É comum acompanharmos no noticiário a manifestação da vontade de pessoas que, em perfeito estado de consciência mental ou mesmo quando representadas por outrem, imploram que lhes seja permitido o exercício da autonomia para morrer.
Em casos como o da americana Terri Schiavo (1963-2005), foi necessária a reconstrução judicial da vontade porque ela era incapaz de expressar quaisquer contatos, cognitivos ou emotivos.
Sua sobrevivência estava assegurada pela alimentação e pela hidratação artificial por sonda.
Terri poderia ter feito seu "testamento vital". A experiência americana é avançada, e isso é comprovado pelo texto normativo intitulado "Patient Self-Determination Act" (PSDA, ou Ato de Autodeterminação do Paciente), que entrou em vigor em 1º de dezembro de 1991.
O PSDA reconheceu a autonomia privada do paciente, inclusive para recusar tratamento médico. Os centros de saúde, quando da admissão do paciente, registram as objeções dele a tratamentos em caso de incapacidade de exercício da própria autonomia. São as chamadas "advance directives".
A justificativa para o aparecimento dessas "diretivas antecipadas de vontade" era a limitação da intervenção médica não curativa a certas situações terminais ou de inconsciência irreversível.
Hoje, as diretivas têm a função de dar ao paciente o poder de recusar tratamentos e de escolher, dentre aqueles possíveis, o que lhe convém.
Esse instrumento serve para a manifestação de vontade para o futuro, em caso de estado de inconsciência.
Incipiente
No Brasil, o tema ainda é incipiente, ao contrário de países como França, Espanha e, recentemente, Portugal.
Não há legislação sobre a questão. O que existe são as resoluções do Conselho Federal de Medicina, a nº 1.805, de novembro de 2006, que regulamentou a suspensão de procedimentos que prolonguem a vida do doente terminal e, agora, a nº 1.995, com critérios para os limites terapêuticos na fase final.
Contudo, a resolução não cria o direito, mas regula o exercício da profissão. Uma possível recusa do médico no cumprimento das determinações do paciente não gerará ilícitos penal e civil, mas apenas sanção de natureza ética.
Mesmo assim, na esteira do que vem ocorrendo no mundo, é bem possível defender juridicamente a validade das diretivas como manifestação escrita, feita por pessoa capaz que, de maneira livre e consciente, determina suas opções e seus desejos, que devem ser respeitados. E, sendo uma manifestação de vontade livre, ela poderá ser revogada a qualquer tempo.
MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ é doutora em direito constitucional pela UFMG, coautora do livro "Autonomia para Morrer: Eutanásia, Suicídio Assistido e Diretivas Antecipadas de Vontade" e professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Fonte Folhaonline
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