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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Atleta faz ultramaratonas após cirurgia que removeu parte de seu cérebro

Diane van Deren, 53, em provas de resistência; ela sofreu uma cirurgia no cérebro porque sofria de epilepsia
The North Face/Divulgação
Diane van Deren, 53, em provas de resistência; ela sofreu uma
cirurgia no cérebro porque sofria de epilepsia
Diane van Deren, 53, foi submetida, em 1997, a uma cirurgia em que foi retirado do seu cérebro material do tamanho de um kiwi, por causa de crises de epilepsia. Desde então, não sofreu novas convulsões, mas tem lapsos de memória e problemas no senso de direção. Casada, mãe de três filhos, ela vive no Colorado (EUA). Corredora e palestrante, faz provas de ultrarresistência. No mês que vem, participa de uma corrida de 80 km no Chile.
 
Estava com minha mãe, no carro. Lembro que me senti meio estranha e é só: acordei no pronto-socorro. Minha mãe pensou que fosse um ataque cardíaco. Passamos por médicos e mais médicos. Vários disseram que o apagão fora por causa de minha gravidez e dos hormônios.
 
Só mais tarde descobrimos que eram ataques epilépticos. O primeiro aconteceu quando eu era bebê: uma febre muito alta provocou convulsões. Isso é muito comum em bebês, descobri depois.
 
O meu foi aos 16 meses de idade. Passou, acabou. Então, 24 anos mais tarde, do nada, kabum!: outra convulsão. Já estava casada, tinha dois filhos e estava grávida de duas semanas de meu terceiro filho. Dava aulas de tênis e estava em boa forma.
 
Afinal, tinha vivido até então uma vida de esportista.
 
Nasci em Omaha, Nebraska, em 1960. Pequena ainda me mudei para o Colorado: minha mãe cuidava de casa, meu pai tocava os negócios da família, uma metalúrgica.
 
Eu sabia que havia alguma coisa diferente comigo. Gostava de jogar futebol e beisebol, correr, brincar com os meninos. Uma vez, quando tinha oito ou nove anos, perguntei ao meu pai: "O que há comigo? Posso chutar mais forte e correr mais rápido do que as outras meninas". Ele me disse: "É o seu dom, e você deve usá-lo".
 
Minhas primeiras partidas de tênis foram aos 13 anos. No primeiro torneio, cheguei à final. Quatro anos depois, entrei no circuito profissional. Aprendi a ter disciplina, direcionamento, coisas que ainda hoje norteiam minha vida. Graças ao tênis, ganhei uma bolsa em uma universidade.
 
Na faculdade, uma amiga que estava treinando para uma maratona me convidou para correr. Corri e ganhei. Tinha uns 22 anos, acho, e a prova foi em alguma cidade do Texas, não me lembro direito qual --essa é uma das consequências de não ter um pedaço do cérebro.
 
Da corrida para o triatlo, foi um pulo. Comecei a treinar para um Ironman (3.800 m de natação, 180 km de bicicleta e 42,195 km de corrida). Foi quando conheci meu marido. Logo nos casamos --estamos juntos há 30 anos.
 
As convulsões mudaram minha vida. Vivia com medo. Ninguém sabia o que podia acontecer da próxima vez.
 
Muitas vezes, eu percebia quando um ataque ia acontecer. Era uma espécie de premonição, questão de segundos, então"¦ kabum! Um dia, estava andando com meus cachorros quando tive esse aviso. Fiquei tão apavorada que larguei tudo e comecei a correr o mais rápido que eu podia para chegar em casa.
 
Cheguei, e a convulsão não veio. Foi quando descobri que a corrida me ajudava a evitar os ataques. Mas nem sempre era possível correr, nem sempre era possível controlar. Os remédios não funcionavam. Foi um sofrimento por dez anos a fio, até a cirurgia.
 
Uma tomografia tinha identificado uma área danificada no cérebro, uma espécie de cicatriz, sequela da convulsão que tive quando bebê. Os médicos disseram que, talvez, se removessem aqueles tecidos, as convulsões parassem.
 
Aceitei na hora. Os ataques tinham ficado piores. Eu estava cansada, queria ser mulher, mãe, atleta.
 
A cirurgia foi em 1997. Meu marido e minha mãe estavam comigo, no hospital, quando senti que um ataque estava vindo. Foi forte. Quando voltei a mim, minha mãe estava chorando. Eu lhe disse: "Talvez esse tenha sido o último".
 
E foi, até agora. Tiraram de meu cérebro material do tamanho de um kiwi. Nunca mais tomei remédios e há mais de dez anos não tenho convulsões.
 
Voltei a correr e, em 2002, comecei a participar de ultramaratonas. Eu me sinto maravilhosa quando corro porque eu não tenho mais medo do desconhecido.
 
Faço provas de 100 milhas (160 km), 200 milhas (320) e até corridas mais longas --fui a primeira mulher em uma prova de 430 milhas (cerca de 690 km) em trilhas geladas no Canadá.
 
A corrida de que mais gostei não foi uma competição, mas um desafio pessoal, no ano passado. Fiz uma trilha de 1.600 km das montanhas ao mar, na Carolina do Norte. Completei em 22 dias, cinco horas e três minutos, um recorde no percurso. Foi a experiência mais espiritual que tive no mundo das corridas.
 
Há quem diga que minha operação me ajudou a correr melhor, a esquecer os quilômetros percorridos. Se isso fosse verdade, se tirar um pedaço do cérebro ajudasse a ganhar resistência, todo atleta iria querer essa cirurgia...
 
O que acontece é que eu consigo forçar muito o meu corpo. Treino duro, acordo às 5h, corro três, quatro horas, seis dias por semana.
 
Por causa da cirurgia, tenho lapsos de memória e meu senso de orientação é falho. Não dá para esperar que você perca um pedaço do cérebro e não sofra consequências. Na prova no Canadá, fiquei perdida um tempão, andei por caminhos errados por 15 milhas (24 km). Isso é apavorante quando você está num deserto gelado. Mas não posso falar de experiências ruins. Cada um tem algo na sua vida que precisa superar. Para mim, foi a epilepsia.
 
Hoje, quando corro, ouço minha respiração e o ritmo de minhas passadas. Isso se transforma em uma melodia, é a canção da minha corrida.

Folhaonline

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