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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Um voluntário contra as desigualdades dos sorrisos

Foto: Edu Cesar
A chegada do terceiro filho mostrou a Paulo Mayon que
 o Brasil tem desigualdade de sorrisos
A chegada do terceiro filho mostrou a Paulo que lábio leporino é mais do que um ‘probleminha na boca’. Hoje ele organiza mutirões de cirurgias no País e no mundo
 
Um ‘problemão na boca’ que isola, impede o sorriso pleno, o desenvolvimento da fala e da audição, mina o convívio social e ainda reduz as chances de trabalho. Um ‘probleminha no lábio’ corrigido por uma cirurgia simples, de duração de 40 minutos, que deixa como resquício uma cicatriz singela logo abaixo do nariz.
 
Lábio leporino é o nome que antecede as duas descrições acima e afeta uma criança em cada 650 nascimentos, segundo os dados nacionais. O que determina quem faz parte do grupo “problemão” ou do “probleminha” é o acesso.
 
Com a chegada do terceiro filho, Paulo Mayon, 49 anos, engenheiro especializado em energia, conheceu os dois mundos dos portadores desta malformação congênita.
 
Bebês atendidos por médicos capacitados no tratamento deste problema da face, causado por motivos ainda não muito bem esclarecidos nas pesquisas científicas, convivem por seis meses com a cavidade bucal incompleta que faz a boca ficar constantemente aberta. Após o processo cirúrgico – complementado por sessões posteriores de fonoaudiologia – quase não sobram marcas e sequelas.
 
Já quem está em locais onde faltam bisturi, profissionais e técnicas cirúrgicas para a correção do lábio leporino pode passar a vida toda sem conseguir se alimentar direito, com vergonha e sem a sensação de beijar e sentir um sabor, entre outros impactos sociais e fisiológicos que vão muito além da estética.
 
Há cinco anos, Paulo Mayon resolveu fazer disso a sua causa. Está na coordenação de uma entidade que realiza mutirões de cirurgias reparadoras de lábio leporino gratuitas – no Brasil e no mundo. O tempo no cargo é o mesmo de vida de Pedro, o filho caçula do engenheiro.
 
O menino, apesar de fazer parte das estatísticas desta malformação facial, nunca teve problemas para mamar, gargalhar e se desenvolver plenamente (o garoto faz parte da turma do probleminha).
 
Na ONG Operação Sorriso, Mayon também ajudou a melhorar a vida de um senhor de 70 anos que só foi operado após sete décadas de solidão e sorrisos pela metade, sempre envergonhados (um dos exemplares do grupo ‘problemão’).
           
Mayon, no tempo livre, virou um voluntário para melhorar a igualdade dos sorrisos.
 
O começo
Em 2008, Paulo Mayon tinha poucas informações sobre o tal lábio leporino. Assim como a maior parte das pessoas, nas raras vezes em que ouvia falar sobre esta condição, não imaginava que um dia o problema bateria na sua porta. Até que, no quinto mês de gestação do caçula – o primeiro menino entre os filhos – veio o laudo do exame de ultrassom .
 
“Minha mulher estava grávida pela primeira vez, mas o Pedro era o meu terceiro filho. No exame de rotina para saber se estava tudo bem, o médico nos contou que a criança se desenvolvia com saúde mas nasceria com a fenda palatina (outro nome dado ao lábio leporino)”, lembra Mayon, hoje com 49 anos.
 
“Meu conhecimento sobre aquela situação era zero. Procurei informações na internet e também não tive muito sucesso. Nas pesquisas, o único direcionamento veio pelo site de uma ONG internacional que fazia mutirões cirúrgicos sobre o assunto”, lembra.
 
“Para minha surpresa, descobri que o ‘Smile’ (nome da ONG), que atuava com crianças carentes do mundo todo em locais sem centro especializados, tinha um braço brasileiro, a  Operação Sorriso.”
 
Foi por meio da Operação Sorriso brasileira que Paulo Mayon acessou informações importantes para que o lábio leporino do filho se tornasse, de fato, só uma alteraçãozinha na boca e não um problemão para a vida toda.
 
“Eles me indicaram médicos capacitados e alentaram que uma cirurgia iria corrigir o lábio do Pedro em pouco tempo após o nascimento. Mas até o procedimento cirúrgico, era preciso tomar alguns cuidados”, lembra ele.
 
Edu Cesar
Paulo Mayon teve como incentivo a experiência com o terceiro
 filho e hoje virou presidente da ONG Operação Sorriso
“Nos primeiros dias de vida, por exemplo, colocar um esparadrapo na fenda ajudaria meu filho a mamar no peito, sem a necessidade de ser entubado ou receber alimentação artificial. O mais curioso é que fui eu quem alertou o pessoal da maternidade sobre essas providências. Percebi que não só os pais não sabiam lidar com a fenda palatina, como faltavam informações aos profissionais de saúde em geral, dos serviços públicos e particulares.”
 
Conta de luz
As hipóteses para as causas do lábio leporino são influências genéticas e também deficiências nutricionais da mãe durante a gestação. Sabe-se que o ácido fólico é a suplementação mais indicada para a tentativa de prevenção, explicam os especialistas.
 
O número preciso dos que convivem com a cavidade bucal malformada é comprometido pela falta de registros. Paulo Mayon, por causa da Operação Sorriso, soube que existia uma demanda enorme de crianças que precisavam ser operadas. E a experiência pessoal mostrou ainda que a estatística da ONG provavelmente estava subestimada. Isso porque, o código “lábio leporino” só foi colocado na ficha médica de nascimento de Pedro após a insistência do pai.
 
“Na maternidade, disseram que, caso eu preferisse, não era necessário deixar isso escrito. Não entendia o motivo, para mim não era vergonha nenhuma e, imediatamente, decidi que queria fazer algo, ajudar quem não podia pagar médicos capacitados e mostrar que este é um problema que existe, é numeroso e tem solução.”
 
Mayon se cadastrou como voluntário da Operação Sorriso logo após a cirurgia realizada em Pedro ainda recém-nascido. Três semanas depois ajudava a organizar o primeiro mutirão de cirurgias da vida dele e o décimo da entidade.
 
O endereço escolhido foi o Rio de Janeiro, cidade onde ele morava na época (hoje está em São Paulo). Uma das primeiras contribuições do engenheiro voluntário – entre os mais de 5 mil médicos que também atuam no atendimento gratuito – foi de tentar uma parceria mais efetiva para convocar os pacientes em potencial. Ele aproveitou a proximidade com o setor elétrico e articulou a parceria para que a informação sobre o mutirão viesse na conta de luz.
 
“Todo mundo recebe esta carta em casa”, pensou.
 
A primeira Operação Sorriso de Paulo operou 800 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos. Na fila que se formou em frente ao hospital, ele viu de perto o que a falta de acesso a um procedimento simples pode provocar.
 
“Os médicos me contavam que algumas crianças, em especial do Norte e Nordeste, são abandonadas e até sacrificadas por existir o mito de que são amaldiçoadas. Vi adultos fracos, franzinos, que nem conseguiam andar, porque os músculos da face são importantes para gestos que nem imaginamos”, diz, emendando um exemplo: “Tente abrir uma garrafa, bem fechada, sem apertar os lábios. É quase impossível. Nossa força depende da boca”, pontuou.
 
“Encontrei mulheres que sonhavam dar um beijo, passar batom. Crianças que nem nos olhavam nos olhos por serem excluídas.”
 
Desde a primeira operação, em que organizou filas, carregou material e ouviu histórias, Paulo Mayon não parou mais. O envolvimento foi tanto que, em 2010, virou o presidente da Operação Sorriso no Brasil, mesmo não sendo médico. Para a ONG, reserva os horários pós-expediente e também os finais de semana, com ajuda do Skype – para reuniões – e da compressão familiar, que entende as ausências.

O engenheiro atua buscando patrocínio e doações para tentar ampliar o número de operados (que hoje somam 200 mil). Também quer aumentar a capacitação de médicos e profissionais de saúde que trabalham nos locais contemplados pelos mutirões.
 
“Depois que a gente vai embora, os pacientes precisam ser reavaliados e continuar o tratamento. Por isso, é importante deixá-los com assistência”, diz
 
Senha
A chegada do Pedro, avalia Mayon, foi a que lhe apresentou a realidade do lábio leporino do País. Mas, para a continuidade do trabalho, ele sempre cita como inspiração a postura de um senhor desconhecido de 70 anos, cujo nome ele não recorda.
 
“Antes, as cirurgias eram feitas por ordem de chegada. As senhas eram distribuídas logo cedo, a demanda era organizada e à tarde as operações começavam. No primeiro dia de mutirão, um senhor de 70 anos foi o primeiro da fila. Mas na hora de ser operado não o encontramos”, relata.
 
“A mesma coisa se repetiu no segundo e no terceiro dia. No quarto, penúltimo do mutirão, as voluntárias decidiram ficar atentas e não deixar o paciente escapar. Pensávamos que ele desistia, provavelmente, por estar com medo da cirurgia.”
 
“Pois bem. O dia começou e aquele senhor novamente, madrugou. Pegou a senha número um.
 
Quando se preparava para escapulir, foi abordado pela equipe. As enfermeiras perguntaram porque ele nunca aparecia e ele disse: ‘tenho 70 anos e sei a dificuldade que é carregar um rosto assim. Pego a senha, a primeira, e dou para uma criança com o lábio igual ao meu.”
 
O caso do idoso foi na Finlândia, lembra Mayon. E o senhor foi operado.
 
Fonte iG

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