Enquanto as vendas crescem acima dos 20% ao ano e movimentam bilhões, os centros de bioequivalência- parte fundamental para a produção dos medicamentos - clamam por socorro frentes aos concorrentes internacionais
O ano de 1999 foi marcado pela implantação da política que regulamenta os genéricos, fiscalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A partir de então, o governo investiu no setor para fomentar a produção desses medicamentos no País que, nos seis primeiros meses deste ano, movimentaram R$ 5,1 bilhões – um salto de 34,2% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos). Os resultados do segmento evidenciam um mercado promissor, em que as vendas em volume crescem acima dos 20% ao ano, impulsionando, dessa forma, o acesso da população a remédios que custam em média 50% menos do que os chamados de referência.
Nesse contexto, onde a projeção de vendas de 2012 está na casa dos 25%, há uma realidade de números decrescentes devido à contração de demanda. Tão incentivados, há décadas pelo poder público, os centros de bioequivalências nacionais – responsáveis por testar a eficácia e qualidade dos medicamentos – estão minguando ao concorrer com os centros internacionais, principalmente os indianos.
Com o introdução dos genéricos, a Anvisa registrou centros fora do Brasil para agilizar o abastecimento do mercado e, segundo o presidente da Associação Brasileira de Centros de Biodisponibilidade e Bioequivalência (ACBIO), Eduardo Abib, essa prática foi se consolidando até que, em 2011, o número de centros internacionais autorizados pela Anvisa ultrapassou os nacionais (veja tabela).
No último ano, pelos menos três unidades brasileiras fecharam as portas, o que representam 15% do mercado. E, junto com tais estabelecimentos, vão-se também “investimentos em alta tecnologia, profissionais especializados e conhecimento científico”, diz Rafael Eliseo Barrientos, gerente de análises bioquímicas da Magabi Pesquisas Clínicas, pertencente ao grupo Eurofarma, e vice-presidente da ACBIO.
A demanda, por exemplo, do Núcleo de Bioequivalência e Ensaios Clínicos (Nubec), vinculado à Universidade Federal de São Paulo, caiu 80% no último ano. “Os tributos aqui no Brasil são elevadíssimos, não conseguimos concorrer com os indianos em termos de tecnologia e infraestrutura”, comenta a gerente de projeto do Nubec, Mineko Tominaga.
Para Barrientos, dois são os motivos que geram as dificuldades enfrentadas pelos centros. O primeiro deles é consequência da adequação da produção de medicamentos similares nos mesmos moldes dos genéricos – regra estabelecida em 2003, com obrigatoriedade até 2013. “Houve um boom por causa da necessidade de se adequarem, mas, agora, 90% já estão em conformidade com a normativa”, explica.
A concorrência internacional é o segundo. “Há um ano, os centros internacionais passaram a ser mais competitivos devido ao artifício cambial. O real estava desvalorizado em relação ao dólar”, afirma Barrientos, completando que esse cenário está mudando em favor do Brasil.
Outros fatores que contemplam o chamado Custo Brasil deixam as unidades nacionais em desvantagem como, por exemplo, o alto custo da mão de obra local, tendo em vista o perfil de mestres e doutores necessários para a área; 35% de tributos durante o processo de importação do Espectrômetro de Massas (LC-MS/MS) – equipamento para a bioequivalência -, em comparação à taxa de 10% da Índia; e preços elevados com manutenção, já que não existem no País os aparelhos específicos para os testes e nem técnicos qualificados.
Além disso, um centro indiano cobra, em média, US$ 30 por amostra, preço 45% menor do que o brasileiro. “Há 12 meses, praticávamos preços por volta de R$ 70 por amostra, hoje é muito difícil passar de R$ 55”, lamenta o executivo da Magabi.
“Vários centros estão migrando para outro ramo de atividade, como análises clínicas, ou fazendo dosagens de aditivos na área de alimentos. Isso reflete uma perda em investimentos e recursos humanos ao longo dos últimos dez anos”, diz Mineko.
Ao que tudo indica a oferta de genéricos não sofrerá impactos, já que os laboratórios continuam a fabricá-los e testá-los, seja dentro ou fora do País. Os critérios analisados por uma indústria farmacêutica na hora de escolher um centro são: prazo, preço e qualidade. Na visão dos especialistas, o quesito preço é o grande responsável pela contração da demanda.
“Cada empresa escolhe de acordo com sua estratégia. O que importa é se elas estão cumprindo a legislação”, afirma a presidente da Pró-Genéricos, Telmas Salles.
Papel da Anvisa
Apesar de existirem mais de 20 centros certificados pela Anvisa fora do País, a Agência não possui nenhum controle dos processos no exterior – diferentemente da realidade local, em que tudo é computado em um sistema integrado.
De acordo com Barrientos, depois de muitas tentativas junto ao órgão em defesa dos centros, a Anvisa sinalizou que os sistemas online para a submissão dos dossiês nacionais são priorizados em relação aos internacionais, que chegam em papel, por correio. “Isso gera uma vantagem competitiva para nós. Esse sistema é relativamente novo, cerca de um ano, e ainda não mensuramos se isso é verídico”.
Com o novo sistema, a redução de tempo para a liberação do produto, de acordo com o órgão regulador, seria de 50%, ou seja, de um ano para seis meses.
