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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Substância da Phyllomedusa nordestina elimina o protozoário da Leishmaniose

A leishmaniose deixou de ser uma doença de ocorrência apenas em áreas consideradas remotas. Nos últimos 30 anos, a mazela avançou sobre os centros urbanos e hoje se encontra fora de controle no Brasil e no mundo.

Para se ter uma ideia de sua gravidade e do seu avanço no país, a enfermidade é um dos maiores problemas de saúde pública do estado do Pará e já chegou ao Sul — região antes considerada de difícil adaptação dos insetos transmissores, por conta das baixas temperaturas.

Além da transmissão descontrolada, outro problema, talvez ainda mais grave, aflige a sociedade: a falta de um tratamento adequado e eficaz contra a doença. A saída, porém, pode estar na própria natureza, mais especificamente, nas costas de anfíbios. Uma pesquisa brasileira indica que uma substância encontrada na secreção desses animais tem ação potente contra o protozoário que provoca o mal.

A descoberta foi feita por José Roberto Leite, coordenador da equipe do Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade e Biotecnologia da Universidade Federal do Piauí (Biotec/UFPI), após testar a substância em células infectadas pela leishmania. “Entre dezenas de outras substâncias testadas, encontramos uma que pode dar origem a um fármaco muito mais eficaz que os existentes hoje”, afirma o pesquisador. A molécula se destacou contra a leishmaniose tegumentar, tipo da doença que se manifesta na pele.

A substância à qual Leite se refere é a dermaseptina 01, e foi extraída da secreção produzida pela Phyllomedusa nordestina, perereca de cerca de 5cm de comprimento muito comum no Delta do Parnaíba, no Piauí. Segundo o pesquisador, o líquido extraído do dorso do animal tem alto poder antimicrobiano, sendo capaz de protegê-lo de bactérias e fungos. O ambiente úmido e cheio de matéria orgânica em que os anfíbios estão imersos na quase totalidade de sua vida é ideal para a proliferação de bactérias comensais, que vivem na parte externa do corpo dos animais. Assim, o desenvolvimento de um sistema imunológico eficaz foi essencial para o sucesso evolutivo de espécies da ordem dos anuros — sapos, rãs e pererecas.


Sabendo disso, os cientistas focaram os estudos na identificação das substâncias presentes na secreção e na forma como elas atuam sobre micro-organismos patogênicos. “A ideia é conhecer essas substâncias antimicrobianas, sua estrutura molecular, e tentar mimetizar seus efeitos antibióticos contra bactérias patogênicas ao homem”, descreve Leite. Esse esforço de prospecção se iniciou em 2002, com anfíbios do Cerrado, quando o especialista integrava uma equipe de pesquisadores na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Pouco tóxica
Os anfíbios possuem em sua região dorsal uma série de glândulas granulares, especializadas na produção de veneno. Leite explica que essas estruturas produzem diversas classes de moléculas de interesse, principalmente peptídeos — biomoléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos. No caso da Phyllomedusa nordestina, há mais de 20 substâncias no peptídeo que foram isoladas e estudadas uma a uma (veja quadro).

A identificação da ação da dermaseptina 01 foi feita depois de ser testada nas células infectadas pela leishmaniose. Em 24 horas, a substância conseguiu acabar com o protozoário da doença. “Essas moléculas têm se mostrado muito potentes contra a leishmaniose tegumentar, além de apresentar menos efeitos colaterais contra células humanas, ou seja, baixa toxicidade”, afirma o coordenador da Biotec.

A toxicidade é um dos gargalos no tratamento contra a leishmaniose no mundo. Os dois únicos remédios existentes contra a doença trazem efeitos colaterais extremamente prejudiciais ao homem. Para se ter uma ideia do nível tóxico de tais medicamentos, o índice de mortalidade de pacientes que fizeram uso do tratamento é entre 5% a 20%. “Por isso, a dermaseptina 01 tem nos dado a expectativa de que, a partir dela, possam surgir uma classe de medicamentos eficazes contra a doença”, acredita Leite.
Nanoestruturas

Para que essa substância se torne mais eficaz contra a doença, os pesquisadores criaram nanofilmes com espessuras semelhantes a uma membrana natural que, aplicada sobre a pele, libera aos poucos a dermaseptina 01. “Para atacar a célula, a dermaseptina 01 tem de atravessar a parede celular. Assim como nos nanofilmes artificiais, já podemos analisar como se dá o processo na membrana celular da leishmania”, explica Valtencir Zucolotto, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) e coordenador da rede Nanobiomed, que estuda plataformas nanotecnológicas aplicadas à medicina.

No Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade e Biotecnologia, no Piauí, os cientistas desenvolveram um tipo de nanofilme feito da goma de cajueiro, na qual a substância pode ser inserida para chegar à célula e combater o protozoário. “Pretendemos utilizar esse material de caráter regional como uma membrana antiparasitária em feridas de pacientes com leishmaniose cutânea, aproveitando, além das propriedades do peptídeo, os efeitos da goma de cajueiro purificada que possui atividade antimicrobiana e antioxidante, já comprovadas por outros trabalhos de nosso grupo”, completa Leite.

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) e doutor em saúde pública pela Universidade de Harvard, Carlos Henrique Costa, mostra-se animado com os resultados da pesquisa e acredita que o estudo dos peptídeos possa originar novos medicamentos, sobretudo contra outras doenças tropicais. “Os anfíbios conseguiram sobreviver às grandes catástrofes, muito por conta dos peptídeos que eles produzem — inimigos naturais dos micro-organismos patogênicos.”

Costa ressalta a importância de pesquisas sobre a leishmaniose por causa da transmissão descontrolada, já que o inseto transmissor da doença se ada pta bem às condições urbanas. “Ele pode se transforma no novo Aedes aegypti (mosquito transmissor da dengue) muito mais rapidamente do que imaginamos”, alerta. “Toda pesquisa em busca de produtos farmacológicos traz esperança, pois não temos como combater a doença, que está se expandindo”, enfatiza o presidente da SBMT.

Tipos
A leishmaniose pode ser do tipo tegumentar e visceral. No primeiro caso, provoca lesões na pele e, em casos mais graves, ataca as mucosas do rosto, como nariz e lábios (leishmaniose mucosa). A manifestação visceral afeta os órgãos internos, causando febre, emagrecimento, anemia, aumento do fígado e do baço e imunodeficiência (diminuição da capacidade de defesa do organismo contra outros micróbios).
Fonte Correio Braziliense

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