Cerca de 20% das pessoas com o problema tiveram sua primeira crise antes dos cinco anos
Com apenas um ano e meio de idade, Mariana teve sua primeira crise. A dor intensa levou a pequena ao pronto-socorro e a mãe ao desespero. “Fiquei muito assustada, achei que podia ser meningite. Ela ficava chorando irritada e eu não tinha ideia do que podia ser. Só queria tirar a dor da minha filha. No hospital, fizeram um monte de exames e não encontraram nada. Eu fiquei mais apavorada ainda, porque não sabia por qual motivo ela estava com dor”, relata a mãe, Paula Sant´Anna de Almeida.
Apesar de parecer incomum, casos como o de Mariana não são exceção. “Eu já atendi um bebê, de meses de idade. Ele chorava muito e levava as mãozinhas à cabeça”, relata o clínico geral Alexandre Feldman, autor do livro “Enxaqueca: só tem quem quer” e do blog Enxaqueca.
O desespero de Paula com a falta de um diagnóstico claro, que pudesse ser feito por exames, é semelhante ao de muitas mães. Avaliar o problema em crianças é difícil, porque elas têm dificuldades em expressar o que estão sentindo.
“O problema é ela comunicar a queixa, já que as dores acontecem desde a mais tenra idade”, avalia José Luiz Dias Gherpelli, presidente do departamento científico de neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
“A enxaqueca é uma doença desacreditada por médicos. A criança começa no pediatra, mas as queixas não correspondem a doenças, os exames estão normais. Daí, elas vão para o neurologista, fazer outros exames, que não detectam alteração”, relata Feldman.
Por isso, os médicos recomendam que os pais fiquem atentos a sintomas que vão além da dor na cabeça, como náusea ou vômito, mudança brusca de humor, irritabilidade, sensibilidade a barulhos, luz ou cheiros, e uma necessidade urgente de dormir.
“A enxaqueca é uma dor de cabeça que tem intensidade de moderada a forte, portanto, interfere na vida da criança. Ela deixa de fazer atividades, principalmente as que exigem do físico”, indica Gherpelli. O neurologista, no entanto, faz uma ressalva: “Os pais devem relatar fatos como esses, mas somente depois da realização de alguns exames e excluído qualquer outro problema é que um médico poderá dar o diagnóstico.”
Ao contrário do que acontece em adultos, até os sete anos o índice de enxaqueca é ligeiramente maior em meninos do que em meninas, ainda não se sabe exatamente o motivo. Depois disso, os dados se igualam até o período em que elas têm a primeira menstruação, quando a predominância da dor passa a ser feminina.
Gatilhos e tratamento
Assim como nos adultos, a dor pode ser desencadeada por fatores psicológicos ou pelo estilo de vida da criança. Sono insuficiente e alimentação desregulada estão entre os principais fatores desencadeantes de uma crise. “Estressores de várias naturezas, que atuem sobre a criança por um tempo razoável, podem piorar ou causar a enxaqueca. Em outros casos, as pessoas têm relação nítida com o consumo de algum tipo de alimento a dor ou com hábitos de sono”, esclarece o neurologista da SBP. Uma prova, uma bronca da professora ou até mesmo uma apresentação podem virar motivo de uma crise.
Distinguir o que pode causar a dor é o primeiro – e mais importante – passo para o alívio. “O melhor tratamento é intervir nos hábitos da criança. Ela precisa melhorar a qualidade da alimentação, tornando-a mais rica em nutrientes e dormir pelo menos oito horas seguidas, um sono reparador”, aconselha Feldman.
Foi a mudança no tipo de leite consumido que afastou a enxaqueca de vez da vida de Mariana, hoje com sete anos e há cinco sem o problema. “Ela parou de tomar leite industrializado e passou a dormir em um quarto completamente escuro, por um período mínimo de oito horas. Ela foi melhorando e cresceu super saudável, sem ter mais problemas”, relata a mãe.
Em alguns casos, pode haver a necessidade de tomar medicamentos, mas sua administração vai depender da recomendação médica e da idade da criança. “Antes de medicar, o ideal é que os pais procurem fazer com que a criança descanse, durma um pouco em um ambiente fresco e silencioso. O sono é um grande remédio para enxaqueca. Se não melhorar, pode haver a necessidade de administrar um analgésico comum”, recomenda Gherpelli. Nem sempre uma criança com enxaqueca será um adulto com o problema.
Enxaqueca na escola
A dor intensa também pode se refletir no boletim. Estudo da Sociedade Americana de Dores de Cabeça concluiu que de 65% a 80% das crianças com enxaqueca em idade escolar perdem 13 dias na escola por ano. A falta de participação pode levar ao desinteresse, à tristeza e até ansiedade, além de comprometer a vida escolar futura. Professores devem ficar atentos e não encarar a dor de cabeça com desconfiança.
“Há muita suspeita por parte das escolas de que a dor seja verdade. É preciso ficar claro que a enxaqueca é uma doença”, avalia Alexandre Feldman. Os pais também devem levar seus filhos a sério e acreditar naquilo que eles dizem estar sentindo. “A criança, quando está fazendo manha, logo se esquece da dor. Quando ela tem enxaqueca, não”, explica o médico.
Fonte IG
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