Formado no ar por poluentes lançados pelos carros, o O3 é produzido também por uma nova geração de eletrodomésticos
Na estratosfera, a 15 km de altura, o gás ozônio nos protege do excesso da radiação ultravioleta emitida pelo Sol.. Já aqui na troposfera, onde vivemos, essa molécula formada por três átomos de oxigênio revela-se um vilão poluente, bastante tóxico ao nosso sistema respiratório e que preocupa ambientalistas, órgãos que monitoram a qualidade do ar nas grandes cidades, além de cientistas, como Arnaldo Alves Cardoso, do Instituto de Química da Unesp em Araraquara.
Para medir a quantidade de O3 que respiramos, os órgãos responsáveis pelo monitoramento da qualidade do ar no caso de São Paulo, a Cetesb usam equipamentos sofisticados, grandes e pesados, que fazem as análises em tempo real. Cardoso tem um desses no seu laboratório em Araraquara. " Custou cerca de US$ 10 mil" , diz. O método que ele e seu grupo desenvolveram é uma opção mais barata e portátil. " Pode ser uma alternativa para monitorar também lugares distantes dos grandes centros, já que o problema do ozônio está deixando de ser exclusividade das metrópoles" , afirma.
Formado no ar principalmente a partir de poluentes lançados pelos escapamentos dos carros, o O3 pode ser produzido também por uma nova geração de eletrodomésticos. " Um dia abri o jornal e vi anúncios de purificadores de ar, ventiladores e até lavadoras de roupas que geram ozônio" , lembra Cardoso. A razão é simples: poderoso esterilizante, o gás elimina micro-organismos do ar e da água. Também é produzido pelas chamadas lâmpadas germicidas. " Está cada vez mais fácil gerá-lo em casa hoje em dia" , diz o pesquisador.
Em concentrações moderadas, o ozônio é benéfico ao ambiente, atuando no ar como uma espécie de detergente. Como forte oxidante que é, ele quebra moléculas orgânicas grandes como derivados de petróleo , tornando-as solúveis em água, o que permite que sejam arrastadas pela água da chuva. Em grandes concentrações, porém, torna-se o responsável pela neblina cinzenta do fim da tarde, fenômeno típico das grandes cidades brasileiras.
Em Araraquara, município paulista distante 277 km da capital, com pouco mais de 200 mil habitantes, ele já detectou, em horários de pico, concentrações de ozônio no ar de até 85 partes por bilhão (ppb). A resolução 3/1990 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) estabelece que, para ser considerado de qualidade aceitável, o ar de uma localidade pode ultrapassar 81 ppb de ozônio apenas uma vez por ano. Para se ter um ideia, no município de São Paulo, em 2012 esse limite foi ultrapassado 36 vezes no Parque do Ibirapuera (uma das áreas mais verdes da cidade), segundo dados da Cetesb.
Dispensando grandes equipamentos, o método de Cardoso requer pouco mais que um pedaço de papel. Baseia-se na reação química do ozônio com um dos corantes mais antigos usados pelo homem: o índigo de forte coloração azul. De formato circular e com apenas 2 cm de diâmetro, o papel é pequeno o suficiente para caber numa seringa, onde a reação ocorre (junto uma substância que serve para deixar o ambiente mais úmido). Na presença de ozônio, o índigo se oxida e, consequentemente, o papelzinho no qual ele estava impregnado clareia. Assim, quanto mais ozônio no ar, mais claro o papel ficará depois das oito horas de exposição ao ambiente, tempo necessário para conclusão do teste.
A coloração final do papel é então comparada com um disco com 30 tons de azul, que indicam as respectivas concentrações de ozônio no ar. O cerne do trabalho foi transformar cada um desses tons em um código numérico (segundo o sistema RGB de cores, o mesmo usado pelos computadores) e relacionar, matematicamente, a concentração de corante no papel ao teor de ozônio no ar, explica o doutorando Gabriel Garcia, coautor do estudo.
Cada intervalo da escala de azuis representa uma variação de pouco mais de 3 ppb de ozônio, prossegue o aluno. Na prática, isso significa que se a diferença entre a cor inicial do papel e o resultado final corresponder a 20 tons do disco, a concentração do gás no ar será de aproximadamente 60 ppb. A técnica se mostrou eficaz para determinar ozônio em qualquer ambiente em concentrações que variam entre 2 ppb e 97 ppb. " Queremos popularizar esse tipo de análise e propor um kit de teste de campo que dispense qualquer conhecimento técnico aprofundado e estrutura física de laboratório" , explica Garcia. No ano passado, o trabalho foi apresentado na 35ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, em Águas de Lindoia (SP).
Análise pelo celular
Por enquanto, os resultados fornecidos pelo teste desenvolvido pelo grupo de Araraquara requerem inspeção visual apenas. Ou seja, o usuário checa a cor do papel com a escala de cores predefinida e infere a concentração de ozônio. Evidentemente, isso pode acarretar resultados diferentes dependendo de quem vê. Os daltônicos, por exemplo, provavelmente teriam problemas para executar a tarefa. Mas os pesquisadores vislumbram a possibilidade de automatizar a técnica, fazendo com que um programa de computador analise a cor final do papel, o que certamente aumentaria a confiabilidade do resultado. Segundo eles, é possível criar aplicativos para celular para realizar o cálculo da concentração de ozônio no ar baseando-se em uma foto da amostra.
Além da portabilidade do método, uma das principais vantagens destacadas por Cardoso está no fato de ser uma tecnologia que não consome energia. " O kit pode ser usado para atividades de fiscalização e educação ambiental" , acrescenta.
Para ele, é preciso conscientizar a população também sobre o uso indiscriminado de eletrodomésticos geradores de ozônio. " Não sou contra esse uso, que na verdade é extraordinário, mas é importante que as pessoas sejam orientadas e que haja algum tipo de regulação da quantidade de ozônio liberada por esses aparelhos, para que possamos evitar as más consequências para o ambiente."
Com informações da UNESP Ciência
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