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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Nova forma para diagnosticar bipolares deve entrar em vigor em dois anos

Tudo o que Denise Cristina Senra Ribeiro, 45 anos, mais quer é ter uma vida normal. Mesmo fazendo de tudo para concretizar isso, ela sabe que é um sonho distante. Convivendo com o transtorno bipolar desde os 33, quando teve a primeira crise forte, Denise diz que não perdeu a esperança, mas conhece bem as dificuldades que tem de enfrentar. “Tomo os remédios diariamente, mas, ultimamente, tenho tido uma crise atrás da outra. Na última, quase morri, mas não me lembro muito bem como fui parar no hospital.” Denise foi socorrida pelo filho, com quem mora, e pela mãe, que contou que ela tomou vários comprimidos de uma só vez, e desmaiou. “Essa realmente foi a pior crise, a que mais a afetou”, confirma Terezinha Senra Ribeiro.

Para o médico psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fernando Neves, os pacientes com transtorno bipolar podem sim manter a doença sob controle, usando os medicamentos adequados e de forma correta. No caso de Denise, o que agrava o quadro é o fato de ela fazer uso de álcool, “uma bomba”, na visão do médico. Segundo ele, nesse caso, a pessoa tem de tratar o alcoolismo primeiro. E é o que Denise vem tentando. Ela chegou a se internar para a desintoxicação, mas lembra que ficou um mês sem beber e, assim que saiu do hospital, começou tudo de novo. “Tenho consciência de que preciso parar, só não tenho controle”, lamenta.

E não é só Denise que sofre da doença, marcada por extremos de euforia e de depressão. Ao menos 1% (70 milhões de pessoas) da população mundial tem transtorno bipolar tipo I (bipolar clássico, que tem as duas fases — mania e depressão — bem marcadas). Do tipo II (caracteriza-se por não apresentar episódios de mania, mas de hipomania com depressão) são 4% — cerca de 280 milhões de pessoas (o equivalente a mais da totalidade da população brasileira, hoje em torno de 200 milhões). Mesmo assim, a doença ainda não tem a atenção que merece, passando a ganhar investimentos mais pesados nos estudos a partir da década de 1990 (até então, os estudos eram direcionados para a esquizofrenia).

De lá para cá, pouca coisa evoluiu, mas a principal perspectiva vem trazendo alento tanto para a classe médica quanto para os pacientes. São os parâmetros de classificação da doença. Hoje, para ser diagnosticado, o portador precisa ter alteração de humor durante quatro dias seguidos. Com a mudança, bastarão dois dias. Segundo Neves, isso agilizará o diagnóstico. “Mas é preciso cuidado para não cair no falso positivo. Há de se avaliar o histórico do paciente, com perguntas bem estruturadas, e ver se ele já teve alterações no passado.”

Com previsão de ser publicada em 2013, a nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais deve trazer uma série de mudanças nos critérios para diagnóstico de transtornos psiquiátricos. No que diz respeito ao transtorno bipolar, as principais alterações são referentes à caracterização do tipo II. Além de o parâmetro ser baixado para dois dias, o aumento de energia e atividade deverá entrar como um critério principal, quando antes eram só expansividade, euforia ou irritabilidade. “Essa revisão deve facilitar o diagnóstico e terá um impacto também em epidemiologia. Pacientes que estão subdiagnosticados hoje serão melhor identificados”, afirma o psiquiatra Diogo Lara, professor da Faculdade de Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), durante participação no Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em Gramado (RS).

Na infância
Outra alteração importante é um novo diagnóstico, do transtorno de desrregulação do temperamento, para ser aplicado na infância. “Pela primeira vez na psiquiatria, o temperamento terá de ser tratado, não somente o episódio. Tratado na infância, o mal não se agrava, sendo mantido sob controle”, afirma Lara. A dificuldade é que, na infância, o mal geralmente é confundido com outras anomalias, conforme alerta Fernando Neves, que também participou do congresso em Gramado. Geralmente, o primeiro episódio, conforme o psiquiatra, surge em torno dos 19 ou 20 anos.

“Antes disso, a pessoa pode ter depressão, irritação, mas não é o suficiente. É preciso levar em conta a história da família, se há pessoas jovens com depressão, e ficar atento aos próprios sintomas, entre os quais a alteração da necessidade de sono.”

Antes de o transtorno bipolar se manifestar, a mineira Denise Senra trabalhava num banco público. Chegou a pesar 120kg, principalmente por causa do uso do álcool. Ela conta que estava insatisfeita com uma transferência, quando foi obrigada a mudar de cidade. E aí começou a beber caixas e caixas de cerveja, até chegar ao limite. Foi quando conseguiu retornar para BH e se internar para tratamento. Em seguida, obteve autorização para fazer uma cirurgia bariátrica. Depois da redução do estômago, sempre que ficava nervosa, desmaiava, e, de 12 anos para cá, vem tendo uma crise atrás da outra. São momentos de depressão, ansiedade, angústia e, às vezes, euforia, em que ela diz querer sair e comprar tudo o que vê.

“Sinto uma tristeza tão grande e fico muito angustiada. Quero fazer as coisas e não posso. Quero dar atenção ao meu filho, que é uma graça e cuida muito de mim, mas não consigo nem me dar atenção.” Denise relata que começou a esquecer as coisas. Às vezes, não lembra se já comeu ou se já tomou os remédios e outras coisas desse tipo. “O transtorno bipolar é uma doença que tinha de ser mais divulgada. Muita gente não sabe o que é e até mesmo quem tem costuma não saber. Quando me apresento às pessoas, digo: ‘Prazer, tenho transtorno bipolar. É uma forma que encontrei para dizer que estou viva.”

Cara a cara com a doença
Transtorno bipolar tipo I
» Períodos de mania (euforia), com humor elevado e expansivo, graves o suficiente para causar prejuízo no trabalho e nas relações sociais, podendo gerar necessidade de hospitalização, contrapostos por períodos de humor deprimido, sentimentos de desvalia, desprazer, alterações do sono e do apetite, entre outros. Geralmente, o estado maníaco dura alguns dias; períodos de depressão, de semanas a meses.

Transtorno bipolar tipo II
» Períodos de hipomania, em que também ocorre estado de humor elevado e agressivo, mas de forma mais suave. Um episódio do tipo hipomania, ao contrário da mania, não chega a ser suficientemente grave para causar prejuízos em atividades de trabalho ou na vida social.

Transtorno bipolar misto
» Períodos mistos, em que em um mesmo dia há alternâncias entre depressão e mania. Em poucas horas, a pessoa pode chorar, ter sentimentos de desvalia e desprazer e, no momento seguinte, estar eufórica, sentindo-se capaz de tudo, falante e agressiva

Fonte Correio Braziliense

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