Foto: ASCOM/Hospital A.C. Camargo Pacientes em estado muito grave, que já passaram por diversas transfusões sanguíneas, têm alto risco de complicações e não deveriam ser elegíveis ao procedimento |
Com base em um estudo publicado em junho na revista Liver Transplantation, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) propõem alterações nas diretrizes nacionais para transplante de fígado.
De acordo com Luiz Augusto Carneiro D' Albuquerque, diretor da Divisão de Transplantes de Órgãos do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP e um dos autores do artigo, os resultados da pesquisa indicam que estão sendo operados no país doentes com estado de saúde tão grave que não seriam mais elegíveis ao tratamento em razão do alto risco de óbito ou de complicações. Por outro lado, candidatos com chance de um desfecho positivo acabam morrendo na fila de espera.
Até 2006, explicou Carneiro, a legislação brasileira adotava o critério cronológico para a distribuição de órgãos, ou seja, os mais antigos tinham prioridade na fila. Em 2007, no caso do fígado, o país adotou um sistema usado em praticamente todo o mundo conhecido como Meld (modelo para doença hepática em fase terminal, na sigla em inglês) - fórmula matemática que, levando em conta resultados de exames e outros indicativos do paciente, permite estimar o risco de morte caso o transplante não ocorra nos três meses seguintes. Quanto maior a nota, maior a prioridade.
" Nos países escandinavos, por exemplo, são transplantados em média pacientes com Meld de 20 a 22. Nos Estados Unidos, dependendo do estado, a média varia entre 20 e 28. Quando passa de 36, eles consideram que já é tarde demais para operar" , contou Carneiro.
Mas o escore médio dos operados no HC - principal centro transplantador do país- é de 34. Segundo Carneiro, há frequentemente casos de paciente operados no Brasil com Meld acima de 40.
" Isso tem impacto negativo na utilização dos órgãos, pois temos um índice alto de retransplante e de mortalidade. Perdemos cerca de 20 a 25% dos doentes após um ano, enquanto esse índice na Escandinávia é de apenas 8%. O sistema de saúde como um todo lá funciona melhor, então os pacientes chegam ao centro transplantador em melhor estado" , explicou Carneiro.
Para avaliar o impacto da adoção do Meld nos índices de sobrevida e de infecção do sítio cirúrgico (SSI, na sigla em inglês) no Brasil, os pesquisadores analisaram dados de 543 pacientes operados no HC entre 2002 e 2011 - totalizando 597 cirurgias em razão dos casos de retransplante.
De acordo com os resultados, o uso do escore Meld modificou a incidência e a epidemiologia da SSI apenas durante o primeiro ano de uso - sendo que a taxa média de infecção entre 2002 e 2006 foi de 30% e, entre 2007 e 2011, de 24%.
" Concluímos que a adoção do Meld em si não causou aumento da mortalidade. Os doentes que complicavam antes de 2007 são os mesmos que complicam hoje. Mas conseguimos estabelecer alguns fatores de risco para SSI" , contou Carneiro.
Embora o número de pacientes estudados ainda não seja suficiente para estabelecer uma espécie de nota de corte para transplante, Carneiro acredita que os pacientes em estado muito grave não seriam beneficiados com o tratamento. O estudo mostrou que têm mais risco de desenvolver SSI pessoas já submetidas a transplante anteriormente ou a diversas transfusões de sangue.
Outros fatores de risco encontrados, embora menos significantes, foram a dependência de diálise, infecção por citomegalovírus e tempo de isquemia fria (período em que o órgão fica em conservação no gelo) superior a 400 minutos.
Escassez de órgão
Segundo Carneiro, apenas um terço dos pacientes que necessitam de um fígado consegue ser operado no HC. Atualmente, há 140 doentes atendidos pelo hospital na fila de espera. Em todo o país o número chega a 1.240, segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
" Estamos operando apenas os mais graves, pois não podemos ir contra a lei. Mas para diminuir a mortalidade precisamos selecionar melhor os doentes. Os resultados desse estudo podem dar subsídios para o Estado rever a política de distribuição de órgãos. O Ministério da Saúde deve divulgar uma nova portaria sobre o tema até outubro e esperamos incluir esses achados nas novas normas" , contou Carneiro.
Parte dos dados foi levantada por meio de um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado pelo médico Edson Abdala, chefe da Equipe de Infectologia do Serviço de Transplantes do Aparelho Digestivo do HC. Outros autores do artigo também têm projetos apoiados pela FAPESP, entre eles Estela Regina Ramos Figueira, Silvia Figueiredo Costa e Carneiro.
A pesquisa será apresentada durante o 40º Curso de Atualização em Cirurgia do Aparelho Digestivo, Coloproctologia, Transplante de Órgãos do Aparelho Digestivo e Endoscopia (Gastrão), que ocorrerá entre 1º e 5 de julho no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo.
Fonte isaude.net
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