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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Risco de infarto sobe 20 vezes no dia em que uma pessoa amada morre

Coração apertado, dor no peito e garganta travada, como se estivesse obstruída por algum tipo de obstáculo invisível. Só quem já passou pela experiência de ver alguém querido morrer pode dizer o quando dói a ausência daquele que se ama.

Segundo um artigo feito por cardiologistas da Universidade de Harvard e publicado no Journal of the American Heart Association, a dor não é apenas emocional. De acordo com o trabalho, aqueles que perderam entes queridos estão mais propensos a sofrer ataques cardíacos. No dia em que a pessoa amada morre, os riscos de quem fica enfartar é 20 vezes maior do que em situações corriqueiras. A ameaça diminui ao longo do tempo. Uma semana após o trauma, contudo, a probabilidade de desenvolver problemas cardíacos continua seis vezes maior que a normal. A boa notícia é que as chances reduzem progressivamente durante o primeiro mês. Em outras palavras, os estudiosos provaram cientificamente o que já faz parte da sabedoria popular: só o tempo é capaz de curar um coração partido.

Elizabeth Mostofsky, principal autora do estudo, explica que a equipe analisou os prontuários de cerca de 2 mil adultos que haviam sofrido ataques cardíacos entre 1989 e 1994. Os pacientes responderam a um questionário em que os médicos perguntavam as circunstâncias do infarto e se haviam perdido pessoas importantes no ano anterior ao ataque cardíaco. Se a resposta fosse positiva, os participantes deveriam ainda explicar a data exata da morte, bem como a importância que aquele relacionamento tinha em suas vidas. Por meio de um cruzamento de dados em que comparavam o número de pessoas que tiveram mortes próximas a eles e a reincidência de ataques cardíacos, chegaram à conclusão de que um em cada 320 indivíduos do “grupo de risco” para complicações cardíacas e uma em cerca de 1,4 mil pessoas de baixo risco (sem histórico de infarto) sofrerão problemas no coração ocasionados pelo luto.

Somados ao risco de ataques cardíacos, os derrames cerebrais foram apontados como a causa de 53% das mortes de cônjuges enlutados. “A dor faz com que sentimentos de raiva, depressão e ansiedade apareçam”, explica Elizabeth. “Essas emoções podem aumentar a frequência cardíaca, a pressão arterial e a coagulação do sangue e esses fatores, por sua vez, aumentam as chances de um ataque cardíaco.” A médica destaca ainda que estudos sobre como os sentimentos afetam a saúde física de um indivíduo não são novidade. “O que é inédito no levantamento é que esse é o primeiro estudo a examinar a curva acentuada do risco de ataque cardíaco logo após a perda de alguém importante na vida de uma pessoa.”

Dor avassaladora
Francisco Malaquias é um dos exemplos de como o coração pode não resistir à dor da perda de alguém querido. No último domingo, o tio da jovem Ingrid Anne Carvalho de Freitas, 15 anos — morta em um acidente de carro que tirou a vida de seis pessoas na madrugada de sábado — sofreu uma parada cardiorrespiratória durante o enterro da sobrinha. Ele precisou ser reanimado pelos bombeiros no cemitério e foi levado em estado grave, mas consciente, para o Hospital Regional de Taguatinga(HRT). No sepultamento dos outros jovens mortos no acidente, vários parentes e amigos passaram mal e precisaram ser socorridos.

Além do estresse emocional, a pesquisadora diz que outros comportamentos típicos de pessoas que acabaram de perder alguém especial ajudam a aumentar o perigo de infarto, como dormir pouco, comer menos e ter níveis elevados de cortisol, hormônio relacionado à resposta do organismo ao estresse. Para o cardiologista Jefferson Mattos Junior, o principal impacto do estudo feito por Elizabeth Mostofsky e sua equipe será nos próprios consultórios cardiológicos. Segundo ele, “é comum que o médico fique muito preocupado com os níveis de colesterol e da pressão arterial sistêmica e não preste atenção nos possíveis efeitos psicológicos e comportamentais que um evento desta magnitude possa causar na vida de um paciente, podendo ser um importante gatilho para um infarto”.

Acompanhamento
Guilherme Filomeno, cardiologista, frisa que o estudo também chama atenção para um fator importantíssimo no tratamento de quem passa pelo delicado momento de superação da morte de pessoas próximas: a atenção de quem ficou. “O cuidado que se tem com esse indivíduo tem que ser pessoal, precisa envolver família, amigos e até mesmo os médicos”, reforça. De acordo com Filomeno, o período normal de luto varia de três a seis meses. Nesse meio tempo, quem está ao redor do enlutado deve esperar mudanças de humor e de comportamento. Por isso, ele diz que, em casos nos quais o sofrimento aparenta ser mais agudo que o usual, os próprios médicos devem aconselhar acompanhamento psicológico e até mesmo medicamentos para amenizar os sintomas precedentes ao infarto que o paciente possa vir a apresentar.

Diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Nabil Gorayeb explica que existem mais de 100 categorias de ocasiões emocionais que podem desencadear problemas cardiovasculares — como o luto, o término de um relacionamento amoroso e o desemprego. Para o cardiologista, o estudo de Harvard “confirmou o que já se desconfiava” no meio médico: quando sofrem fortes traumas psicológicos, pessoas com complicações cardíacas prévias têm mais chances de infartar, mas isso não quer dizer que indivíduos sem histórico estejam livres do risco de passar por maus bocados — inclusive relacionados a outras partes do corpo que não o coração. “As emoções podem causar problemas de toda ordem, sejam cardíacos, pulmonares ou gástricos, por exemplo”, enumera. “Os efeitos ocorrerão onde a pessoa é mais sensível, ou seja, depois de uma emoção muito intensa, as áreas em que o paciente tem mais predisposição sofrem.”

Outros gatilhos
Na medicina, problemas fisiológicos causados por emoções recebem diversos nomes, que variam de acordo com os eventos que serviram como estopim para as complicações. Sergio Timerman, cardiologista e um dos diretores da SBC, conta que há vários estudos que apontam que catástrofes naturais ou ataques terroristas, por exemplo, também são fatores que desencadeiam infartos súbitos. Há três anos, o médico fez um estudo em que avaliava o aumento dos casos de ataques do coração em sobreviventes de enchentes em Santa Catarina. Ele conta que a chamada síndrome de estresse pós-traumático causa impacto forte o suficiente para desencadear um infarto. “Em todo lugar acometido por desastre natural ou atentados, há um aumento significativo de morte por problemas cardíacos relacionados diretamente ao problema”, comenta o médico.

Isso acontece porque, assim como na síndrome do coração partido (veja Para saber mais), o estresse desencadeia respostas emocionais que, literalmente, mexem com as estruturas do indivíduo. Embora a origem das duas síndromes seja a mesma, Timerman explica que as causas específicas são diferentes. “Em uma catástrofe, a pessoa é socialmente afetada, pois perde casa, objetos”, diferencia. “Ela entra em um estresse agudo e tem liberação excessiva de adrenalina, que eleva a pressão arterial.” No momento em que a pessoa começar a apresentar os sintomas, como dor no peito e alteração transitória no ritmo dos batimentos cardíacos, Timerman diz que o tratamento deve ser medicamentoso. “Os remédios reverterão o quadro, para evitar que o paciente tenha parada ou arritmia cardíaca.”

Para saber mais
Causas ainda desconhecidas
O primeiro relato da doença se deu no Japão, em 1990. A cardiopatia foi originalmente chamada de Síndrome de Takotsubo — tako significa polvo e tsubo, armadilha. A ideia do nome surgiu por causa das imagens radiológicas do coração acometido pela síndrome, que formam estruturas semelhantes à armadilha feita pelo animal. Desencadeada por fortes estresses emocionais, como um divórcio ou o falecimento de pessoas amadas, acreditava-se que apenas mulheres estavam sujeitas a ela — foi rebatizada de Broken Heart Syndrome, pois o coração feminino seria mais delicado que o dos homens e se “quebraria” mais facilmente após uma desilusão. Entretanto, já se sabe que, embora representem de 83% a 90% dos casos, elas não são as únicas que podem apresentar os sintomas. As causas ainda não estão completamente esclarecidas, mas sabe-se que estão associadas a um aumento excessivo de adrenalina, o que altera subitamente o ritmo dos batimentos e a pressão cardíaca. Outro fator intrigante da doença é que a “ponta” do coração fica dilatada, inerte e inativa, enquanto o resto do órgão continua funcionando normalmente — o que dá a impressão de que o coração está, realmente, partido.

Sergio Timerman, cardiologista e diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia

Comparação estressante
Questões emocionais estão fortemente ligadas a problemas cardíacos. Em 2004, o estudo Interheart listou os principais fatores de risco associados ao infarto do miocárdio — inclusive, emocionais. Das 24.767 pessoas pesquisadas, 11.119 já haviam passado por infarto agudo do miocárdio e foram comparadas a outras 13.648 que não apresentaram sinais clínicos da doença. Veja alguns dados do trabalho:

» O estresse no trabalho ou em casa praticamente triplica o risco de um infarto — risco superior ao do diabetes e quase o mesmo que de tabagismo e de colesterol alto.

» Entre os que estavam trabalhando, 23% dos infartados tiveram vários períodos de estresse no trabalho, contra 17,9% do grupo de controle.

» Um grupo de 11,6% dos que já sofreram infarto tiveram diversos períodos de estresse em casa, enquanto apenas 8,6% dos “saudáveis” enfrentavam controvérsias domésticas.

» Financeiramente, 14,6% do grupo dos enfartados eram estressados — 12,2% do grupo de controle apresentaram problemas com relação a dinheiro.

Fonte Correio Braziliense

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