Material desenvolvido no Texas, com a participação de brasileiros, tem
capacidade para erguer até 100 mil vezes o seu próprio peso
Um "músculo artificial", feito de nanotubos de carbono revestidos com cera,
85 vezes mais forte que um músculo humano, é a última novidade no ramo da
nanotecnologia, apresentada hoje na revista Science. O material, com capacidade
para erguer até 100 mil vezes o seu próprio peso, foi desenvolvido na
Universidade do Texas em Dallas (EUA), em parceria com pesquisadores
brasileiros, australianos, canadenses, chineses e sul-coreanos.
A invenção, apesar do nome, não se parece com um bíceps humano. O termo
"músculo artificial" se refere à capacidade do material de mudar de forma quando
estimulado e produzir força por meio da contração de filamentos - semelhante ao
que ocorre num músculo humano, quando as fibras do bíceps se contraem para mover
o braço, estimuladas pelos nervos.
O material desenvolvido em Dallas é essencialmente uma fibra retorcida de
nanotubos de carbono revestidos com parafina. As inovações estão na estrutura
helicoidal da fibra, que lhe permite aplicar forças lineares e rotacionais a um
objeto quando contraída, e no fato de que essa contração pode ser induzida
simplesmente por um estímulo térmico, produzido por uma corrente elétrica ou
luminosa.
Vários vídeos demonstrativos, divulgados com o trabalho na Science, mostram o
"músculo" sendo contraído para erguer objetos, movimentar hélices e até para
acionar uma pequena catapulta. Imagine algo como um fio de lã (só que muito mais
fino e forte) pendurado ao teto com um peso na ponta. Quando o fio é aquecido
por meio de uma lâmpada incandescente ou de uma corrente elétrica, o calor faz
instantaneamente com que ele se torça e diminua de comprimento, levantando o
peso. E assim que a luz ou a eletricidade é desligada, ele "relaxa" de novo,
podendo repetir o processo milhões de vezes sem sofrer danos.
"Combinamos as propriedades térmicas da cera com as propriedades mecânicas
dos nanotubos de carbono", explica o engenheiro brasileiro Márcio Dias Lima, que
faz pós-doutorado no Instituto de Nanotecnologia da universidade texana e é um
dos autores principais do trabalho.
Propriedades
A vantagem dos nanotubos é que eles são extremamente leves,
fortes e resistentes - proporcionalmente, cem vezes mais fortes que o aço. A
vantagem da cera é a sua capacidade de expansão térmica - o movimento do
"músculo" ocorre porque a cera expande quando aquecida e retorna ao seu formato
original quando resfriada, causando contração e relaxamento da fibra.
Modelos anteriores de músculos artificiais precisavam estar imersos em algum
tipo de solução eletroquímica para serem estimulados, o que limitava seriamente
seu leque de aplicabilidades. "A gente até brincava que os robôs do futuro
teriam de beber para conseguir andar", diz o pesquisador Douglas Galvão, do
Departamento de Física Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ele foi um dos responsáveis pelo trabalho de modelagem da pesquisa, em parceria
com seu aluno Leonardo Machado e o professor Alexandre Fonseca, da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) em Bauru.
O material ainda pode ser melhorado, mas já é comercialmente viável e
funcional para aplicações em pequena escala, que não necessitam de grandes
quantidades de fibra - já que um dos principais desafios do setor ainda é
produzir nanotubos de carbono em escala industrial.
A lista de possíveis aplicações tecnológicas permeia diversas áreas, como a
biomedicina, a robótica, o setor têxtil, energético, automotivo e aeroespacial.
As fibras, por exemplo, poderiam ser substitutos leves e resistentes para uma
série de sistemas mecânicos, rígidos e pesados, usados como "atuadores" em
veículos, aeronaves e robôs. Ou como base para tecidos e membranas inteligentes,
capazes de se adaptar automaticamente a mudanças nas condições do ambiente.
Há muito interesse também em aplicações militares, tanto que os dois
principais financiadores da pesquisa nos EUA foram a Força Aérea e a
Marinha.
Uma possibilidade tentadora, inspirada no nome do produto, seria desenvolver
enxertos capazes de recuperar - ou até substituir - músculos humanos de verdade,
para aplicações ortopédicas em vítimas de trauma ou doença. Lima, porém, diz que
isso não é possível por enquanto.
"O problema é que você precisa aquecer a fibra a temperaturas acima do
tolerável pelo organismo", diz. "Para uso em próteses robóticas, porém, é algo
totalmente viável."
O próximo desafio da equipe, segundo ele, é justamente desenvolver uma fibra
que não precise ser aquecida para funcionar - estimulada por vias químicas, por
exemplo - e com uma resistência mecânica ainda maior.
A brasileira Mônica de Andrade também assina o trabalho pelo Instituto de
Nanotecnologia da Universidade do Texas.
Fonte estadão
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