Eram 15h de domingo, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. No hospital da cidade, a paciente não respondia às reações da equipe médica ao seu redor. O sangue havia obstruído o coração. O cardiologista Leonardo Miana, chamado às pressas para o caso, a via pela primeira vez e ela já nem abria os olhos. Ao ser entubada, a paciente sofreu uma parada cardíaca. Em oito minutos, os médicos fizeram o procedimento para retirar o sangue do coração e os batimentos voltaram.
Dois dias depois, ela acordou. Ao ver Leonardo pelo hospital, sem ninguém lhe dizer de quem se tratava, começou a chorar e a agradecer. Um ano depois, em uma outra unidade de saúde, reconheceu o residente da equipe que lhe salvara. Ela não sabia o nome dos profissionais. Só os conhecia porque, nos oito minutos em que ficou entre a vida e a morte, disse ter se visto fora do corpo durante todo o procedimento. “Ela não nos conhecia. Contou-me que se lembrava de toda a correria médica e que eu tinha lhe aberto o peito. É instigante”, comenta Leonardo.
Diante dos relatos e do número de casos, nos quais quem passou por essa experiência relata o aparecimento de luzes, imagens, túneis e tantas outras situações que deixam muitos arrepiados, cientistas resolveram encarar o desafio e tentar desvendar o que existe por trás disso: Fé? Delírio?
As explicações para o mistério que ronda a humanidade há milhares de anos poderão vir de um estudo internacional, do qual Minas Gerais é o único participante da América Latina. Empenhados na busca por investigar a natureza das experiências de quase-morte (EQM’s), integrantes do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Universidade Federal de Juíz de Fora (UFJF), há um ano, se uniram a cientistas da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá. Ao todo, são 25 centros participantes da pesquisa. Duas mil pessoas serão ouvidas em todo o mundo, sendo que em Minas a estimativa é de que até 150 deem seu relato. O projeto está no início, mas em dois anos é possível que o suspense chegue ao fim.
Evidências
De acordo com Leonardo Miana, coordenador da pesquisa em Juiz de Fora, o estudo começou em 2001 por Peter Fenwick, do Instituto de Psiquiatria de Londres e Sam Parnia, do Hospital Geral de Southampton, ambos da Inglaterra. “Eles conseguiram poucos casos. Dos pacientes que apresentam parada cardíaca, 10% têm a experiência de quase-morte. E desses, 20% dizem sair do corpo”, conta, justificando a extensão da análise pelo mundo. Há pouco mais de um ano, Peter veio a um congresso no Brasil e conheceu o Nupes, coordenado pelo professor adjunto de psiquiatria e semiologia da Faculdade de Medicina da UFJF, Alexander Moreira de Almeida . “Ele achou interessante que profissionais de várias áreas, como cardiologia, filosofia e psicologia, participassem do núcleo. Há um ano, com aprovação dos hospitais e do conselho de ética e pesquisa, ingressamos no projeto. Recebemos recursos da universidade e, desde então, esperamos a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais nos repassar R$ 200 mil para o trabalho”, comenta.
Cinco hospitais de Juiz de Fora participam desse estudo, sendo ao todo sete unidades de terapia intensiva (UTIs). Das cinco unidades hospitalares, três são particulares. Os outros dois são a Santa Casa da cidade e o Hospital Universitário da UFJF. A metodologia consiste em pôr prateleiras acima dos leitos das unidades de terapia intensiva. “Nelas há figuras impressas de pessoas conhecidas pela população”, conta o pesquisador. Tais imagens ficam localizadas a 30cm do teto e só poderiam ser vistas por alguém que estivesse flutuando. O estudo é duplo cego, ou seja, médicos e pacientes não sabem quais figuras estão ali.
Se alguma pessoa disser ter visto essas representações, segundo o pesquisador, essa pode ser a evidência de que a mente não está restrita ao cérebro. Em outras palavras, é uma forma de comprovar que existem almas. Por enquanto, os cientistas não contam os relatos já coletados, mas garantem que são interessantes. Há três correntes para o mistério: “A existência do espírito; a criação da mente do paciente; ou há uma hiperestimulação do cérebro com a perda rápida de oxigênio, que leva à estimulação do sistema límbico (responsável pelas emoções) a promover a visão das imagens”, aponta Leonardo.
Valor à vida
O curioso disso tudo é que, segundo ele, os casos relatados são semelhantes. “Estudos mostram que 80% das pessoas contam ter visto um túnel e uma luz clara. Dentro desse túnel, podem ou não ver imagens de seu passado. Há uma sensação de prazer. Desses, 20% dizem ter saído do próprio corpo”, afirma Leonardo, acrescentando também que, geralmente, depois de uns dois anos em que o paciente passou por isso, ele passa a valorizar mais a vida. “Os relatos para nossa pesquisa são acompanhados por psicólogos que aplicam a escala de Greyson — com perguntas formadas por componentes cognitivos, emocionais, transcendentais e paranormais — que classifica a EQM como padrão ou não.”
Ao ser padrão, a versão do paciente é gravada e é investigado se há menção das imagens da prateleira. Outros testes psicológicos e neurológicos também são feitos para algo que comprometa a veracidade da narrativa. Para o pesquisador, mesmo que um ou dois pacientes apresentem evidências consistentes no período de inatividade cerebral, haverá um forte indicativo de que mente e cérebro são coisas distintas e, portanto, o fenômeno não encontraria explicação nas teses convencionais que veem a mente humana como um produto gerado pelas atividades cerebrais.
Mas se não forem relatadas evidências verídicas, há várias suposições: durante a parada cardíaca, algumas descargas elétricas ainda em atividade no cérebro resultariam na produção cognitiva de imagem. Há a hipótese de se tratar de criação mental involuntária atuando como um mecanismo de defesa para um momento como a morte.
Outra suposição, que pode causar rebuliço na medicina, é de o cérebro manter algumas de suas funções mesmo diante da falta de oxigênio, o que poderia resultar em novos procedimentos na saúde. Os pesquisadores deixam claro que o estudo não tem nada a ver com o misticismo, o sobrenatural ou o espiritual. “Estamos tratando do natural. Se acontece tanto assim, é algo da natureza. Durante muito tempo, a ciência ficou afastada do transcendental. Hoje, cada vez mais, o ser humano está buscando isso. É hora de a ciência ir atrás”, conclui.
Experiência de quase-morte (EQM)
Experiências extracorporais incluem lembranças de fatos ocorridos enquanto os pacientes estão desacordados. Por exemplo, um homem em coma atendido pela equipe do holandês Pim van Lommel teve a dentadura removida. Uma semana depois, reconheceu a enfermeira que lhe desdentou e disse que a dentadura estava num carrinho de instrumentos cirúrgicos — nem a mulher lembrava disso.
Fonte Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário