Edu Cesar
Priscila Ferrari Resny e Camila de Lima Leal mergulham em
seriados e só param a maratona depois de chegar ao fim da temporada
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Elas são vizinhas e amigas de longa data. Quando se juntam na sexta-feira à noite, passam o fim de semana inteiro sem dormir, comendo besteiras e debulhando séries de TV. Não atendem telefonemas nem saem de casa. Nada de sol, parques, restaurantes, cinema ou baladas. Para se divertir, a publicitária Priscila Ferrari Resny, 24, e a professora de inglês Camila de Lima Leal, 22, varam noite e dia até terminarem todas as temporadas de seu seriado escolhido.
Elas não estão sozinhas no pequeno vício cotidiano. Basta olhar ao redor para testemunhar outra compulsão comum: os celulares, como mostra o curta-metragem “I Forgot my Phone” (Esqueci meu Telefone), que recentemente se tornou viral no Facebook. Produzido e protagonizado pela comediante Charlene deGuzman, o vídeo faz uma crítica a quem não consegue aproveitar a vida sem registrar tudo em seu smartphone (assista ao vídeo mais abaixo).
Na opinião de Aderbal Vieira Júnior, psiquiatra do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo ( Proad-Unifesp ), os chamados vícios de comportamento, como ter loucura por celular, dão vazão a uma tendência à dispersão própria do ser humano.
Se não houver abuso e exagero, este tipo de vício não complicará muito a vida do usuário. Ninguém precisa interromper o que está fazendo para tuitar ou responder um SMS. “Temos a mesma neurologia do nosso ancestral. Fomos preparados para a atenção flutuante, para poder detectar o predador que está atrás de nós. A tendência de se distrair é natural e foi muito útil ao longo da evolução do homem”, diz ele.
Não é como o vício em drogas, em que é preciso parar completamente de usar a substância que causa dependência. Quando a dependência é comportamental - sejam redes sociais, jogos, seriados ou compras - o viciado precisa aprender a ter moderação. Mas isso não significa que esta dependência seja inócua, pois também pode levar à perda de controle e a algum prejuízo na vida da pessoa.
“Vícios de comportamento podem destruir a vida do dependente”, afirma Dora Sampaio Góes, psicóloga do Grupo de Dependentes de Tecnologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. A pessoa não tem outra forma de enfrentar as dificuldades senão por estes meios. Então ela não faz mais nada, se isola, perde a vontade de viver e se deprime. “Trata-se de uma doença multicausal. E quanto menos se enfrenta essa dependência, maior ela se torna ”, Dora alerta.
Para Vieira Júnior, pequenos conflitos internos contra maus hábitos sempre existiram. Isso vale para um brigadeiro quando se está de dieta. O problema é que os pequenos vícios comportamentais que são baseados na tecnologia oferecem estímulo e recompensa imediatos. A facilidade de acesso e a aceitação social complicam o equilíbrio. “A dependência em jogos online, por exemplo, pode gerar um empobrecimento para a pessoa, que vai abrindo mão de outras atividades”, diz.
É o caso da publicitária Rafaela Castelo, 26, cuja vida social é prejudicada pelo vício em jogos como o Candy Crush. “Nunca gastei dinheiro comprando vidas, por exemplo. Mas esses dias deixei de ir a um aniversário porque não consegui parar de jogar ‘Glory of War’”, conta Rafaela, que inclusive já perdeu uma noite de sete em Nova York, durante suas férias, para assistir à final da série “Game of Thrones”. “Fiquei um pouco chateada porque o episódio não foi tão bom quanto eu esperava. Mas não me importei por ter perdido uma peça ou não ter saído para jantar”, diz.
O mesmo acontece frequentemente com Priscila. “Não acho que eu perca a vida em função das séries, mas já tive que cancelar programas e deixar de viajar por causa de seriado. Não ficarei pra sempre isolada, por isso acho que meu nível de vício ainda é saudável”, acredita a publicitária.
Em qualquer dependência, o efeito ocorre nos centros de recompensa. “Toda vez que se tem sucesso em uma tarefa, há uma recompensa dopamínica. A dopamina é um produto químico que negocia o prazer no cérebro. É assim que a mente funciona para continuar satisfeita e o viciado voltar a agir da mesma maneira, reforçando o que deu certo”, explica o
neurologista Benito Pereira Damasceno, do Departamento de Neurologia da
Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Enquanto tem sensações de prazer, nada o atrapalha, pois o usuário está vivendo uma lua de mel com seu vício. “O problema é a má consequência do uso. É então que ele busca o tratamento, ou é levado ao ambulatório pelos familiares”, assinala o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior. Tanto no Proad quanto no ambulatório do Hospital das Clínicas de São Paulo é feita uma triagem para identificar comorbidades, ou seja, perceber se há vícios combinados, como fobia social e dependência tecnológica. Quem tem problema de timidez pode achar que fazer amigos na internet resolva o problema. Mas isso não é verdade.
Amizades na internet não capacitam a pessoa a fazer amigos na vida real. Na opinião da psicóloga clínica de saúde mental Patrícia Gugliotta, é preciso incentivar outros tipos de intercâmbios para que os jovens construam relações reais, e não só virtuais. Se não puder recorrer à terapia de imediato, a primeira medida para tratar a dependência em qualquer tipo de vício, seja comportamental ou químico, é ter consciência de que ele é um problema. Também é um grande ganho parar de dar desculpas a si mesmo. “Com recursos próprios, a dica é negociar consigo mesmo, dar-se um puxão de orelha e mudar o mau hábito. Se não conseguir, peça ajuda”, aconselha Vieira Júnior.
iG
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