Quando a diretora de enfermagem do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, Maria Júlia Paes da Silva, aceitou conceder uma entrevista para a revista FH, não imaginava que, momentos antes desta repórter chegar ao local marcado, haveria uma queda de energia na região, que deixaria o ambiente que estávamos sem luz. Sem se abalar, ela sorriu e começou a contar sua história no setor da saúde.
De forma parecida, há três anos, a enfermeira não imaginava que, depois de mais de duas décadas atuando como docente da Faculdade de Enfermagem da USP, assumiria a diretoria do Hospital Universitário da instituição.
Duas situações diferentes, com graus de importância distintos, mas que, independentemente da complexidade, não afetam a serenidade de Maria Júlia. Essa maneira despretensiosa de lidar com os acontecimentos da vida, onde os pragmatismos e percalços dão lugar aos sonhos, são algumas das características que compõe sua visão de mundo.
Quando foi convidada para se tornar gestora da enfermagem do hospital, a profissional estava com seus planos de carreira focados na área de pesquisa. Ela conta que não havia se organizado para voltar ao hospital, mas achou que essa nova etapa que aparecera era uma oportunidade de fazer valer e ancorar o que ensinava e, também, de poder colocar em prática tudo o que havia sido falado em suas aulas.
Além disso, Maria Júlia sempre manteve sua paixão pelos trabalhos de campo e teve a chance de relembrar os tempos em que, junto com outros profissionais, ajudou a construir o HU. “No início da minha carreira, enquanto enfermeira, eu trabalhei no hospital e ajudei a construí-lo. Era um sonho termos outro hospital além do Hospital das Clínicas, que atendesse em âmbito secundário.”
A construção do hospital foi realizada há 30 anos, mas a enfermeira aborda as dificuldades encontradas para a realização do projeto como se fosse um fato recente. Um dos principais desafios elencados foi a ausência de processos especializados. “Naquela época, éramos considerados um bando de loucos, pois não existiam processos de enfermagem no Brasil. Sendo assim, decidimos nós mesmos criar esses protocolos.”
Da mesma forma que não existiam processos, também não existiam certezas, mas a vontade de realizar um trabalho diferenciado e com qualidade foi a força propulsora que motivou os profissionais a seguirem com seus objetivos.
Itens como desenvolvimento de pesquisa, sistematização, avaliação periódica com os funcionários, avaliação institucional e realização de registros foram algumas das “loucuras” colocadas em prática paulatinamente pela equipe do HU.
“Lembro que íamos à Associação Paulista de Medicina dar palestras baseadas nas nossas experiências e foi assim que a história do hospital começou”.
De volta para casa
Um dos fatores que contribuiu para que Maria Julia retornasse ao hospital foi o fato de ter se mantido atualizada sobre as mudanças tecnológicas que passaram a fazer parte da rotina da instituição ao longo do tempo.
“Se eu não tivesse acompanhado o trabalho de campo, não teria conseguido realizar as tarefas que executo hoje, pois nenhuma técnica que aprendi no passado é aplicada atualmente. Na minha época, eu não tinha aprendido a realizar os procedimentos com luvas, pois não existia Aids”.
Mas, para Maria Júlia, nem só de prática se faz uma gestão, é preciso também ter poesia nas atividades realizadas. E é essa característica que garante sua sustentável leveza do ser. Tendo como inspiração líderes que tinham a caridade como objetivo de vida, como Mahatma Gandhi, Jesus Cristo, Madre Tereza de Calcutá, Nelson Mandela, Irmã Dulce e Florence Nightingale- a precursora da enfermagem moderna- a gestora de enfermagem do HU aplica esses preceitos no seu dia a dia.
“As pessoas citadas possuíam em sua essência um potencial de liderança e a capacidade de mudar a visão das coisas. Florence é uma delas, porque independentemente do que tenhamos modificado para melhorar a nossa enfermagem, ela nos ajuda até hoje com noções fundamentais que transmitiu, fazendo uso de uma perspectiva holística de atender o ser humano”.
A enfermeira coloca em prática também os conceitos da Pirâmide de Maslow, baseada na possibilidade que o grupo de trabalho tenha as suas necessidades fisiológicas atendidas, tenham consciência tranquila e pessoas que ajudem-nas a permanecer neste estado de tranquilidade. “Acredito que meu papel é ajudar as pessoas que trabalham no hospital a se lembrarem do motivo que as levou a escolher esse tipo de profissão”.
Para ela, um verdadeiro líder deve motivar a autorrealização em seu time. E chama atenção para o fato de que não existem abismos instransponíveis a partir do momento em que você vê beleza no que se faz, pois é aí que se dá um salto de autoestima.
Saber ouvir
“Acho que os gestores de saúde têm que dar voz às pessoas que estão ao seu redor. E precisam também aprender a ouvir”. Essa é a opinião de Maria Júlia quando questionada sobre o relacionamento dos profissionais da área. E ressalta que mais importante do que resultados, deve-se prestar atenção ao momento. “Se eu me descuido do presente, não consigo construir futuro”.
Outra questão que a enfermeira acredita que deve ser lembrada é o fato de que um hospital é um local onde são atendidas pessoas que estão precisando de ajuda. “Um profissional de saúde deve estar ciente que vai lidar com doentes. Quem quiser trabalhar com pessoas felizes deve vender vestido de noiva”.
No entanto, ela ressalta que a profissão envolve muitos percalços e dificuldades, que muitas vezes não dependem apenas de boa vontade para serem vencidas. Para explicar o motivo que leva a ter tanta paz, relembra os tempos em que ainda estava aprendendo o ofício da enfermagem. Maria Júlia conta que no início da sua carreira estava no departamento de psiquiatria e com ela estava um atendente que surtou e começou a tirar a roupa na frente dos pacientes. “Eu sai correndo e chamei o supervisor, desesperada. Quando o encontrei, relatei o ocorrido, e ele manteve a calma. Perguntei se ele havia entendido o que eu acabara de contar, e ele me respondeu: eu entendi, mas não preciso enlouquecer junto”.
Esse é o maior aprendizado que Maria Júlia aplica em sua carreira e em sua vida. Para ela, não importa se há uma crise no setor, um hospital com problemas generalizados ou uma simples falta de luz. É nessa toada leve e serena que a gestora de enfermagem do HU faz arte por meio da gestão.
Fonte SaudeWeb
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