Grandes redes e locais especializados em artes marciais oferecem a prática; arriscada, modalidade não é regulamentada no Brasil
A febre do MMA saiu da televisão e invadiu as academias. Antes chamada “vale-tudo” e restrita a atletas, a modalidade de Anderson Silva - que virou até reality show na TV aberta - está cada vez mais ao alcance de qualquer um. Mas os alunos devem ficar atentos: a mistura de técnicas das mais variadas artes marciais (daí o nome MMA, do inglês Mixed Martial Arts) faz crescer o risco de lesões, já que os socos e chutes surgem de todos os lados, em pé ou no solo.
Um dos problemas dos treinos nas academias é a falta de regulamentação sobre as artes marciais, que no Brasil são consideradas atividades artístico-culturais, e não esportivas. Na maior parte desses locais, os instrutores não são formados em educação física. Daí a importância de escolher bem o professor.
“A prática das lutas sem fiscalização mostra uma ausência de controle e indica um convite aos riscos”, afirma Angelo Vargas, educador físico, advogado e consultor do Conselho Federal de Educação Física (Confef). “Dessa forma, é difícil resguardar a integridade física dos praticantes, principalmente quando as artes marciais são feitas todas juntas, como no MMA.”
Por outro lado, se bem realizado, o exercício é apontado por professores e preparadores físicos como um dos mais benéficos e completos para tonificar a musculatura, ganhar condicionamento físico e perder peso.
“Ainda não podemos falar que o MMA é uma prática esportiva segura para as pessoas comuns porque é um fenômeno recente”, ressalva Jomar Souza, especialista em Medicina do Exercício e do Esporte e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. “Mas posso dizer que ele já é visto com ressalva por ser muito intenso e misturar vários golpes agressivos, direcionados ao praticante sem qualquer cuidado.”
Para reduzir riscos, diz o especialista, o ideal é adaptar o treino dos exercícios e limitar a quantidade de golpes na luta, principalmente para evitar a região da cabeça. É preciso também cuidado na hora da queda e da luta no chão.
“Como há risco grave de ruptura dos órgãos internos e fraturas externas, a aula deve ser coordenada por um professor de educação física, que conhece a fisiologia do corpo e pode impedir os atritos”, alerta Souza.
A presença de um educador físico ainda traz outra vantagem: “a mediação de alguém com métodos didáticos pode inibir que o espírito de competitividade dos alunos ultrapasse os limites físicos”, acrescenta Turíbio Leite de Barros Neto, fisiologista do Esporte Clube Pinheiros e professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Sem controle
O Estado procurou 12 academias que dão aulas de MMA, entre elas grandes redes e/ou tradicionais no ensino de artes marciais, e constatou que em apenas duas delas os profissionais que lecionavam a modalidade eram professores de educação física. Todos os outros tinham uma larga carreira como instrutores em diversas artes marciais, alguns até campeões em competições nacionais e internacionais, porém sem formação superior na disciplina.
De acordo com Marcelo Calegari, professor de Educação Física e diretor da Federação Paulista de Lutas e Artes Marciais (Feplam), é comum que as pessoas pratiquem arte marcial por algum tempo e pouco depois se autointitulem instrutores. “São raros os casos de academias ou clubes que buscam informações sobre o profissional antes de contratar. Esses locais devem ter cautela antes de oferecer um exercício complexo como o MMA.”
Para o aluno, ele recomenda assistir mais de uma aula antes de se matricular, para verificar a conduta do professor. “Apesar de ser em grupo, a aula também é individual, afinal um está ali para perder peso, outro para ganhar condicionamento físico e assim vai”, diz. Segundo Calegari, é bom observar quais são as condições do ambiente de luta e se há equipamento de segurança de qualidade. “E, principalmente, ter certeza de que a academia é filiada a uma federação de lutas idônea.”
Benefícios
Os profissionais que ensinam MMA nas academias dizem que o esporte vai muito além da troca de socos e chutes: pode render saúde e qualidade de vida.
“Os benefícios vão desde a tonificação da musculatura e a melhora na flexibilidade até o aumento da autoestima, já que trabalhamos os aspectos motor, cognitivo e socioafetivo”, diz Marcelo Oliveira, instrutor da academia Runner, formado em Educação Física e especialista em jiu-jítsu e boxe, com experiência na preparação física de atletas da MMA.
“Além disso, é uma ótima opção para quem deseja emagrecer. Em média, uma aula de 1h30 ajuda a perder de 700 a 1,4 mil calorias”, afirma Oliveira.
Atletas X praticantes
Vale lembrar que atleta é uma coisa e praticante é outra bem diferente, lembra Rafael Alejarra, preparador físico de lutadores como Wanderlei Silva, Júnior "Cigano" e Cris Cyborg. "O MMA não é para qualquer um, pois ser atleta de performance não é sinônimo de saúde", alerta. "Nós procuramos ter o máximo de cuidado para evitar problemas e garantir o bem-estar, mas no futuro o corpo da pessoa vai responder pela prática da atividade de alto nível".
De acordo com Alejarra, quem decide praticar MMA precisa ter o dobro de cuidado, de preferência com exercícios que aumentem de intensidade gradativamente. "Treinar MMA é realizar um trabalho a longo prazo, de preparo físico, técnico e psicológico, e sempre com um professor que tenha tido alguma experiência no octógono", diz.
Também é preciso uma avaliação médica completa antes de iniciar as aulas. "E não apenas com um clínico geral, mas com um educador físico e um fisioterapeuta", orienta Giancarlo Polesello, ortopedista da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e membro do Comitê de Trauma do Esporte da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).
Fonte Estadão
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