Saúde. Pela primeira vez uma pesquisa comprova o efeito de um medicamento sobre a cognição de pessoas com a síndrome; o estudo, coordenado na Universidade do Colorado pelo neurocientista brasileiro Alberto Costa, foi feito com 42 pessoas e será ampliado
Um medicamento para pacientes com Alzheimer pode ser a esperança para que pessoas com síndrome de Down tenham uma melhor qualidade de vida. Uma pesquisa da Universidade do Colorado, conduzida pelo neurocientista brasileiro Alberto Costa, mostrou que o uso da substância memantina permitiu resultado superior em um teste de memória verbal. É a primeira vez que uma pesquisa comprova estatisticamente o efeito de um fármaco sobre a cognição de pessoas com Down.
A pesquisa acompanhou 42 pessoas, de 18 a 32 anos, por 16 semanas. Metade delas recebeu o medicamento; a outra metade, comprimidos sem o princípio ativo. Elas passaram por uma bateria de 14 testes neuropsicológicos e o resultado foi semelhante entre os dois grupos em quase todos eles - exceto em um, o California Verbal Learning Test (CVLT).
Neste exame, os participantes receberam nove cartões com palavras de diferentes grupos (alimentos, objetos, ferramentas). Tinham de memorizá-las e repeti-las. O teste foi feito duas vezes, antes e depois da medicação. A pontuação média daqueles que receberam placebo subiu 2,53 entre a primeira e segunda testagem. Entre os que haviam tomado o remédio, a melhora foi, em média, de 5,84 pontos.
"A média foi de 30% de melhora. Três pessoas tiveram melhora muito acima, um comportamento que não existiu no placebo de forma alguma", diz Costa.
O trabalho aponta para a possibilidade de melhora no desempenho de tarefas dependentes da parte do cérebro conhecida como hipocampo, que é responsável pela aquisição de memória, entre outras funções. Isso aconteceu porque a memantina atua no receptor neuronal de NMDA.
Na população em geral, esse receptor é ativado quando se recebe uma mensagem relevante. Nas pessoas com trissomia do cromossomo 21 - a síndrome de Down -, o receptor de NMDA é hiperativo. "É como se o receptor perdesse a seletividade para informações importantes. E quem capta tudo, não retém nada. A memantina previne o receptor de funcionar quando não deve e esse efeito se desliga quando a mensagem é realmente importante", explica o neurocientista.
Costa pesquisou um medicamento para Alzheimer porque há associação grande entre a doença e a síndrome de Down. "Se você olhar no microscópio o cérebro de pessoas com Down aos 40 anos, praticamente 100% delas terão Alzheimer. Já descobriram esse tipo de patologia em crianças com 8 anos. Down é a causa mais precoce de Alzheimer que existe no ser humano."
O fato de a segurança e a eficácia do medicamento serem reconhecidos pela Food and Drug Administration (FDA), agência de vigilância sanitária dos EUA, também facilitou a aprovação da uma linha de pesquisa.
Em laboratório, Costa já havia comprovado o efeito da memantina em camundongos geneticamente modificados para desenvolver a síndrome. Os animais foram colocados numa nova gaiola e, após três minutos reconhecendo o ambiente, levavam um pequeno choque. No dia seguinte, voltaram à gaiola.
Os animais sem Down ficavam paralisados, num comportamento de autopreservação, por mais da metade do tempo. Os camundongos com a síndrome se movimentavam como se nunca estivessem sido colocados ali. Já os que tinham Down, mas receberam injeções de memantina, também "congelavam", por medo. Esse primeiro estudo foi publicado em 2007.
O resultado da pesquisa com humanos foi publicado na revista científica Translational Psychiatry e ganhou destaque no jornal Washington Post. "Ver esse tipo de resultado, com amostra tão pequena, nos dá bastante esperança de que possa ser reproduzido no futuro, e um teste mais longo, que envolva tomar o medicamento por dois ou três anos, realmente melhore a qualidade de vida das pessoas com Down. Quanto mais coisas você armazena, maior é a sua capacidade de executar tarefas diárias", afirmou Costa.
Fonte Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário