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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Opnião: O resultado médico adverso visto pelo Direito

Segundo especialista, a culpa supõe a falta de diligência ou de prudência que habitualmente não deveriam existir em relação ao que era esperável com a execução de um ato

A desventura de um resultado médico indesejado é um paradoxo, contrário aos princípios médicos de agir com o máximo de zelo e modo mais perfeito da habilidade profissional para evitar malefícios ao paciente.

Mercê dos preceitos régios da beneficência e não maleficência que norteiam a atividade médica, às vezes manifestam-se no organismo do enfermo reações nocivas, imprevisíveis, sem que as causas e os danos possam ser explicados nem imputados à uma conduta reprovável: a terapia é bem aplicada mas a resposta revela-se decepcionante; realiza-se a cirurgia dentro da melhor técnica, entretanto resulta em fracasso; o medicamento é prescrito corretamente, mas produz resposta inesperada.

Ninguém tem o privilégio da infalibilidade de modo que, como em qualquer atividade, a possibilidade de falhar também está presente na prática da medicina. A expressão erro médico deve ser compreendida como qualquer situação indesejada ocorrida na prestação do serviço de assistência à saúde. Considera, de forma abrangente, os envolvidos na cadeia de assistência às pessoas enfermas: o médico, o profissional da saúde em geral e as entidades atuantes na área. Portanto, não se limita apenas aos médicos.

Até mesmo profissionais brilhantes e altamente reconhecidos por suas especialidades estão arriscados a cometer erros. É comum falar em erro do médico ou, então, em erro de técnica sem maiores cuidados. Deslembra-se da existência de acontecimentos além da força humana e da compreensão, inteiramente desassociados de má prática do médico ou de outros profissionais da saúde.

É fácil perceber que a imputação de erro sem fundamento ou a propositura de uma ação judicial descabida, podem provocar graves danos a quem se dedica à medicina. Quando feitas por emulação ou malícia, levam o autor da acusação ou da demanda temerária a responder pelos danos que causar a quem for indevidamente incriminado. Por isso, antes de atribuir erro a algum militante da saúde, médico, não médico ou hospital, é preciso pensar e agir com prudência, averiguando se está bem configurada a atividade culposa para constatar, com segurança, se realmente houve desempenho impróprio ou erro grosseiro nos serviços prestados.

Indiscutível que reações orgânicas são desiguais e quase impossíveis de prever. Variam de pessoa para pessoa e, por vezes, surgem num mesmo indivíduo de forma diferente. Mesmo as grandes teorias ainda não conseguem esclarecer causas do imponderável, sem possibilidade de serem encontradas na intrincada heterogeneidade do corpo humano, responsáveis pela preocupação de um efeito indesejado.

Qualquer procedimento médico, seja ele de que natureza for, desde os mais simples aos mais complexos, está sujeito a complicações orgânicas imprevistas, distantes, por conseguinte, de um mau resultado provocado diretamente por algum atuar do profissional. Bem por isso o dever médico de informar o enfermo ou os familiares de que todo ato médico tem certo grau de risco de manifestações orgânicas adversas, por mais leves que sejam. Quem não faz, incorre no alto preço de ser apontado como negligente por omitir informações.

Como o direito vê esses acontecimentos sob o prisma da responsabilidade médica, civil e criminal?

Comete ilícito culpável, passível de responsabilização, a pessoa física ou jurídica que causar dano a alguém por ação ou omissão voluntária, reconhecíveis por uma das modalidades da culpa: imprudência (atitude precipitada, desprecavida, sem cautela); negligência (desatenção, desleixo, deixar de fazer o que devia ser feito, ausência de cuidados) ou imperícia (desconhecimento técnico ou insuficiente).

Os eventos impossíveis de serem evitados tornando impraticável o cumprimento natural e correto de um dever, afastam a responsabilidade. Isso ocorre com o caso fortuito e com a força maior que, embora com características distintas – inevitabilidade na força maior e imprevisibilidade no caso fortuito – livram da obrigação de reparar pela inexistência de culpa do praticante do ato causador do dano. São circunstâncias excepcionais, estranhas à vontade.

Como ninguém pode ser responsabilizado pelo dano ao qual não deu causa, também os profissionais de saúde, incluídas as entidades públicas e privadas, estarão isentos de responderem pelos males advindos de acontecimentos imprevisíveis que escapam ao seu domínio e à ciência médica, pois há a quebra do nexo de causalidade, ou seja, o resultado não se dá em razão das suas atuações.

A culpa, portanto, em sentido estrito, supõe a falta de diligência ou de prudência que habitualmente não deveriam existir em relação ao que era esperável com a execução de um ato.

Neste ponto merece destacar o seguinte: face a responsabilidade de natureza objetiva que as entidades hospitalares carregam por imposição legal, diferente da responsabilidade pessoal do médico, de natureza subjetiva, dependente por conseguinte da comprovação da culpa, o hospital é responsável por danos causados pelos serviços ligados à estrutura hospitalar, enquanto o enfermo permanecer internado em suas dependências (trabalho do corpo de enfermagem, higienização, sala de cirurgia e equipamentos, administração de medicamentos, fornecimento de sangue, alimentação, etc.).

Vale lembrar que no conceito de hospital estão incluídos os estabelecimentos prestadores de serviços médicos em geral: hospitais propriamente ditos, hospitais gerais, hospitais-dia, pronto-socorros,
atendimentos de urgência, ambulatórios, clínicas.

O médico sempre trabalha com alguma margem de risco inerente ao próprio ofício. Acontece que eventos de origem indeterminada, nocivos ao enfermo, podem surgir em razão de fatores estranhos à atividade médica. São aspectos expressivos: faixa etária, reações contrárias do organismo, falta de resistência imunológica, parada cardiorrespiratória, hemorragia imprevisível, interação medicamentosa e outras situações anômalas, em que inexiste o nexo de causalidade, uma vez que não sobrevêm de nenhuma participação culposa.

Há procedimentos que, embora ocasionem sequelas, precisam ser realizados por faltar terapia substitutiva para atacar a doença. Nesses casos justificam-se plenamente tratamentos de qualquer espécie, sem que se possa atribuir ao médico responsabilidade alguma. Responsabilização derivada de ato pessoal do médico sempre depende da prova induvidosa da culpa.

Considerando que a lógica médica é salvar vidas ou minimizar os efeitos da moléstia, compreende-se que o profissional da medicina a despeito de saber do risco de um tratamento, ainda assim opte por ele. Elege, desta maneira, um mal menor, convencido de estar tentando evitar um mal maior: agravamento da doença e até mesmo a morte. Isso não quer dizer que tenha direito de fazer experiências sobre o corpo humano ou submeter doente terminal ou possuidor de enfermidade degenerativa, sem expectativa de melhora, a tratamentos inúteis afora os de natureza paliativa.

O que não pode é abandonar o paciente por ser terminal ou portar moléstia incurável. Faz parte dos deveres éticos o médico continuar dando assistência ainda que apenas para cuidados paliativos. Significa que mesmo esgotados os recursos da ciência médica, resta-lhe ainda a obrigação de proporcionar conforto e bem estar físico ao enfermo até o final de seus dias.

Quando a falência no tratamento de determinadas doenças graves está esgotada e a enfermidade ameaçar perigosamente a vida, é aceitável o recurso à terapêutica experimental permitida pelos órgãos competentes, ou a novos procedimentos que tenham alguma solidez científica a lhes dar sustentação, sempre, porém, sem nenhuma promessa e com o indispensável consentimento e adequado esclarecimento ao doente ou aos familiares das possíveis consequências. Essas são as razões pelas quais os médicos diferenciam-se dos curandeiros, especialmente, por serem dotados de conhecimentos técnico-científicos e formação a serviço da saúde do ser humano e da coletividade.

Considerando que toda ciência tem sua terminologia, informações claras, linguajar compreensível a respeito de tratamentos, riscos e percentuais de êxito, recidivas, efeitos colaterais de medicamentos, sequelas, etc., poderiam ter evitado um sem número de ações judiciais se tivesse existido bom relacionamento e boa comunicação entre o profissional, o paciente e sua família.

Não é demasiado ressaltar que o bom relacionamento e as explicações dadas sobre as expectativas da terapêutica, além de serem atitudes éticas somadas aos demais deveres médicos, são fundamentais para o enfermo e pessoas que o cercam compreenderem a probabilidade e os reveses de um resultado desfavorável.


Por Décio Policastro. É advogado, sócio fundador de Araújo e Policastro Advogados, Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e autor dos livros Erro médico e suas consequências jurídicas (2010, 3ª ed.) e Código de Procedimento Ético-Profissional Médico e sua aplicação (2011), ambos da Editora Del Rey (www.livrariadelrey.com.br).

Fonte SaudeWeb

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