O que ainda é uma promessa da ciência já está dando origem a um negócio no país: o congelamento de células-tronco mesenquimais retiradas do cordão umbilical de recém-nascidos.
O uso dessas células, que dão origem a diferentes tecidos, como músculos, gordura e ossos, é alvo de estudos para o tratamento de doenças cardíacas, autoimunes e degenerativas. No entanto, nenhuma terapia com o material foi aprovada até hoje.
Mesmo assim, ao menos dois bancos privados de células-tronco em São Paulo estão vendendo o serviço de coleta e preservação das células do tecido do cordão, que normalmente é descartado.
A justificativa é a possibilidade de que essas crianças, no futuro, possam se beneficiar de tratamentos com as células mesenquimais.
De acordo com Marlon Knabben, diretor médico da empresa Cordvida, o serviço começou a ser vendido em maio e tem cerca de 30 amostras coletadas.
As células-tronco mesenquimais são extraídas principalmente da geleia de Wharton, tecido que envolve os vasos sanguíneos do cordão.
A coleta é feita no parto, mesmo momento no qual hoje já é feita a retirada do sangue do cordão --material que tem uso consagrado em transplantes de medula.
No Brasil, há uma rede pública de sangue do cordão. As bolsas ficam disponíveis para quem precisar de transplante. Já nos bancos privados, só a própria pessoa pode usar o material.
Dados divulgados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2011 mostram que, das 45 mil unidades de sangue de cordão de bancos privados, só oito foram usadas, desde 2003. Já na rede pública, com 9.000 unidades, foram feitos 106 transplantes desde 2001.
A coleta privada das células do tecido, assim como as do sangue, custa cerca de R$ 2.000, mais taxa anual de R$ 600 pela preservação.
Críticas
Pesquisadores fazem ressalvas à venda desse serviço. Além de não se saber para que as células vão servir, não há certeza sobre se o cordão umbilical é a melhor fonte para as mesenquimais.
De acordo com a geneticista e especialista em células-tronco Mayana Zatz, da USP, é possível que, dependendo da finalidade, seja melhor usar as células-tronco armazenadas, por exemplo, no tecido gorduroso e que podem ser coletadas a qualquer momento (não só ao nascer).
Outra questão é se o uso das células da própria pessoa é o mais apropriado. "No caso de doenças genéticas, não servem. Todas aquelas células vão ter a doença."
Knabben, da Cordvida, diz que a chance de coletar as células do tecido do cordão não deve ser desperdiçada se a família puder pagar. "Daqui a 20, 30 anos, se aparecer um tratamento com essas células, que argumento eles [os críticos] vão dar?"
Telma Kühn, diretora técnica da Cordcell, empresa que também preserva células do tecido do cordão, afirma que, no nascimento, as células são "novas e não sofreram o impacto do ambiente".
Para Luiz Fernando Lima Reis, diretor do Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa, a preservação desse material não se justifica hoje. "Não há evidências da aplicabilidade."
"ACREDITO QUE AS PESQUISAS VÃO AVANÇAR", DIZ MÃE
Felipe, segundo filho de Fernanda Cabral, 32, nasceu em maio e com uma dupla poupança celular: tem as células do sangue e do tecido do cordão umbilical congeladas em tanques de nitrogênio líquido.
Fernanda afirma que o banco que ela procurou foi claro ao dizer que todos os possíveis usos das células-tronco mesenquimais ainda estão em estudo.
"Para mim isso não é problema. Acredito que as pesquisas vão avançar e que a célula vai ter uso. Eu também pago plano de saúde sem saber se vou usar. Se um dia precisar, o que paguei não será nada perto do benefício."
A bióloga Verônica Ramos Souza Oliveira, 34, também procurou um banco privado para guardar células do tecido e do sangue do cordão da filha Gabriela, nascida em outubro. "Não gostaria que pegassem o cordão, tirassem o sangue e jogassem no lixo. É um pecado, o cordão é rico em células-tronco."
Apesar de saber que não há nada concreto sobre o uso das células mesenquimais, Verônica contratou o serviço "por segurança". "Se um dia ela precisar, quero que esteja tudo guardado num lugar de confiança.
Editoria de arte/folhapress | ||
Fonte Folhaonline
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