoje ela abre o olho e se você perguntar algo a Dyanne responde”, conta Seimar.
Risco de acidentes
Apesar de a filha estar de olhos abertos, ela garante saber diferenciar quando Dyanne está dormindo ou acordada pelo olhar. “Não é um olhar normal, é um olhar mais fixo, amedrontado. Não pisca. Você percebe que está falando com ela, mas ela não está alí”, afirma.
Marcia Pradella-Hallinan pontua que o sonambulismo, em alguns casos, pode ser perigoso, mas nem sempre precisa ser tratado.
“Temos muitas histórias de crianças que entram no mar, na piscina, tomam banho e não acordam. O indivíduo está nessa transição do sono fazendo coisas automáticas e, por isso, há risco de acidentes. Mas só tratamos se tiver alguma repercussão”, explica ela, ressaltando que é necessário pesar os benefícios de tomar uma medicação diária que impõe restrições.
“Atrapalha para dirigir e a pessoa não pode beber”, enumera a médica.
Sobre o mito de que o sonâmbulo não deve ser acordado, a neurologista diz que despertar o sonâmbulo não desencadeará nenhuma consequência grave. Porém, o ideal é realmente conduzi-lo até a cama novamente.
“Ao acordá-lo, ele terá o ciclo do sono quebrado. Além disso, acordar um sonâmbulo não é fácil. É o sono mais difícil de acordar. Dar tapas no rosto, jogar água ou acender a luz podem não resolver e são atos desnecessários”, diz ela.
Veja alguns cuidados importantes para quem tem um sonâmbulo em casa:
Segurança: se as crises são esporádicas e não exigem tratamento a orientação é se preocupar com a segurança. Recomenda-se colocar proteção nas janelas, trancar a porta e esconder a chave, além de outros objetos que possam machucar como facas e tesouras. Lembre-se que a pessoa faz tudo no automático. Um acidente pode acontecer.
Acordar ou não: o sonâmbulo não precisa ser acordado, mas ele não sofrerá nenhuma consequência grave se isso for feito. A recomendação é, com calma, conduzi-lo até a cama de novo. Não é necessário acender luz, jogar água ou estapear o rosto dele. Até porque este é um dos sonos mais difíceis de acordar.
Consciência: o indivíduo não tem mesmo absoluta consciência do que está fazendo. Há quem pense que a pessoa está tendo um pesadelo e que ela levanta porque ficou assustada.Não se trata de um trabalho mental consciente. Normalmente quando a pessoa acorda ela lembra daquele momento. “Ué, estou na janela! O que estou fazendo aqui?”
Tratamento: o mais indicado (por consenso internacional) é feito com uma droga da família dos benzodiazepínicos, uma medicação que atua no sistema nervoso central. Em concomitância com o tratamento, o paciente não pode ingerir bebida alcoólica e os efeitos da medicação podem atrapalhar para dirigir. Por isso, para adultos, todas essas questões devem ser levantadas antes de decidir pelo uso do remédio.
Fonte iG
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