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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Do chimpanzé para o homem: os caminhos da Aids

Em livro publicado em outubro deste ano, médico recupera a história do vírus

Nossa história começa ao redor de 1921, em algum lugar entre o rio Sanaga, em Camarões, e o rio Congo, no antigo Congo Belga. Ela envolve chimpanzés e macacos, caçadores e açougueiros, "mulheres livres" e prostitutas, seringas e vendedores de plasma, legisladores coloniais malvados e médicos coloniais decentes com as melhores intenções. E um vírus que, apesar dos obstáculos, conseguiu ser transmitido de um símio na selva da África central para um burocrata haitiano que ia do Zaire para o seu país natal, e depois para algumas dezenas de homens que frequentavam bares gays, antes mesmo de ser notado — cerca de 60 anos após o início de sua jornada.

A maioria dos livros sobre Aids começou a ser publicada em 1981, quando homens gays americanos começaram a morrer em decorrência de uma pneumonia rara. Em The Origins of AIDS, publicado recentemente pela Cambridge University Press, o Dr. Jacques Pepin, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Sherbrooke, em Quebec, realiza um feito memorável.

Pepin passa uma peneira na enxurrada de artigos científicos sobre Aids, acrescenta sua própria experiência em epidemiologia, suas próprias observações do tratamento de pacientes num hospital, seus estudos do sangue de anciãos africanos, e anos de investigação nos arquivos das potências coloniais europeias. Ele também desenvolve o caminho mais provável percorrido pelo vírus durante os anos em que quase não deixou rastros.

Trabalhando com dados a partir de 1900, ele explica como as políticas coloniais da Bélgica e da França levaram a um evento incrivelmente improvável: um frágil vírus que infectou uma pequena minoria dos chimpanzés entrou no sangue de alguns caçadores. Um deles colocou o vírus numa cadeia de "amplificadores" — campanhas de erradicação de doenças, bairros da luz vermelha, um centro de plasma haitiano e o turismo sexual gay. Sem esses amplificadores, o vírus não se tornaria o que é hoje: um peregrino sombrio no alto de uma montanha de 62 milhões de vítimas, mortas e vivas.

No começo da década de 1980, Pepin era um médico jovem que combatia uma epidemia de doença do sono num hospital em Nioki, no que antes se conhecia por Congo Belga, depois Zaire, e que hoje é a República Democrática do Congo. O vírus na época era desconhecido na África, mas seu trabalho lhe deu dicas que mais tarde o ajudariam a rastreá-lo.

Em 2005, Pepin iniciou estudos de campo. Ao coletar amostras de sangue de africanos de 55 anos ou mais, ele mostrou que aqueles que tinham recebido muitas injeções na juventude ou tinham passado por um ritual de circuncisão, no qual muitos garotos eram cortados com a mesma lâmina, muitas vezes tinham anticorpos para hepatite C ou HTLV, um vírus pouco conhecido que, assim como o HIV-1, vem dos chimpanzés e infecta as células CD4 do sistema imunológico, mas não é prejudicial. Essa era uma evidência de que o sangue e a seringa espalham outros vírus.

Amostras de sangue e tecido armazenadas em congeladores em hospitais africanos e europeus que tratam de africanos — algumas datando da década de 1950 — formam um mapa dos subtipos virais da Aids, que é surpreendentemente complexo. Por exemplo, sul-africanos brancos e negros possuem subtipos diferentes.

— Poucos homossexuais africâneres fazem sexo com zulus heterossexuais — nota Pepin.

O subtipo dos brancos é mais comum entre gays europeus e homens americanos; o subtipo mais comum entre os negros veio através do Zâmbia.

O vírus símio de imunodeficiência, que infecta macacos, é mapeado de forma similar; ele foi encontrado pela primeira vez em zoológicos, mas hoje é monitorado por equipes em selvas que extraem DNA de fezes.

O ancestral da Aids está em uma subespécie de chimpanzé, Pan troglodytes, que naturalmente vive apenas entre os rios Sanaga e Congo (os chimpanzés não sabem nadar). É uma mistura de vírus símios de mangabeys e guenons de bigode, pequenos macacos que os chimpanzés caçam e comem.

Em arquivos coloniais em Paris, Marselha, Bruxelas, Lisboa e Londres, Pepin investigou antigos registros de clínicas onde, a partir de 1909, prostitutas africanas deveriam comparecer para inspeções de doenças venéreas. Ele pesquisou em pilhas de jornas, como o Voix du Congolais, que escreveu extensivamente sobre poligamia e prostituição, e se debruçou sobre estudos de etnógrafos europeus (seu francês fluente foi crucial, obviamente).

Em resumo, seu relato da jornada épica é este:Na natureza, apenas 6% dos chimpanzés trogloditas são infectados. Dentro de um grupo, cada fêmea acasala com muitos machos, mas o acasalamento com animais de fora é raro. Assim, a maioria dos grupos fica intocada, enquanto alguns estão fortemente infectados.

Os quatro grupos genéticos do HIV-1, M, N, O e P, mostram que o salto do chimpanzé para o homem aconteceu pelo menos quatro vezes na história. Mas o grupo M corresponde a mais de 99 por cento de todos os casos.

