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Maurice Beghetti acredita que o grande desafio é a
cura da hipertensão arterial pulmonar
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No começo dos anos 1990, o então recém-formado cardiologista pediátrico suíço Maurice Beghetti ouviu de um chefe um mau prognóstico para a carreira que se iniciava, no estudo de hipertensão arterial pulmonar (HAP) em crianças.
“Você está se especializando em uma área onde todos os pacientes morrem e não há nada que se possa fazer, porque não há tratamento. Vai ser muito difícil fazer uma carreira acadêmica em uma área onde não há evolução.”
O jovem Beghetti reconheceu as dificuldades, mas recusou a sugestão do chefe para abandonar os estudos sobre HAP.
“Nessa época e por muitos anos, realmente não havia nenhum medicamento, não havia nada”, conta.
De “doença órfã”, sem profissionais interessados ou remédios eficazes, tornou-se um campo produtivo, com remédios e indústria farmacêutica investindo, e é hoje estudada por muitos. Entretanto ainda não existe cura para a HAP, apenas tratamento.
Beghetti é atualmente um dos maiores especialistas do mundo na área de cardiopatia congênita. Ele esteve recentemente no Brasil como convidado especial do 22º Congresso Brasileiro de Cardiologia Pediátrica, ocasião em que concedeu uma entrevista exclusiva ao iG Saúde.
A hipertensão arterial pulmonar é uma doença crônica rara, incapacitante, potencialmente fatal e ainda pouco conhecida, mesmo entre os médicos. A HAP estreita os vasos sanguíneos do pulmão e dificulta a respiração, causando cansaço mesmo com um leve esforço. ela pode ser causada por fatores genéticos, problemas cardíacos congênitos e doenças, como a esquistossomose.
Na especialidade de Maurice Beghetti, casos descobertos logo após o nascimento – ou mesmo no útero, em centros desenvolvidos, como na Suíça –, podem levar a cirurgias corretivas, com o bebê ainda tendo poucas semanas ou meses de vida.
Em situações graves, apenas transplantes, duplos (de coração e pulmão) ou de pulmões podem salvar o paciente. Um recurso que impõe aos médicos um dilema ético, pois muitos doentes têm poucas chances de sobrevivência e a fila de espera para transplantes são longas.
Beghetti considera que o grande desafio atualmente é a busca de um tratamento que cure a HAP. Enquanto isso não ocorre, ele reforça a importância do diagnóstico precoce para os casos congênitos e a criação de mais centros de tratamento multidisciplinares especializados na doença. Veja a seguir a entrevista.
iG: Quais são os principais desafios mundiais da HAP?
Maurice Beghetti: O maior problema é que não existe uma cura para a doença. Melhoramos a sobrevivência, o cuidado, mas não há cura real. Precisamos encontrar um remédio, e acho que isso também ocorrerá à medida que aumentarmos o conhecimento sobre a doença.
iG: É possível desenvolver uma droga que cure a doença?
Beghetti: Isso aconteceu em outras doenças, então, um dia, espero que sim. Pode ser que eu fique sem trabalho, mas tudo bem, porque os pacientes estarão bem. Acho que esse é o grande desafio hoje.
iG: A HAP congênita se inicia com a vida. Como os pais podem desconfiar de que os filhos têm a doença? Há sintomas claros?
Beghetti: Em cardiologia pediátrica, há dois ou três sintomas muito claros: cianose (extremidades arroxeadas); o bebê respirar muito rápido, com dificuldade para mamar. Não se alimentar bem nem ganhar peso e altura.
iG: Para alguns casos graves de hipertensão arterial pulmonar o transplante duplo de coração e pulmão é mesmo a única solução?
Beghetti: No caso de hipertensão pulmonar idiopática (sem causa definida), apenas transplante dos dois pulmões adianta. Mas depende da experiência dos centros. Alguns preferem fazer coração e pulmão e outros fazem duplo de pulmões.
iG: Alguns centros internacionais e mesmo brasileiros optam por não fazer transplantes de pacientes com Eisenmenger (um tipo grave de HAP) porque consideram que a taxa de sobrevida não justifica o uso dos órgãos doados, também raros. É um dilema ético, não?
Beghetti: Também estamos discutindo isso na Suíça. É principalmente uma decisão ética. Precisamos ter todos os dados científicos, mas no fim, é muito difícil para um médico tomar essa decisão. É uma escolha de vida ou morte. E não somos deuses, somos apenas médicos. É necessário haver uma discussão científica aprofundada, um debate ético e então decidir, com cuidado, se isso será uma regra geral – sem analisar especificamente cada caso – ou se a regra será decidir caso a caso, o que também é complexo.
iG: Se a opção for por não transplantar, quem tiver essa condição, em última instância, irá morrer?
Beghetti: Sim. Mas se precisar tomar uma decisão caso a caso também será difícil. Por que este e não aquele? Há muitas implicações éticas. Essas decisões devem ser adotadas com base em dados científicos muito sólidos. Porque se você faz algo e todos os pacientes morrem, por fim, não importa o que você faça. Eu concordo: com a escassez de doadores de órgãos, é algo que precisamos levar em consideração.
iG: A escassez de órgãos é uma realidade no mundo todo?
Beghetti: É um grande problema, na Suíça também. Há uma grande campanha para tentar promover doações, há sempre mais pessoas para receber do que doadores. Imagino que haverá, ao longo do tempo, técnicas para substituir os transplantes. Veremos. Há 20 anos, não havia muito, por exemplo, e a tecnologia cresce exponencialmente.
Fonte iG
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