A doença é uma espécie de arritmia cardíaca que responde por cerca de 20 dos acidentes vasculares cerebrais isquêmicos no mundo.
Cidade do México — Um grupo multidisciplinar com especialistas, dentre outros lugares, do México, da Suécia e do Brasil produziu um relatório com o intuito de alertar os governantes e a população para a necessidade do diagnóstico precoce da fibrilação atrial (FA), como forma de prevenção dos acidentes vasculares cerebrais (AVCs) causados por ela. A doença cardíaca, que impede o completo bombeamento do sangue, é responsável por 20% dos AVCs isquêmicos. A análise indica que o problema não está só no diagnóstico, que, geralmente, é realizado quando o paciente já sofreu um derrame — como é popularmente chamado o AVC —, mas também no tratamento da doença. Os medicamentos utilizados até hoje causam efeitos colaterais diversos e isso acaba provocando a utilização errada dos remédios. Para a equipe, há a necessidade de divulgar informações sobre a enfermidade para prevenir uma epidemia.
Todos os anos, 15 milhões de pessoas são acometidas por AVCs — das quais, cerca de 5,7 milhões morrem. Os especialistas avaliam que, à medida que a população envelhece, o número de mortes aumenta significativamente — a estimativa é de que, até 2024, se nada for feito, esse indicador triplique. “Trata-se de uma epidemia que já está acontecendo. O AVC é uma séria ameaça à saúde pública na América Latina”, ressalta Carlos Cantú, professor do Programa de Derrames da Universidade Nacional Autônoma do México e membro fundador da Associação Mexicana de Derrames.
Entre os países da América Latina, o Brasil e o México possuem as maiores populações e os mais altos índices de mortes por AVC, com 129,2 mil e 33 mil, respectivamente. Com fibrilação atrial, o Brasil tem aproximadamente 1,5 milhão pessoas, número que pode ser maior se considerado aqueles não diagnosticados. A cada cinco casos de AVC isquêmicos, um é causado pela fibrilação atrial. Por ser uma doença com sintomas vagos, é recorrente que o paciente só saiba que é portador quando sofre um derrame. É justamente por isso que o grupo denominado Action for Stroke Prevention (Ação para a Prevenção do AVC) pede que os governantes conscientizem a população sobre a enfermidade.
No entanto, diz Cantú, quando diagnosticado, basta que o paciente use o medicamento corretamente para prevenir o AVC. “Há muito tempo se utilizam os anticoagulantes de forma errada. É necessário explicar o jeito certo de usá-los, para só assim evitar o derrame”, atenta. Segundo Cantú, o motivo para a dificuldade no uso do remédio são efeitos colaterais dos medicamentos à base da vitamina K (VKAS), que podem causar hemorragias, além de obrigarem os pacientes a mudarem muito o estilo de vida. “Os pacientes devem tomar cuidado para não se ferirem e mudar os hábitos alimentares, pois a comida interfere no efeito do medicamento”, explica.
Apenas um terço dos portadores da doença recebem tratamento adequado para prevenir os coágulos de sangue. Um novo tratamento para a doença está sendo realizado com a substância warfarina, que, além de não ter efeitos colaterais, não interfere na qualidade de vida dos pacientes. Nesse caso, os portadores da doença não precisam fazer o controle sanguíneo para detectar hemorragias e ainda podem ingerir a droga com alimentos. “Com essa substância, eles vivem normalmente”, conclui.
O grupo de especialistas destaca que há a necessidade de melhorar a instrução entre os pacientes e os profissionais da área de saúde a respeito dos riscos e benefícios dos VKAS; e também incentivar as pesquisas sobre novos tratamentos. “Temos que evidenciar os estudos e as ações que diminuam a mortalidade com a doença”, acredita Trudie Lobban, fundadora da Aliança de Arritmia e diretora executiva da Associação de Fibrilação Atrial.
As recomendações do grupo, contidas no relatório, tratam de assuntos como divulgação de informações da doença, métodos para o diagnóstico prematuro e adequado da fibrilação atrial e avaliação dos riscos do AVC. Outra preocupação é como fornecer administração adequada e igualitária de tratamento aos pacientes em todos os países da América Latina e avançar em pesquisas relacionadas com as causas, a prevenção e o controle da FA. “Os legisladores e contribuintes precisam entender melhor a fibrilação atrial e o AVC relacionado com a doença para tomarem decisões informadas”, opina Trudie Lobban.
Para ela, as pessoas têm 25% de riscos de desenvolver a doença. “Fica claro que há uma necessidade médica não cumprida para a prevenção do AVC em pessoas com FA”, observa. Mellanie True, portadora da doença e também fundadora do site StopAfib.org, voltado para portadores da doença, conta que faltam informação e apoio de todas as partes. “Eles (pacientes) sofrem uma mudança emocional com o estresse que pode ser causado pelos sintomas da FA e pelo medo do AVC”, relata.
Maiores danos
Pacientes com fibrilação atrial que sofrem AVC têm um prognóstico muito pior do que aqueles que não têm a doença. São danos abrangentes e duradouros, deixando 5 milhões de pessoas permanentemente deficientes todos os anos. Pelo fato de o AVC surgir repentinamente, nem os pacientes nem os familiares estão preparados para lidar com o ônus físico, psicológico e financeiro da doença.
No Brasil, por exemplo, os gastos nacionais com atendimento médico na primeira hospitalização de um paciente com AVC chega a aproximadamente R$ 60 milhões, segundo estudo divulgado em 2009 na revista Neuroepidemiology. Esse valor pode ser mais alto se a pessoa for portadora da fibrilação atrial. “É fundamental que retiremos as barreiras ao atendimento ao paciente e apoiemos a melhoria da comunicação e da instrução aos pacientes e médicos. Se agirmos agora, de maneira estratégica e deliberada, a prevenção é possível”, acredita Mellanie True.
O chefe do serviço de arritmia e eletrofisiologia do Hospital da Trinidade San Isidro, em Buenos Aires, diz que é possível prevenir AVC relacionado com a FA por meio da detecção precoce — e até mesmo controlar a doença. “As recomendações do nosso relatório oferecem medidas estratégicas que podem ser tomadas para evitar uma epidemia potencialmente devastadora”, mensura. Ele considera que as primeiras medidas deveriam ser aumentar o entendimento da doença entre governos, profissionais da área de saúde e o público; e incentivar o desenvolvimento e o uso de novas abordagens para o controle da FA.
Fonte Correio Braziliense
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