A preocupação de Abib, presidente da ACBIO, reside no potencial que esses estabelecimentos representam para a credibilidade do Brasil no exterior, na possibilidade de conhecimento científico e tecnológico e desenvolvimento de projetos complexos. Algo que certamente deva interessar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, afinal, esses possíveis ganhos poderiam ser a vitrine de seu trabalho. Entretanto, devido ao período de greve no mês de julho, a agência não concedeu entrevista à FH.
Três fases para o teste
1 – Clínica: estabelece-se o protocolo clínico, onde as responsabilidades do patrocinador do estudo e do centro são atribuídas. O documento é submetido à autorização do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Inicia-se a internação dos voluntários – pessoas sadias, que se submetem ao teste. Coleta das amostras de sangue para verificar se houve absorção do princípio ativo no corpo do genérico, na mesma proporção do medicamento referência.
2 – Analítica: Envio do laudo para a análise estatística. Um software faz o cálculo da bioequivalência, expressa em números. Para a comercialização dos genéricos dois critérios precisam ser atendidos: quantidade e velocidade liberadas do fármaco no corpo iguais aos do medicamento referência.
3 – Estatística: Resultado da bioequivalência. Se está de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Anvisa.
*Média de três anos para colocar um genérico no mercado. Anvisa leva, em geral, um ano para aprovar o dossiê enviado pelos centros.
26 Centros Internacionais de Biodisponibilidade/Bioequivalência Certificado
Argentina
- Diffucap – Eurand S.A.C.FI.
Austrália
- Q-pharm Pty Limited
- Tetraq Quality Preclinical Solutions
- Algorithme Pharma Inc.
- Anapharm Inc.
Eslovênia
- Lek Pharmaceuticals D.D
- Bioanalytical Systems Inc (BASI)
- Accutest Research Laboratories (I) Pvt Ltd
- Axis Clinical Ltd.
- Bombay Bioresearch Center (BBRC)
- Clinsys Clinical Research Ltd
- Fortis Clinical Research Limited
- Glenmark Generics Research Center
- GVK Biosciences Pvt Ltd.
- Lambda Therapeutic Research Pvt. Ltd.
- Lotus Labs Pvt. Ltd.
- Macleods Pharmaceuticals Limited.
- Ranbaxy Research Laboratories
- Reliance Life Sciences
- SUN Pharmaceutical Industries LTD
- Torrent Pharmaceutical Ltd
- Veeda Clinical Research Pvt. Ltd.
- Zydus Research Center
Itália
- Mader S.R.L.
- R&D LABS.
Irlanda do Norte
- MDS Pharma Services GB Limited
25 Centros Nacionais Certificados
Ceará
- UNIFAC – Universidade Federal do Ceará Universidade / Unidade de Farmacologia Clínica
Goiás
- ICF – Instituto de Ciências Farmacêuticas de Estudos e Pesquisas S/S Ltda
Minas Gerais
- Cebio- Centro de Pesquisa em Biotecnologia Ltda
- Instituto Hermes Pardini Ltda
Paraná
- Biocinese – Centro de Estudos Biofarmacêuticos Ltda – ME
Pernambuco
- Universidade Federal de Pernambuco/ Núcleo de Desenvolvimento Farmacêutico e Cosmético – Nudfac
Rio de Janeiro
- Programa de Biofarmácia e Farmacometria da Faculdade de Farmácia/Universidade Federal do Rio de Janeiro – PBF
Rio Grande do Sul
- Universidade Federal de Santa Maria/Centro de Estudos de Biodisponibilidade e Farmacocinética – Cebifar
São Paulo
- Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM / Núcleo de Bioequivalencia e Ensaios Clínicos – Nubec
- Bioagri Laboratórios Ltda
- Biocrom – Unidade de Farmacocinética/Associação Fundo de Pesquisa a Psicofarmacologia
- Casa de Nossa Senhora da Paz – Ação Social Franciscana/Unifag
- Centro Avançado de Estudos e Pesquisas Ltda – Caep
- Core Pesquisas ClínicasLtda
- Faculdade de Ciências Farmacêutica de Ribeirão Preto – USP
- Fundação Instituto de Pesquisas Farmacêuticas – Fipfarma/ Laboratório de Biofarmacotécnica – Biofar/FCF/USP
- Galeno Desenvolvimento de Pesquisas
- LAL Clínica Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Ltda
- Magabi Pesquisas Clínicas e Farmacêuticas Ltda
- Maxilabor Diagnósticos S/C Ltda
- MCM Análises Laboratoriais S.A. – Chromanalysis
- Scentryphar Pesquisa Clínica Ltda
- Statpharm Consultoria Científica Ltda
- Scentryphar Analítica
- Synchrophar – Assessoria e Desenvolvimento de Projetos Clínicos S/C Ltda
- T&E Analítica Comércio e Análises Químicas Ltda
Legenda: centro de bioequivalência Magabi, no Brasil:
Um centro indiano cobra, em média, US$ 30 por amostra, preço 45% menor do que o brasileiro. “Há 12 meses, praticávamos preços por volta de R$ 70 reais por amostra, hoje é muito difícil passar de R$ 55 reais”, lamenta o executivo da Magabi.
“Os impostos aqui no Brasil são elevadíssimos, não conseguimos concorrer com os indianos em termos de tecnologia e infraestrutura” mineko tominaga, do NUBEC.
Fonte SaudeWeb
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