Publicação orienta médicos, mercado e sistema legal sobre o normal e o patológico
Poucas crianças terão o diagnóstico de transtorno bipolar. Transtorno do comer compulsivo e hipersexualidade podem se tornar classificações comuns para adultos. E a maneira como transtornos mentais são diagnosticados e tratados deve ser revisada.
Estas são algumas das mudanças propostas nesta terça-feira por médicos encarregados de revisarem a enciclopédia de transtornos mentais, o guia que orienta médicos e determina qual a linha que separa normal e anormal, excêntrico e doente, autoindulgência e autodestruição – e, por extensão, quando e como um paciente deve ser tratado.
A tão esperada revisão – que será publicada, se adotada, na quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatísticas de Transtornos Mentais, em 2013 – é a primeira em uma década. Durante meses, ela foi assunto de intensa especulação e lobby por grupos de defesa. Algumas das proposições já haviam sido amplamente discutidas – inclusive a inclusão da síndrome de Asperger em uma categoria mais ampla, como sendo um espectro do autismo. Outras, incluindo uma proposta alternativa para o transtorno bipolar em muitas crianças, foram reveladas nesta terça-feira. Especialistas disseram que as recomendações, postadas no site do manual (DSM5.org) e abertas para discussão pública, podem trazer mudanças em várias áreas.
“Qualquer coisa que você coloque em um livro, qualquer modificação que faça, tem grandes implicações não somente na psiquiatria, mas também no mercado farmacêutico, nas pesquisas, no sistema legal, em quem é considerado normal ou não, e em quem é considerado incapacitado”, diz Michael First, professor de psiquiatria da Universidade de Columbia (EUA), que editou a quarta – e até agora mais recente – edição do manual, mas não está envolvido na quinta. “E tem grandes implicações em relação ao estigma”, continuou First, “porque quanto mais problemas você coloca no livro, mais pessoas são rotuladas e maior é o risco de que alguém tenha um tratamento inadequado”.
Uma mudança significativa, apontam especialistas, seria adicionar um transtorno infantil chamado transtorno do temperamento irregular à disforia – uma mudança repentina e transitória do estado de ânimo. Essa recomendação cresceu por conta do crescente número de crianças altamente agressivas e irritáveis que foram diagnosticadas com transtorno bipolar e na verdade não tinham a doença. O diagnóstico equivocado faz com que muitas delas tomem drogas antipsicóticas potentes, cheias de efeitos colaterais, incluindo mudanças metabólicas.
“O tratamento do transtorno bipolar é médico,” afirma Jack McClellan, psiquiatra na Universidade de Washington, que não está trabalhando no manual. “Se essas crianças têm transtornos de comportamento, então o tratamento comportamental deve ser considerado o primeiro tratamento”.
Em relação à decisão da Associação Americana de Psiquiatria, que publica o manual, os médicos têm, como era de se esperar, diferentes opiniões. Alguns se sentem aliviados com o fato de que a força tarefa trabalhando na publicação – ela inclui neurologistas e psicólogos, assim como psiquiatras – esteja revisando a versão anterior em vez de tentar reescrevê-la. Outros criticam os autores, dizendo que faltam bases científicas rigorosas em muitos diagnósticos inclusos no manual.
A boa notícia, segundo Edward Shorter, historiador da psiquiatria e notório crítico do manual, é que a maioria dos pacientes será poupada de confusões com mudanças de diagnósticos. Mas a má notícia, ele acrescenta, “é que o status científico de muitas doenças nas edições anteriores do manual é frágil”.
Nesta terça os médicos Darrel Regier, David Kupfer, e outros membros da força tarefa esboçaram suas mudanças prioritárias. O grupo favoreceu mudanças semânticas que alguns psiquiatras discutiram por muito tempo, como trocar o termo “retardado mental” por “incapacitado intelectualmente”, por exemplo, e “abuso de substâncias” por “vício”.
O painel também propôs a inclusão de diversos transtornos com alta probabilidade de entrarem para o vernáculo pop. Um deles, uma nova descrição de viciado em sexo, é a “hipersexualidade” – quando “uma grande parte de tempo é consumido por fantasias sexuais e desejos; em planejar e em se engajar em comportamentos sexuais”. Outro é o transtorno do comer compulsivo, caracterizado pelo consumo rápido e exagerado de grandes quantidades de comida, até o desconforto, acompanhado de forte sentimento de culpa.
Fonte iG
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