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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Mil e uma noites (e dias) na ambulância do SAMU

Há 20 anos na profissão, Claus Zeefried, médico do serviço móvel de urgência, coleciona catástrofes e emoções


Foto: Thinkstock Photos Ampliar
Adrenalina e emoção são fundamentais para o atendimento eficiente

Junte todos os desastres que você assiste diariamente na televisão. Atropelamento, esmagamento, acidentes com motociclistas, motoristas de carros, caminhão, ônibus, ciclistas. Acrescente também, atendimentos que não são tão expostos na vitrine do terror: partos emergenciais, infartos, fraturas graves por simples quedas, acidentes caseiros. O que na rotina da maioria das pessoas resulta em atraso, congestionamento e estresse, para os socorristas do SAMU, se traduz em ofício.

A população pode até ser seduzida pela morbidade das ruas. A curiosidade ou apreço pelo fatalismo, entretanto, não são os pré-requesitos necessários para transformar a enumeração acima em hábito e profissão.

O trabalho dos socorristas de plantão é carregado de emoção e comoção, diz Claus Zeefried, ortopedista e médico do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) de São Paulo há 20 anos, dos quais 12 foram dedicados exclusivamente às ruas.

O serviço, oferecido a população por meio do numero telefônico 192, é feito em parceria com o corpo de bombeiros desde 2002. Hoje, na cidade de São Paulo, são 170 profissionais, entre médicos de diversas especialidades, enfermeiros e motoristas.

O papel desses profissionais é imediatista e pontual: trabalham com a sobrevida – um braço-de-ferro eterno com a morte – na tentativa de, ao menos, permitir que os pacientes consigam chegar ao hospital para receber o atendimento necessário.

Mais de 70% dos atendimentos prestados por essas equipes não são relacionados ao espetáculo trágico do trânsito das grandes capitais. Acidentes súbitos, parada cardíaca e traumatismo craniano por queda são as ocorrências mais comuns.

Esperança

Em um dos rounds diários, Zeefried foi chamado para atender uma vítima de parada cardíaca em uma rua no bairro do Capão redondo, zona sul de São Paulo. A distância entre o posto de apoio, em perdizes, zona oeste da capital paulista, somada ao trânsito caótico, tão comum na cidade após as 17 horas, atrasou o atendimento. "O ideal é que consigamos prestar socorro em até 12 minutos."

Meia hora depois, ao chegar no local, o especialista foi informado por uma população curiosa (e revoltada com a lentidão do serviço), que o rapaz já estava morto. Ao aproximar-se da vítima, quase foi convencido do diagnóstico anunciado pelos populares.

“Ele estava jogado em uma rua do Capão Redondo. A população nos recebeu com certo descrédito pela demora. Quando fui avaliar, ele estava realmente com frequência cardíaca baixíssima, agonizando, frio, pálido, parecia um morto.”

Mesmo na contramão do tempo, ao realizar o exame clínico, o medico constatou o coma. O hálito forte do rapaz permitiu a análise certeira: overdose alcoólica.

“Se eu demorasse um pouco mais ele teria morrido. Com medicação rápida, glicose, soro e aquecimento, em menos de 10 minutos ele estava acordado e falando comigo. A população achou que eu tinha ressuscitado o rapaz e fomos aplaudidos.”

Na corda bamba também vivem as emoções dos socorristas. Salvar a vida de um rapaz alcoolizado ou realizar um parto dentro da própria ambulância são atividades diárias de atendimento básico que potencializam o lado heróico da profissão. Lidar com a morte, entretanto, não é – e jamais pode ser – uma realidade habitual, conta o agora coordenador do curso de capacitação de novos socorristas.

“É difícil não sentir nada. O médico sempre fica emocionado com as coisas que faz. Tenho 31 anos de formado, 55 anos de idade, 20 dedicados ao SAMU. Quando perco vítimas e quando as recupero, a comoção é incontrolável. Essa adrenalina é fundamental para atuar da melhor forma possível.”

Morte X vida

Resgatar as tragédias mais marcantes requer um esforço de memória e uma boa dose de controle emocional. Zeefried revela que sua primeira morte inesquecível ocorreu em 1999. "Uma senhora de idade tinha sofrido uma parada cardíaca durante a madrugada, na cozinha da residência, em Pirituba. Nesse período, o deslocamento é muito ágil, é sempre melhor atender. Eu adorava trabalhar na madrugada porque ela nos dá uma boa condição para salvar.”

Ao chegar ao local, a equipe investiu mais de 40 minutos na tentativa de salvar a mulher. Não adiantou.
“Quando fui avisar a família de que a mulher tinha morrido, a filha dela caiu de joelhos na minha frente e implorava pra que eu fizesse a mãe dela voltar e não desistir. Foi muito difícil. Marcou muito, não pude fazer nada.”

A lista de pessoas resgatadas e histórias vividas é vasta, emocionante e incompatível com a capacidade de memorização. No talvez trágico, mas experiente currículo, entretanto, há um item não preenchido. O socorrista confessa que nunca realizou um parto no serviço de emergência.

“Já atendi muitas mulheres parindo, mas sempre deu tempo de chegar ao hospital. Tenho muita vontade de fazer, mas a condição não é ideal.”

Fonte IG

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