Foto: Guacira Santos / Especial Formada em Montevidéu, Ketia atende em Santa Vitória do Palmar sem ter revalidado o diploma |
Para mais de 130 mil gaúchos, não será novidade o atendimento por médicos estrangeiros, em debate desde que o governo anunciou o programa Mais Médicos. Há pelo menos dois anos, graças a uma decisão judicial, cidades com fronteiras inferiores a cem quilômetros do Uruguai são atendidas por profissionais do país vizinho, sem a necessidade de revalidar o diploma.
No Estado, os estrangeiros queixam-se de sofrer pressão do Conselho Regional de Medicina (Cremers) e até de colegas. Em Quaraí, eles são mais da metade dos médicos do hospital. Em Jaguarão, um terço dos profissionais da Santa Casa — mesma proporção na Secretaria Municipal de Saúde de Santa Vitória do Palmar.
As prefeituras garantem que ocupam vagas rejeitadas pelos brasileiros. Conforme a diretora da Santa Casa de Quaraí, Daniele Garcia, sem os vizinhos, o hospital, que destina 80% dos leitos ao SUS, não estaria aberto. Os salários variam de R$ 7 mil a R$ 10 mil.
Para burlar uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que impede a venda de remédios com receitas que não sejam assinadas por médicos credenciados nos Conselhos Regionais de Medicina, a burocracia entra em campo. Em Santa Vitória do Palmar, a maior parte dos medicamentos receitados pelos estrangeiros está nas farmácias administradas pela prefeitura. O secretário de Saúde da cidade elogia a atuação dos estrangeiros.
— Eles cumprem horário, são mais atenciosos no atendimento — comenta Pitágoras Marzullo Vianna.
Cremers diz ser necessária forma de legalizar atuação
Na área administrativa, há mais um contratempo. Como os médicos não são reconhecidos pelo Ministério da Saúde, não podem ser pagos com dinheiro destinado a este fim. Os custos acabam saindo do caixa único da prefeitura, afetando verbas que seriam usadas para outros fins.
Contrário à decisão judicial, o presidente do Cremers, Paulo Aguiar, diz considerar necessário que o país encontre uma forma para legalizar a atuação dos estrangeiros, permitindo ao órgão a fiscalização da atividade de médicos não brasileiros.
Os profissionais no Estado
Com respaldo da Justiça, acordo bilateral permite atuação de uruguaios
- Na falta de profissionais interessados em assumir cargos oferecidos pelas cidades da fronteira com o Uruguai, uma decisão da Justiça permitiu que as prefeituras contratassem médicos uruguaios para completar o quadro. O acordo binacional foi assinado em julho de 2011.
- Os sindicatos médicos entendem que a decisão fere princípios do exercício da profissão, que exigem a participação em conselhos regionais e validação de diploma em território brasileiro. Eles alegam que a medida serve para diminuir os custos dos hospitais e secretarias, uma vez que os estrangeiros cobrariam menos pelos serviços prestados.
- Hoje, no Estado, Quaraí, Jaguarão e Santa Vitória do Palmar estão em situação de vulnerabilidade com relação à saúde. Elas fazem parte de um grupo de 75 municípios gaúchos apontados pelo Ministério da Saúde como prioritários para receber médicos pelo programa Mais Médicos. Nos três municípios, há hospitais, mas sem UTIs e, geralmente, para atendimentos de especialidades, os pacientes são enviados para outras cidades.
O Mais Médicos
- É um programa do governo federal para ocupar vagas de médicos em vários municípios do país. O que vem gerando polêmica é que, caso as vagas não sejam supridas com médicos nacionais, o governo pretende trazer estrangeiros.
- Sindicatos e representantes da classe médica nacional criticam a medida, pois, segundo eles, não faltariam médicos brasileiros, mas, sim, incentivos, estrutura e salários competitivos para que os estrangeiros assumissem as vagas. O programa está em fase de inscrição: profissionais brasileiros e estrangeiros podem se candidatar, e municípios que desejam fazer parte do programa, também.
- Na sexta-feira, o Conselho Federal de Medicina (CFM) entrou com uma ação civil pública contra os ministérios da Saúde e da Educação para suspender o programa. O CFM pede que os Conselhos Regionais de Medicina não sejam obrigados a efetuar registro provisório de médicos estrangeiros que aderirem ao programa sem comprovação da revalidação de diplomas emitidos no Exterior.
- Outro ponto que gera polêmica no programa é a adição de mais dois anos no curso de Medicina. No período, os alunos teriam que trabalhar para o SUS, com registro provisório, para ficarem aptos a receber o definitivo.
ENTREVISTA: Ketia Schettini - médica uruguaia que atua no Brasil
"Alguns colegas saem quando me aproximo"
Moradora de Santa Vitória do Palmar, a clínica-geral uruguaia Ketia Schettini, 35 anos, atende em um posto de saúde. Formada em Montevidéu, diz sentir as consequências de ser uma médica uruguaia em território brasileiro.
Zero Hora — Quais são os problemas que a senhora enfrenta?
Ketia Schettini — Encarei dois processos do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e claro que fico com medo de não poder mais trabalhar. É bastante pressão. Alguns colegas saem quando me aproximo, mas não vejo nada demais nisso. Lamento mais não poder receitar.
ZH — A senhora pretende fazer o Revalida?
Ketia — Pretendo. Queria fazer até este ano, mas como estou passando por uma gravidez de alto risco, tenho que ficar afastada de situações de estresse. Então, talvez, fique para depois. Só acho que a prova não condiz com a realidade médica. Às vezes, parece feita justamente para reprovar.
Fonte Zero Hora
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