Recurso permite reproduzir o desenho da aréola em mulheres que tiveram a mama retirada por conta do tumor
Para apagar uma cicatriz, tinta e agulha. A estratégia não elimina a marca, mas encobre. Usar a arte para esconder insatisfações estéticas é um dos recursos mais nobres da tatuagem. Em mulheres que enfrentaram um câncer de mama, os rabiscos são usados para imitar a anatomia e, com isso, redesenhar a autoestima.
Sérgio Maciel, o Led’s, um dos tatuadores mais conhecidos de São Paulo, refaz semanalmente seios de vítimas da doença. O trabalho é a conclusão de um longo processo de recuperação para essas pacientes.
“Elas nos procuram no final do tratamento, quando já retiraram o tumor, fizeram quimioterapia e a cirurgia plástica reconstrutiva. Muitas vezes, a indicação é dos próprios cirurgiões plásticos, que apresentam essa possibilidade e encaminham para os estúdios de tatuagem.”
Como é feito
A técnica consiste em tatuar o desenho da aréola na mama reconstruída para deixá-la o mais natural possível. O trabalho é desenvolvido por Leds há mais de 10 anos. Hoje, mais dois profissionais de seu estúdio foram capacitados para fazer o mesmo trabalho.
“Desenvolvi uma técnica própria nos últimos 10 anos. É um trabalho superdelicado, difícil de fazer, mas certamente o mais gratificante de todos. Isso recupera a feminilidade e a vaidade, perdidas durante o processo.”
A crescente demanda por profissionais que façam esse tipo de procedimento, que exige qualificação, reflete um triste dado: o avanço do câncer de mama, que cresceu mais de 160% nos últimos 20 anos. O tatuador Carlinhos Tattoo – como é conhecido no meio artístico e no Scorpion, estúdio de tatuagem na zona sul de São Paulo – precisou buscar referências e aprimorar o trabalho para atender a esse público.
“São mulheres de todas as idades, fragilizadas, com vergonha do corpo, de si. É um dos trabalhos mais gratificantes, mas exige muito estudo e qualidade do profissional. Precisamos reproduzir o tom exato da pele e fazer um desenho perfeito, exato.”
O especialista ainda comenta que a relação direta entre tatuadores e cirurgiões plásticos estreitou-se recentemente. Além do trabalho específico feito nos casos de câncer de mama, o uso de tatuagem para esconder grandes cicatrizes deixadas pela cirurgia de redução de estômago também passou a ser mais frequente.
"É uma forma dessas pessoas valorizarem o corpo, perderem a vergonha. O desenho precisa ser trabalhado em função da cicatriz, não é qualquer coisa que fica bem. Geralmente precisa ser colorido e bem sombreado para dar dimensão e camuflar a marca. O resultado é sentido na felicidade dos clientes."
O drama feminino
Tatuar o que a doença mutilou representa um ponto final no processo de cura. Mirna de Souza Gama, 39, administradora de empresas, revela que fechou o ciclo de sofrimento gerado pelo câncer após deixar o estúdio do Led’s, em 2010.
Vaidosa e disciplinada com a saúde, ela descobriu a doença em novembro de 2008. Ao sentir um caroço avermelhado no seio, não tardou em procurar atendimento médico. Após a mamografia e biópsia, o que parecia apenas a reação da pele a uma picada de inseto, era um tumor maligno.
“Sempre fiz check up. Até mamografia eu fazia desde os 30 anos. Na minha família, ninguém nunca teve ou morreu de câncer. Acreditava que estava fora do grupo de risco, mas nunca fui negligente com a saúde. Em menos de um mês, já estava na mesa de cirurgia para retirar o tumor e a mama.”
Para reconstruir o formato do seio de Mirna foi preciso retirar tecido da região da barriga. Os médicos inseriram um balão por trás do músculo e, posteriormente, implantaram a prótese de silicone.
“Minha preocupação era acordar sem o seio. A cicatriz na barriga, naquele momento, era menos agressiva do que sentir a ausência da mama. Foi muito difícil. Sempre fui super vaidosa. Já sabia que perderia meu cabelo comprido, loiro, durante a quimioterapia e ainda fiquei com o formato do peito, mas sem o mamilo e a aréola.”
Ponto final
Após a quimioterapia e a cicatrização da cirurgia, a empresária teve uma parte de cartilagem da orelha retirada para refazer o bico do seio. A reconstrução da mama estava quase completa, faltava apenas tinta e cor. Foi o próprio cirurgião plástico quem indicou a tatuagem para Mirna.
Semanas depois de concluir o tratamento, ela embarcou para a Nova Zelândia, onde morou durante seis meses. A mudança foi uma ‘virada de mesa’ forçada na vida da administradora. Na mesma época em que descobriu o câncer, ela perdeu o emprego e terminou um casamento de 17 anos.
Durante a estadia fora do Brasil, Mirna tentou fazer a pigmentação, mas não encontrou nenhum profissional que sentisse segurança em realizar o procedimento. Poucos dias após retornar para São Paulo, depois de seis meses pintando o seio com tinta de henna para minimizar o próprio desconforto com o corpo, ela coloriu permanentemente as cicatrizes do câncer e refez o desenho da aréola.
“Tatuei flores tribais bem delicadas em todas as marcas deixadas pela doença. Tive meu seio de volta graças à tatuagem. Ficou lindo. Quando acabei as três sessões, finalmente consegui virar a página, encerrar essa história. Hoje tenho prazer em mostrar como ficou perfeito e como estou bem e feliz.”
Fonte IG
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