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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Geneticista brasileira fala sobre o uso das células-tronco para salvar vidas

Lygia da Veiga é professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP)


Responsável por colocar o Brasil no seleto grupo de países que dominam a tecnologia de extração e multiplicação de células-tronco retiradas de embriões congelados, a cientista carioca Lygia da Veiga lotou o Salão de Atos da UFRGS na noite de ontem, na quinta conferência do Fronteiras do Pensamento.

À vontade para falar do tema que domina como poucos, Lygia abordou as perspectivas do uso das células-tronco para o uso terapêutico e para salvar vidas, a sua vocação para ser cientista e os dilemas éticos que permeiam o conhecimento genético, entre outros temas.

Conhecida pela didática, Lygia é professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e autora dos livros Sequenciaram o Genoma Humano, e Agora? e Clonagem: Fatos e Mitos. Durante a tarde, antes da palestra, a geneticista falou a Zero Hora sobre o universo de sua profissão, que exerce há mais de duas décadas

O Fronteiras do Pensamento é apresentado pela Braskem e tem o patrocínio de Unimed Porto Alegre, Natura, Gerdau e Grupo RBS. Parceria cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e prefeitura de Porto Alegre, módulo educacional Refap e apoio Anhanguera Educacional.

Confira a entrevista completa com a geneticista Lygia da Veiga:
:: Hoje se fala muito em células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. Há, inclusive, diversas clínicas fazendo propaganda do congelamento do cordão umbilical, por exemplo. Afinal, vale a pena esse investimento?Lygia da Veiga – É uma pena, porque tem dois extremos: certos bancos de cordão privados, que oferecem o serviço de congelar o cordão, que fazem uma propaganda muito agressiva, e muito sensacionalista, e exploram um momento vulnerável, que é o momento do parto. Em São Paulo, tinha um deles que achacava a mulher em trabalho de parto. Isso é o fim do mundo. Por outro lado, e talvez em reação a este grupo, há os xiitas, dos bancos públicos, que dizem que bancos privados são uma besteira e que não servem para nada. Nenhum dos extremos é transparente e é correto.

:: Por quê?Lygia – Porque o sangue do cordão, são células que funcionam como a medula óssea. Quando uma pessoa precisa de um transplante, ela vai recorrer a bancos de doadores de medula ou a bancos de sangue de cordão, para ver se acha algum compatível. Quando se percebeu isso, as pessoas passaram a se interessar em congelar o cordão no momento do nascimento, pois a probabilidade de ser compatível com um irmão, ou com o dele, é de 100%. A questão é que essas células servem para doenças muito raras, como leucemia, alguns tipos de câncer. Se você não tem histórico familiar, as chances de você precisar são baixas. Mas é muito diferente de zero, de que não serve para nada. É uma questão muito pessoal, que vai valer do histórico familiar, do seu nível de paranoia, da sua situação financeira. Esses dois extremos não são nada transparentes. No Brasil, há essa dicotomia: o público e o privado, o bem e o mal.

:: Há um universo de pesquisas e de descobertas sendo divulgadas a respeito de células-tronco, assim como na decodificação do genoma humano. O quanto a gente está distante da utilização destas descobertas em seres humanos, no consultório médico?Lygia – Desde que foi decodificado o genoma humano, em 2001, muita coisa foi revista. Na época, previam que em 10 anos, estaríamos fazendo e acontecendo. O caminho do laboratório para o consultório médico está sendo muito mais longo. Sempre há uma divulgação mais otimista. Com as células-tronco, acontece um pouco isso: as pessoas têm uma expectativa enorme, porque elas aparecem como uma alternativa terapêutica para coisas que a gente não tem o que fazer: uma lesão de medula óssea, doenças degenerativas, mal de Parkinson... elas acenam com essa promessa de sermos como carros, que a gente vai trocando as peças velhas. Seu pâncreas parou de funcionar e você tem diabetes? Bem, vou fazer células que produzam insulina e ponho para você de volta. E é nessa promessa que os pesquisadores trabalham. Mas isso não é uma realidade ainda. Por enquanto, o único tratamento com células-tronco que seu médico pode receitar é transplante de medula óssea para essas doenças do sangue. Todo o resto é experimental.

:: O que já está sendo experimentado em seres humanos?Lygia – Doenças cardíacas, alguns tipos de diabetes, derrames, enfisema pulmonar: tem muitas coisas acontecendo nesta área. Porém, são testes clínicos, são experimentos. Mas eles só estão acontecendo porque deram certo com animais. Bom o suficiente para testar em humanos. No mínimo, eles foram seguros. Mas muita coisa chega aqui e não vira tratamento.

:: E para ser cientista hoje no Brasil? É uma área promissora?Lygia – Tem que ser guerreiro para ser cientista no Brasil. O que nos move é a curiosidade. Porém, as condições que dão para os cientistas no Brasil estão longe de ser adequadas. Há um desperdício de recursos humanos, de gente inteligente e empolgada. Porque há uma infraestrutura administrativa ineficiente, incapaz de fazer você pensar só em ciência.

Fonte Zero Hora

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