Por que apenas um se espalhou? Datações moleculares mostram que o M chegou até os humanos em algum momento ao redor de 1921. Os chimpanzés são grandes e ágeis demais para serem caçados sem armas de fogo, que até o século 20 estavam quase inteiramente nas mãos dos brancos.

Usando dados dos censos nas colônias, pesquisas sobre como os caçadores modernos abatem animais, e índices de infecção entre enfermeiras picadas por agulhas sujas, Pepin calcula que, no começo do século 20, pode ter havido contato de sangue com sangue entre, no máximo, 1.350 caçadores e chimpanzés trogloditas. Apenas 6% dos chimpanzés — cerca de 80 — poderiam estar infectados, e menos de 4% dos caçadores feridos provavelmente poderiam ter se infectado. Isso sugeriria apenas três caçadores infectados, no máximo.

Devido à ineficiência da maioria dos contágios sexuais — em alguns casos, marido e mulher podem fazer sexo por meses sem a transmissão —, apenas o sexo não permitiria que os três caçadores, ou mesmo uma dezena, passassem seu vírus para os milhões de pessoas, ele argumenta. Deve ter havido um amplificador.

Estudos com viciados em heroína — ele cita exemplos da Itália, Nova York, Edimburgo e Bangcoc — mostram que o contagio pelo sangue é dez vezes mais eficiente que o sexual.

Na década de 1920, seringas de vidro produzidas por máquinas substituíram as caras seringas produzidas manualmente, e os belgas e franceses atacaram muitas doenças em suas colônias, tanto por paternalismo quanto para criar imunidade em massa para proteger os bancos. Os pacientes podiam receber até 300 injeções ao longo da vida. Outras doenças se espalharam dessa forma; uma campanha contra a esquistossomose no Egito terminou em 1980 depois de transmitir hepatite C a mais da metade de seus "beneficiários".

Assim, a infecção do grupo M de um caçador pode ter se transformado em dezenas. Aí o foco de Pepin se desloca para as cidades irmãs de lados distintos do Congo: Leopoldville (hoje Kinshasa) no lado belga, Brazzaville no lado francês. Elas são um berço epidêmico; a diversidade viral é maior nesses lugares. Além disso, a primeira amostra de sangue positiva foi encontrada ali, em 1959.

Na década de 1960, tudo mudou. A Segunda Guerra tinha inchado as duas cidades, que forneciam matéria-prima que os aliados perderam quando o Japão conquistou colônias asiáticas. Então, quando os brancos fugiram do caos da independência, a economia entrou em colapso. A pobreza era gritante.

Dezenas de bares-bordéis chamados "flamingos" se espalharam, a concorrência obrigou mulheres desesperadas a fazer sexo com até mil clientes por ano, e o tratamento de doenças venéreas secou. Deve ter havido uma explosão viral como aquela ocorrida 20 anos mais tarde num estudo envolvendo um grupo de prostitutas em Nairóbi: em 1981, 5% delas tinham o vírus; três anos depois, eram 82%.

O próximo elo da cadeia foi o Haiti. Como os belgas brancos jamais treinaram uma elite africana, apenas cerca de 30% dos congoleses não pertencentes ao clero tinham diploma universitário na época da independência.

Para preencher essa lacuna, as Nações Unidas contrataram burocratas e professores de fora. Cerca de 4,5 mil haitianos atenderam ao chamado; eles eram negros, instruídos, falavam francês e estavam dispostos a ganhar mais em seu país.

Cálculos de Pepin ficam um pouco mais especulativos O grupo M do HIV-1, por sua vez, se dividiu em subgrupos de A a K. A epidemia do Haiti, como a da América do Norte e da Europa Ocidental, é quase toda do subgrupo B. Mas esse subgrupo é tão raro na África central que causa menos de 1% dos casos.

Isso sugere que a Aids tenha cruzado o Atlântico com apenas um haitiano. Datações moleculares indicam que ela chegou ao Haiti aproximadamente em 1966.

Mais uma vez, Pepin argumenta que a rápida expansão apenas através do sexo é matematicamente impossível e que deve ter havido um amplificador. Ele acredita que o culpado foi um centro de plasma de Porto Príncipe chamado Hemo-Caribbean, que operou apenas de 1971 a 1972 e era conhecido por seus baixos padrões de higiene.

Os centros de plasma pegam o sangue, o fazem girar e devolvem as células vermelhas. Se um novo tubo não for usado para cada paciente, a infecção se espalha. Operações negligentes em centros de plasma causaram surtos de HIV no México, na Espanha e na Índia e, mais notavelmente, na China rural, onde 250 mil pessoas foram infectadas.

Um dos donos da Hemo-Caribbean era Luckner Cambronne, líder da temida polícia secreta Tontons Macoutes. Apelidado de "Vampiro do Caribe", Cambronne, que morreu no ano 2000, coletava o sangue de 6 mil pessoas que recebiam 3 dólares por dia, e exportava 6.057 litros de plasma para os Estados Unidos todo mês, segundo um artigo do The New York Times.

O Haiti também foi um grande destino do turismo gay para americanos. O guia de viagem Spartacus descrevia os valores que os jovens de lá esperavam receber. No começo dos 1980, o subgrupo B matava homossexuais americanos e hemofílicos, sugerindo que a doença chegou por ambas as rotas. E aí começou a história moderna da Aids.

Fonte Zero Hora

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